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Ténias, piolhos e telemóveis. Segundo a evolução, são todos parasitas dos humanos

Olly18 / Depositphotos

Muitos de nós somos reféns dos nossos telemóveis – que nos capturaram numa relação que não é muito diferente de ter parasitas no organismo.

Piolhos, pulgas e ténias têm sido companheiros da humanidade ao longo da nossa história evolutiva.

No entanto, o maior parasita da era moderna não é nenhum invertebrado sugador de sangue. É elegante, tem uma frente de vidro e foi concebido para ser viciante.

O seu hospedeiro? Todos os seres humanos na Terra que tenham um sinal de wifi, explica Rachel Brown, investigadora da Australian National University, num artigo de opinião no The Conversation.

Longe de serem ferramentas benignas, os smartphones parasitam o nosso tempo, a nossa atenção e as nossas informações pessoais — tudo em benefício das empresas de tecnologia e dos seus anunciantes, diz a professora de Filosofia Biológica.

Num novo artigo científico, recentemente publicado no Australasian Journal of Philosophy, Brown e o seu colega Robert Brooks sustentam que os smartphones representam riscos sociais únicos, que ganham um foco nítido quando vistos através da lente do parasitismo.

Mas o que é, exatamente, um parasita?

Os biólogos evolutivos definem um parasita como uma espécie que beneficia de uma relação próxima com outra espécie – o seu hospedeiro – enquanto o hospedeiro suporta um custo.

Os piolhos da cabeça, por exemplo, dependem inteiramente da espécie humana para a sua sobrevivência. Eles alimentam-se apenas de sangue humano e, se se soltarem do seu hospedeiro, sobrevivem apenas por breves momentos, a menos que tenham a sorte de cair sobre outro couro cabeludo humano.

Em troca do nosso sangue, os piolhos não nos dão nada além de uma comichão desagradável; esse é o custo.

Os smartphones mudaram radicalmente as nossas vidas: desde ajudar-nos a navegar no trânsito até gerir doenças crónicas como a diabetes, estes pequenos aparelhos tecnológicos facilitam as nossas vidas — tanto, que a maioria de nós raramente se separa deles.

No entanto, apesar dos seus benefícios, muitos de nós somos reféns dos nossos telemóveis e escravos do scroll infinito, incapazes de nos desligar completamente. Os utilizadores de telemóveis pagam o preço com falta de sono, relações offline mais fracas e perturbações de humor.

Nem todas as relações próximas entre espécies são parasitárias. Muitos organismos que vivem sobre nós ou dentro de nós são benéficos.

Consideremos as bactérias no trato digestivo dos animais. Elas só conseguem sobreviver e reproduzir-se no intestino da sua espécie hospedeira, alimentando-se dos nutrientes que por lá passam.

Mas estas bactérias proporcionam benefícios ao hospedeiro, incluindo melhor imunidade e melhor digestão. Estas associações vantajosas para ambos são chamadas de mutualismos.

A relação humano-smartphone começou como um mutualismo. A tecnologia provou ser útil para os humanos manterem contacto, navegarem através de mapas e encontrarem informações úteis.

No entanto, sustentam os investigadores no seu artigo, a partir destas origens benignas, a relação tornou-se parasitária. Tal mudança não é incomum na natureza: um mutualista pode evoluir para se tornar um parasita, ou vice-versa.

Smartphones como parasitas

À medida que os smartphones se tornaram quase indispensáveis, algumas das aplicações mais populares que oferecem aos seus hospedeiros humanos passaram a servir os interesses das empresas que as criam e dos seus anunciantes com mais fidelidade do que os dos seus utilizadores humanos.

Estas aplicações são desenhadas para influenciar o nosso comportamento, mantendo-nos a fazer scroll, a clicar em publicidade e a fermentar numa indignação perpétua.

Além disso, os dados sobre o nosso comportamento de navegação são na verdade essencialmente usados para aprofundar essa exploração, dizem os investigadores.

O seu telemóvel só se preocupa com os seus objetivos de fitness pessoal ou com o seu desejo de passar mais tempo de qualidade com os seus filhos na medida em que usa estas informações para se adaptar melhor e capturar a sua atenção.

Portanto, pode ser útil pensar nos utilizadores e nos seus telemóveis como semelhantes a hospedeiros e seus parasitas – pelo menos em algumas situações.

Embora esta constatação seja interessante por si só, o benefício de ver os smartphones através da lente evolutiva do parasitismo revela-se particularmente útil quando consideramos para onde a relação pode evoluir a seguir – e como podemos frustrar estes parasitas de alta tecnologia.

A evolução mostra que duas coisas são fundamentais: a capacidade de detetar exploração quando ocorre e a capacidade de responder — tipicamente, retirando “serviço” ao parasita.

Uma batalha difícil

No caso do smartphone, não conseguimos detetar facilmente a exploração. As empresas tecnológicas que desenham as várias funcionalidades e algoritmos para o manter a pegar no telemóvel não publicitam este comportamento.

Mas mesmo que esteja consciente da natureza exploratória das aplicações para smartphones, responder também é mais difícil do que simplesmente pousar o telemóvel.

Muitos de nós estamos dependentes dos smartphones para tarefas quotidianas. Em vez de memorizar factos, transferimos a tarefa para dispositivos digitais – para algumas pessoas, isto pode alterar a sua cognição e memória.

Dependemos de ter uma câmara para capturar momentos da vida ou até apenas para registar onde estacionámos o carro. Isto tanto melhora como limita a nossa memória dos acontecimentos.

Os governos e as empresas apenas cimentaram ainda mais a nossa dependência dos nossos telemóveis, ao transferirem a prestação dos seus serviços para online através de aplicações móveis. Assim que pegamos no telemóvel para aceder às nossas contas bancárias ou aos serviços governamentais, perdemos a batalha.

Como podem então os utilizadores corrigir a relação desequilibrada com os seus telemóveis, transformando a relação parasitária numa relação mutualista?

Brown e Brooks sugerem que a escolha individual não consegue, de forma fiável, levar os utilizadores a esse ponto. Estamos individualmente em desvantagem perante a enorme vantagem da informação que as empresas tecnológicas possuem na corrida armamentista entre hospedeiro e parasita.

Assim, a luta contra estes parasitas depende fortemente de ações coletivas ou governamentais, como a proibição de redes sociais para menores de idade que alguns governos têm estado a promover, concluem os dois investigadores.

ZAP //

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