Em 2008, como parte de um exercício de “nation branding” – uma tentativa de dar a um país uma identidade facilmente reconhecível – os especialistas em comunicação lituanos criaram o slogan “Lituânia – um país corajoso”.
Na época, a elite política do país era cética, mas hoje identifica-se com o rótulo quase que instintivamente. De facto, o pequeno país báltico tem uma população de menos de 3 milhões e está nas fronteiras da UE, mas desde 2020 enfrentou três regimes autocráticos: Bielorrússia, China e especialmente a Rússia.
Vilnius em todas as frentes
Tudo começou em agosto de 2020, quando, após as eleições presidenciais fraudulentas da Bielorrússia, que provocaram protestos em massa e repressão violenta, a Lituânia acolheu a líder da oposição bielorrussa Sviatlana Tsikhanouskaya e milhares dos seus apoiantes, em fuga do país liderado por Aleksandr Lukashenko. Tikhanovskaïa escolheu Vilnius como a casa do seu governo no exílio.
Em resposta, o regime de Lukashenko organizou uma “crise” migratória sem precedentes na região, usando agências controladas pelo Estado para dar vistos de turista a aspirantes a migrantes da África e do Oriente Médio, hospedando-os em Minsk e depois levando-os para as fronteiras da Lituânia, Polónia e Letónia. Aqueles que não fizesse a travessia, sofriam violência por parte das autoridades bielorrussas.
Um ano depois, em novembro de 2021, a Lituânia ousou acolher a representação económica de Taiwan sob o título “Escritório de Representação de Taiwan” em vez de “Tapei”, como acontecia em outras partes da Europa. Isso provocou a ira da China, que retirou os produtos lituanos das listas alfandegárias e reduziu o nível de representação diplomática lituana no país. A liderança do país não cedeu.
Em fevereiro de 2022, a invasão russa da Ucrânia fez mais do que chocar a sociedade lituana, provocou medo: depois de passarem 45 anos sob a alçada soviética os lituanos identificam-se prontamente com os ucranianos. Provocou também o sentimento de que era imperativo solidarizar-se com o país atacado e punir o seu agressor.
Apoio sem precedentes
Em resposta, os lituanos deram as boas-vindas aos refugiados ucranianos, organizaram ajuda humanitária e arrecadaram fundos para apoiar os militares ucranianos. Os fiéis do país rezaram pela paz, aqueles que falavam russo telefonaram aos cidadãos russos para explicar o que realmente estava acontecendo na Ucrânia e incitar a oposição à guerra.
Os lituanos não agiram sozinhos: como sempre, consultaram os seus aliados na NATO e na UE (a Lituânia juntou-se a ambas as organizações em 2004), mas nos círculos euro-atlânticos, as autoridades lituanas estão entre as mais enérgicas e determinadas.
A Lituânia foi um dos primeiros países a fechar o seu espaço aéreo aos aviões russos. O país também lutou por fortes sanções contra o regime de Putin, incluindo a interrupção da compra de petróleo e gás russo e o fechamento de portos marítimos para navios registados na Rússia.
Em março de 2022, o parlamento lituano adotou uma resolução pedindo que as Nações Unidas estabelecessem uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia – uma das exigências urgentes do presidente Zelensky no início do conflito. Em maio, outra resolução foi adotada, chamando a guerra de genocídio e a Rússia de “estado terrorista”.
No início de abril, após a revelação das atrocidades perpetradas pelas forças russas, a Lituânia expulsou o embaixador russo de Vilnius e retirou o seu próprio embaixador de Moscovo. A Lituânia também é um dos países que iniciou o processo para garantir que os russos, considerados culpados de crimes de guerra, incluindo os líderes, enfrentariam tribunais internacionais.
Algumas ações foram simbólicas, mas ainda assim poderosas: a Câmara Municipal de Vilnius renomeou a estrada que leva à embaixada russa como “Rua dos Heróis Ucranianos”. Em todo o país, as autoridades removeram monumentos dedicados aos “libertadores” soviéticos que ainda não tinham sido removidos.
Em algumas ocasiões, as autoridades lituanas foram até obrigadas a desacelerar: a 17 de junho, as autoridades alfandegárias do país pararam algumas mercadorias russas sancionadas destinadas a Kaliningrado, o enclave russo, que deveriam transitar pelo território lituano. Moscovo irritou-se, levando a temores de uma escalada da tensão. Em resposta, a Comissão Europeia apresentou esclarecimentos adicionais sobre os requisitos de sanção e permitiu que o embarque ocorresse.
Em outubro de 2022, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Lituânia alertou o governo de que não seria capaz de transferir para a Ucrânia algumas das armas, pois eram essenciais para a defesa da própria Lituânia. O exército já contribuiu com o equivalente a 200 milhões de euros de ajuda militar à Ucrânia, o que representa pelo menos 13% do orçamento anual da defesa.
A delicada questão dos residentes russos
Apesar do apoio aos dissidentes russos, a situação na Lituânia continua delicada. Em setembro de 2022, as autoridades lituanas (como as da Letónia e da Estónia) fecharam as suas fronteiras aos russos, fugindo do recrutamento. A lógica era simples: há disposição para acolher os dissidentes políticos e os que se opõem à guerra, mas não aqueles cuja principal preocupação é a própria segurança.
A responsabilidade que os cidadãos russos carregam pela guerra e o lugar que a cultura russa deveria ter na vida pública da Lituânia também é uma questão de debate. Um grupo de especialistas, reunido pelo Ministério da Cultura, decidiu renomear o “Teatro Russo de Vilnius” como “Teatro Antigo de Vilnius”.
Alguns discordaram da medida, pois o teatro era um dos raros lugares onde a cultura russa, livre da influência de Putin, poderia ser encontrada. Mas as reações foram moderadas, como no caso da decisão da Ópera Nacional de “temporariamente… abster-se de apresentações públicas de obras de autores russos, pois a cultura na Rússia está intimamente associada à política agressiva deste país”.
O equilíbrio entre segurança e liberdade é sempre difícil de estabelecer, como diria o estudioso Mark Neocleous. Para a Lituânia, praticamente na linha da frente da guerra, é ainda mais complicado: a Rússia tornou-se uma ameaça existencial, o que explica a vontade dos lituanos de “securitizar” um número crescente de temas do quotidiano.
Os diplomatas do país querem mobilizar mais Estados em defesa dos valores democráticos a nível europeu e mundial. Se este projeto for bem-sucedido, criará um contexto em que as liberdades fundamentais serão mais fáceis de defender – a nível internacional, mas também a nível nacional.
ZAP // The Conversation