País fraturado (e muito indeciso). O que esperar das eleições na Alemanha?

A um dia das eleições, neonazis marcharam em Berlim frente-a-frente com ativistas da esquerda. Muitos eleitores ainda estão indecisos: um em cada cinco não sabia ainda, este sábado, em quem votar.

Os ventos de Portugal são os que vêm da Europa. Com a imigração e segurança a dominar as manchetes, até 61 milhões de pessoas vão às urnas este domingo numa Alemanha completamente fraturada ideologicamente.

Cerca de 200 neonazis desfilaram em Berlim este sábado, véspera de eleições legislativas na Alemanha, sob os apupos de populares e de muitos mais ativistas antifascistas, com uma gigantesca operação policial a evitar confrontos.

Convocada por um antigo membro do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), Ferhat Sentürk, que já organizara em dezembro passado um evento na capital alemã que terminou em confrontos entre a polícia e ativistas de esquerda, a manifestação de hoje, alegadamente “contra o extremismo de esquerda e a violência politicamente motivada”, decorreu sob fortes medidas de segurança, com a polícia a montar barricadas ao longo de todo o trajeto do desfile e a destacar centenas de agentes, incluindo a força de intervenção.

Todos os acessos à estação de comboios de Friedrichstrasse, o ponto de encontro dos manifestantes de extrema-direita, foram bloqueados pela polícia, que só deixava passar residentes ou jornalistas, o mesmo acontecendo ao longo de todo o trajeto, de cerca de 1,5 quilómetros, que os neonazis, na sua grande maioria muito jovens e de rosto coberto, alguns dos quais com bandeiras da Alemanha, percorreram até à estação ferroviária central de Berlim.

Liderados por Sentürk – acusado de defender a ideologia nazi, mas cujas raízes turcas levam elementos da extrema-direita alemã a rejeitar participar nas suas iniciativas –, os cerca de 200 manifestantes neonazis foram entoando cânticos ao longo do trajeto, “contra o extremismo de esquerda” e “a peste vermelha”, e por uma “Alemanha acima de tudo”.

Antifascistas responderam

Ainda assim, ao longo do percurso pela Friedrichstrasse, foram vários os populares a gritar, desde as janelas, palavras de ordem contra os manifestantes, que respondiam com insultos, sob o olhar atento das forças de segurança, constatou a Lusa no local.

Mais ruidosos eram os muitos ativistas antifascistas concentrados em diversos pontos em redor da estação de comboios, incluindo centenas na Praça Bertolt-Brecht, que assistiram ao início do cortejo proferindo palavras de ordem antifascistas e gritando repetidamente o lema “alerta, alerta, alerta antifascista”, ao mesmo tempo que tocavam buzinas para ‘abafar’ as palavras de ordem dos neonazis.

Um dos jovens envolvidos nesta contramanifestação, Leon, explicou à Lusa, enquanto se ocupava da instalação sonora montada no local, que pertence ao coletivo Geradedenken, apresentado como antifascista e contra as fake news e teorias da conspiração. Garantiu que sairá sempre para a rua quando houver manifestações de neonazis, que, argumentou, “deviam ser proibidas, porque toda a ideologia deles vai contra os valores da sociedade democrática”.

O discurso de ódio é crime na Alemanha

E na verdade, na Alemanha, a liberdade de expressão tem mais limites do que noutros países como por exemplo os EUA. No país que conta com um passado nazi sombrio, é crime insultar e espalhar mentiras sobre os outros. É também crime negar publicamente o genocídio do povo judeu cometido pelo regime nazi de Adolf Hitler — enquadra-se na incitação ao ódio. Mas expressar opiniões políticas sem discurso de ódio é permitido.

“A liberdade de expressão e a liberdade de reunião protegem todo o tipo de opiniões, mesmo aquelas nas extremidades do espectro político”, explica o advogado Ralf Poscher, diretor do Instituto Max Planck, à DW. Por isso é que as manifestações de extremistas de direita são permitidas na Alemanha.

Só quando os inimigos da Constituição se organizam é que o Estado pode combatê-los. Dessa forma, partidos também podem ser proibidos. A assim chamada democracia “defensiva” visa evitar que a Alemanha se torne novamente uma ditadura.

Uma “tragédia” que os antifascistas querem evitar

O jovem Leon revelou ainda, perspetivando as eleições de domingo, que, tal como muitos milhares de jovens nas últimas semanas, se tornou membro do partido Die Linke (A Esquerda), pois, “no atual panorama, seria uma tragédia a esquerda não estar representada no Bundestag”, o parlamento alemão.

“Eu nem concordo com tudo o que o partido defende, designadamente o fim do apoio militar à Ucrânia, mas é necessário um movimento de unificação para garantir que a esquerda tem uma voz no parlamento”, disse, acrescentando que o seu “maior receio” relativamente ao novo quadro político saído das eleições de domingo é uma possível colaboração futura entre os conservadores da CDU, que lidera todas as sondagens, e a AfD.

Mas uma coligação com a extrema-direita de Alice Weidel parece menos provável, apesar de a “lésbica anti-LGBT” contar com cerca de 20% das intenções de voto.

O que esperar

As manifestações deste sábado tiveram lugar a menos de 24 horas de os alemães serem chamados às urnas para eleições legislativas antecipadas. A Alemanha está cada vez mais dividida, e muitos eleitores ainda estão indecisos: um em cada cinco não sabia ainda, este sábado, em quem votar.

As sondagens apontam para que o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha seja a segunda força política com mais votos, em redor dos 20%, apenas superada pelos conservadores da CDU, de Friedrich Merz, e à frente dos socialistas do SPD.

Merz culpa Merkel pela imigração e já falava como vencedor esta sexta-feira.

Esperemos o melhor, mas preparemo-nos para o pior. Pode ser que nós, europeus, tenhamos agora finalmente de assumir a segurança do nosso continente com as nossas próprias mãos”, disse o líder da CDU: “as garantias americanas já não existem”.

E um governo composto pela CDU e os socialistas do SPD, do do ainda chanceler Olaf Scholz? O ainda chanceler, sorridente, já garantiu que “entra no avião” se Merz for o “piloto”. Se Merz o levaria? “Depende da viagem”, respondeu aquele que deverá vencer as eleições deste domingo.

Como funcionam as eleições na Alemanha?

Se um partido obtiver 50% dos votos, terá efetivamente representantes para fazer valer sua própria agenda, mas é improvável que isso aconteça. Os partidos alemães normalmente precisam de fazer parcerias com um ou mais partidos para formar uma coligação com votos suficientes para controlar o Bundestag.

Tradicionalmente, o candidato do partido que obtém o maior número de votos torna-se chanceler. O líder do partido que obteve menos votos na coligação costuma ser escolhido como ministro dos Negócios Estrangeiros. O chanceler apresenta suas escolhas ao presidente, que nomeia os membros do governo.

A Lei Fundamental – a Constituição alemã –, estipula que a primeira sessão do novo Bundestag deve ocorrer dentro de 30 dias após a eleição.

O presidente propõe oficialmente o candidato a chanceler, que tem de obter a maioria absoluta dos votos. Se o candidato não conseguir, os membros do Bundestag podem escolher outro candidato e submetê-lo a uma votação dentro de 15 dias. Será necessária, novamente, uma maioria absoluta.

Se nenhum candidato obtiver a maioria absoluta no segundo turno de votação, uma votação final deve ser realizada. Quem receber o maior número de votos nessa ronda será eleito, por maioria simples.

Se o chanceler for eleito com maioria absoluta, o presidente deverá nomeá-lo dentro de sete dias. Se a pessoa eleita obtiver apenas uma maioria simples no terceiro turno, o presidente deverá nomeá-la dentro de sete dias ou dissolver o Bundestag, desencadeando novas eleições dentro de 60 dias.

ZAP // Lusa

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