Pela primeira vez, informação quântica foi produzida, armazenada e recuperada

ZAP // NightCafe Studio

Uma equipa de investigadores criou um sistema de nós de processamento atómico que consegue conter os estados criados por um ponto quântico em comprimentos de onda compatíveis com a infraestrutura de telecomunicações existente. A internet quântica deu um passo de gigante.

O entrelaçamento quântico, teoria da física postulada por Erwin Schrödinger em 1935, sugere que partículas que num dado momento tenham interagido entre si ficam entrelaçadas quanticamente.

Este entrelaçamento é a base do chamado Paradoxo EPR, postulado por Albert Einstein, Boris Podolsky e Natahn Rosen, que determina que se alterarmos as propriedades de uma partícula emaranhada, essa propriedade é instantaneamente alterada na outra partícula, independentemente da distância que as separe.

Este efeito, a que Einstein chamou “ação fantasmagórica à distância“, é atualmente a base da computação quântica: transmitir informação à distância, instantaneamente, usando partículas entrelaçadas.

O potencial da computação quântica é imenso, mas a distância ao longo da qual as partículas emaranhadas conseguem transportar informação de forma fiável continua a ser um enorme obstáculo.

Com efeito, a mais ínfima das perturbações no entrelaçamento das partículas pode provocar disrupções na integridade da informação transportada.

Os investigadores têm procurado formas de contornar este problema. Num estudo publicado em 2022 na Light: Science & Applications, uma equipa de cientistas da Universidade de Tsinghua, na China, conseguiu estabilizar longos comprimentos de fibras óticas.

Num outro estudo, em 2017, investigadores da Universidade de Ciência e Tecnologia da China usaram satélites para preservar sinais quânticos através do quase-vácuo do espaço — conseguindo então, pela primeira vez, obter o chamado “efeito fantasmagórico” do espaço para a Terra.

No entanto, explica o Science Alert, uma rede quântica é mais do que uma simples transmissão, e os cientistas têm tentado atingir o objetivo há muito ambicionado de desenvolver um sistema de unidades interligadas, ou “repetidores”, que pudesse também armazenar e recuperar informação quântica, tal como fazem os computadores clássicos, para alargar o alcance da rede.

Uma equipa de investigadores do Imperial College London deu agora um passo de gigante para atingir esse objetivo.

Num novo estudo, publicado a semana passada na revista Science Advances, os investigadores criaram um sistema de nós de processamento atómico que pode conter os estados críticos criados por um ponto quântico em comprimentos de onda compatíveis com a infraestrutura de telecomunicações atualmente existente.

Para isso, são necessários dois dispositivos: um para produzir e potencialmente emaranhar fotões e um componente de “memória” que possa armazenar e permitir a recuperação dos estados quânticos desses fotões, a pedido, sem os perturbar.

“A interligação de dois dispositivos-chave é um passo crucial para permitir a criação de redes quânticas e estamos muito entusiasmados por sermos a primeira equipa a conseguir demonstrá-lo”, afirma Sarah Thomas, física de ótica quântica do  Imperial College London e autora principal do estudo.

O novo sistema desenvolvido pela equipa do ICL coloca um ponto quântico semicondutor capaz de emitir um único fotão de cada vez numa nuvem de átomos de rubídio aquecidos, que serve de “memória quântica”.

Neste dispositivo, um laser liga e desliga o componente de memória, permitindo que, a pedido, os estados dos fotões sejam armazenados e libertados da nuvem de rubídio.

As distâncias a que este sistema específico poderia transmitir memórias quânticas ainda não foram testadas; trata-se para já apenas de um protótipo, que serve essencialmente como  prova de conceito, baseado em fotões que nem sequer estão emaranhados. Mas a proeza pode criar uma base sólida para a Internet quântica.

“Esta demonstração inédita de recuperação a pedido da luz de pontos quânticos de uma memória atómica é um primeiro passo crucial para interfaces quânticas híbridas de luz-matéria em redes quânticas escaláveis”, escreve a equipa no seu artigo.

Há já algum tempo que os investigadores em computação quântica tentam ligar fontes de luz de fotões e nós de processamento que armazenam dados quânticos, sem grande sucesso.

“Isto inclui-nos a nós, que já tentámos esta experiência duas vezes com diferentes dispositivos de memória e de pontos quânticos, há mais de cinco anos, o que mostra como é difícil”, afirma Patrick Ledingham, físico quântico experimental da Universidade de Southampton e co-autor do estudo, num comunicado publicado no site do ICL.

Parte do problema reside no facto de os pontos quânticos emissores de fotões e os nós de “memória” atómica utilizados até agora estarem sintonizados em comprimentos de onda diferentes, sendo as suas larguras de banda incompatíveis entre si.

Em 2020, uma equipa de investigadores da Academia de Ciências da China tentou arrefecer átomos de rubídio para os atrair para o mesmo estado emaranhado dos fotões, mas esses fotões tinham então de ser convertidos para uma frequência adequada para serem transmitidos por fibras óticas – o que pode criar ruído, desestabilizando o sistema.

O sistema de memória concebido por Sarah Thomas e colegas tem uma largura de banda suficiente para interagir com os comprimentos de onda emitidos pelo ponto quântico — e um ruído suficientemente baixo para não perturbar os fotões emaranhados.

Embora a proeza seja significativa, os investigadores ainda estão a trabalhar para melhorar o seu protótipo — que representa para já apenas uma esperança de um dia podermos ver este tipo de tecnologia, ou algo semelhante, a cobrir o mundo numa teia de redes quânticas delicadas mas estáveis.

Este foi um pequeno passo para a física, mas um passo de gigante em direção à  internet quântica.

Armando Batista, ZAP //

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