Um biombo histórico e centenas de outras obras de arte jaziam por baixo da icónica catedral francesa. Foi necessário um incêndio e poucos metros de escavação para que se encontrassem tesouros inimagináveis.
Assim que a equipa arqueológica que investigava a catedral francesa de Notre Dame após o incêndio que a destruiu removeu os ladrilhos do chão e uma fina camada de sujidade e entulho, apareceu o topo de um caixão de chumbo.
Perto dali, começaram a surgir esculturas em calcário: cabeças e troncos em tamanho real, alinhados ordenadamente debaixo do chão, ao longo da entrada do coro, conta a National Geographic.
As estátuas foram o achado mais significativo. Os arqueólogos determinaram que são restos do “biombo” de pedra calcária do século XIII, que costumava fechava o coro e o santuário de Notre Dame à vista do público.
Atualmente, quando as pessoas entram pelo portal central de Notre Dame, podem ver o altar moderno e o coro mais à frente. Mas, no século XIII, quando Notre Dame acabou de ser construída, essa visão era entrecortada pelo biombo, encimado por um crucifixo gigante.
de acordo com o historiador Mathieu Lours, o biombo era útil não apenas por esconder umas escadas que permitiam aos padres alcançar o púlpito, mas também por permitir que os padres se isolassem no coro durante as suas oito orações diárias.
As esculturas no biombo retratam cenas da história central do cristianismo. “Sabemos por descrições antigas que havia cenas da paixão de Cristo”, diz o historiador Dany Sandron. Desde a Última Ceia à crucificação ou à ressurreição.
Os padres usavam também o biombo para realizar o sacramento da Eucaristia. Durante essa cerimónia, os fiéis não eram, então, capazes de ver o que se estava a passar.
“É o momento em que não se vê nada e não se ouve nada que é mais importante”, diz Lours. “É o momento mais misterioso, quando as pessoas ouvem mais…. Sabem que está a acontecer algo absolutamente incrível. Está a acontecer um milagre.”
Foi o rei Luís XIV, que queria um coro mais aberto — que incluísse grandes estátuas suas e do seu pai, Luís XIII — que fez com que biombo original fosse desmantelado, na década de 1710. Como sabemos agora, o objeto foi enterrado junto ao local onde se encontrava.
Há ainda, entre as descobertas, uma escultura de um Cristo que “é realmente excecional pela sua delicadeza, pela sua atenção ao pormenor”, diz o arqueólogo Christophe Besnier. “A representação das pálpebras, das orelhas, do nariz — é incrível.”
Besnier e a sua equipa do Instituto Nacional de Investigação Arqueológica Preventiva não tiveram, inicialmente, mais de cinco semanas para escavar, uma vez que as leis de arqueologia neste tipo de espaço são muito restritas em França.
Porém, à medida em que foram descobrindo novos artefactos, o tempo de escavação foi prolongado. No final da investigação, a equipa tinha recolhido 1035 fragmentos de numerosas obras de arte. “É muito impressionante”, diz o arqueólogo à National Geographic. Mas não eram umas obras de arte quaisquer.
De acordo como crítico de arte francês Didier Rykne, estas são “algumas das obras de escultura mais excecionais de qualquer período do mundo”. Agora, cerca de 30 dessas esculturas, que se tinham perdido durante séculos, foram expostas no Musée de Cluny.
Há males que vêm por bem, e o incêndio de Notre Dame foi um deles. Sem ele, os arqueólogos nunca teriam iniciado esta escavação. Agora, com a catedral reaberta ao público, será mais difícil dar continuidade às escavações, ainda que o arqueólogo acredite que há muito mais por encontrar.
“Seria imperdoável deixar tais esplendores no chão da catedral. As escavações devem continuar”, escreveu Rykner. Mas com o coro recentemente restaurado e a Notre Dame prestes a reabrir, não é provável que isso aconteça tão cedo. “Não está na ordem do dia”, diz Besnier.