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“A solidariedade não se explica. Faz-se”: Palmilha Dentada oferece espectáculo a Anocas

Anocas

Anocas ainda tinha 2 anos quando lhe foi diagnosticado um tumor cerebral inoperável. Companhia de teatro decidiu realizar sessão especial (já esgotada) nesta quarta-feira. Anocas é “um milagre em cima de duas pernas” porque não há explicação científica para a jovem continuar viva.

“A solidariedade não se explica. Faz-se”.

É assim que o Palmilha Dentada resume a sessão especial de Guardião do Rio, marcada para esta quarta-feira, 8 de Março, às 19h30.

É no dia da mulher, sim, mas é uma sessão especial para uma mulher especial. Não está relacionado com essas comemorações.

O grupo de teatro do Porto, criado em 2001, decidiu oferecer a receita total dos bilhetes a Anocas.

Anocas (Ana Pinto Monteiro) é uma jovem de 17 anos que tinha uma infância calma e saudável. Saltava, brincava. Até que, ainda antes de completar três anos, soube-se que tem um tumor cerebral inoperável.

Tem estado em “sobrevida em oncologia pediátrica há 14 anos e meio, quando a probabilidade era de 13 meses”, lembra ao ZAP a sua mãe, Alexandrina Pinto.

Helena Fortuna, produtora do Palmilha Dentada, contou-nos que esta ideia surgiu de uma forma muito simples: “Conhecemos a história da Anocas. Ela é amiga da nossa actriz Patrícia Queiroz. Fomos acompanhando a história através dela. Estávamos com um espectáculo a terminar a temporada e achámos que esta era uma oportunidade e avançámos com a ideia”.

Reacção e “aventura” da mãe

Alexandrina ficou “bastante emocionada, bastante mesmo” com o gesto. “Reverter a 100 por cento para a Anocas é incrível”. A ideia partiu do grupo, reforçou. “Gosto muito dos Palmilha Dentada. E a (actriz) Patrícia Queiroz é uma amiga para a vida”.

A mãe da adolescente recordou o caminho de “efeito borboleta” que tem percorrido nestes 14 anos: “Acontece uma coisa, que depois leva a outra e depois a outra”.

A sua “aventura”, segundo palavras da própria, passou por diversos tratamentos sem efeito; não deu para reduzir o tumor.

Mas, diz quem a conhece, que Alexandrina tem uma “força brutal”, só pelo facto de tentar outra abordagem terapêutica para a filha.

Só que essas alternativas ficam caras. Muito caras. Recorreu a empréstimos bancários para “tentar coisas diferentes que em Portugal não têm participação do Estado”.

Este ano está a ser diferente. Depois de iniciativas frequentes nas outras estações do ano, no Inverno não é costume haver ajuda.

Mas algo mudou: Alexandrina é professora e deixou de ter hipótese de ficar com a filha; passou a ter de se apresentar na escola.

Combater o que não faz sentido

Ao fim de ano e meio de atestados sucessivos, quem tem atestado tem de voltar e passar um mês sem faltar ao trabalho.

Alexandrina recusou voltar e tem mostrado o seu descontentamento publicamente, sobretudo em programas de televisão. “Tendo por base os meus direitos e os direitos da Anocas, ambos previstos na Constituição portuguesa”.

Tentou o auxílio de Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República, de João Costa, ministro da Educação – mas sem êxito, nos dois casos.

Entretanto, teve uma vitória: conseguiu licença até 4 anos, Mas não está satisfeita: “Isto não faz sentido nenhum: em 2023, a única doença que permite ficares com o teu filho por tempo indeterminado é a tuberculose”.

“Não tenho qualquer ligação à política, nada; mas tenho de arranjar maneira de a lei ser revista. Isto é só à português: esta lei foi aprovada e ninguém mexe”, revelou.

muitas crianças doentes a nível oncológico em Portugal “mas ninguém se interessa, ninguém faz nada”, lamentou.

São milhares e milhares de euros gastos em terapias. “São muitos desafios, e depois há o desafio adicional de tentar arranjar formas de pagar tratamentos e terapias. É muito desafiante, não é fácil”.

Também não está fácil a situação da Anocas. Nunca esteve, nestes 14 anos e meio: o tumor continua a aumentar, embora Anocas tenha melhorado a nível emocional. Vive com um tumor na cabeça mas ela está bem, é saudável.

Comédia sobre solidão

Voltando ao espectáculo de Palmilha Dentada, Guardião do rio é um “espectáculo com marionetes que fala de uma forma cómica sobre a solidão”, resume Ricardo Alves, encenador e autor do texto.

São reflexões de um homem que vive numa barragem a tomar conta do nível das águas para decidir quando abre as comportas. Ele vive sempre na angústia de salvar uma aldeia, ou a outra (há uma aldeia em baixo e outra em cima).

“É uma reflexão um bocadinho disparatada sobre a solidão, sobre a necessidade que todos temos de contar histórias e de inventar histórias para nos sentirmos melhor”, descreveu.

O também director da companhia disse-nos que a peça já estreou há 11 anos, é uma das mais antigas do grupo.

“Milagre em cima de duas pernas”

A sessão especial de Guardião do Rio – 8 de Março, 19h30 – já está esgotada. Os Palmilha Dentada tentam agendar nova sessão, para as 21h30 do mesmo dia.

Será (ou serão) no Porto, no espaço O Lugar, na Travessa das Águas. O preço-base é de 7,5 euros mas o público é convidado a pagar o que quiser.

Tudo pela Anocas: “Ela é um milagre em cima de duas pernas. Porque, dada a localização e a extensão do tumor, que é enorme e afecta centros nevrálgicos, não há explicação científica para ela estar cá”, resume a mãe.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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