Vai fazer um ano desde que a NASA encontrou Camp Century, também conhecida como “a cidade sob o gelo”, trazendo à tona uma uma das histórias mais secretas da Guerra Fria.
Os restos da antiga base militar norte-americana foram encontrados nas profundezas geladas do noroeste da Gronelândia, pela NASA, que ao início “nem sabia o que era”. A base, construída em 1959 pelo Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA, funcionou como uma experiência militar e científica durante poucos anos, e embora se soubesse da sua existência, as recentes imagens da agência espacial norte-americana obtidas por radar aéreo deram-nos a primeira visão clara da estrutura subterrânea.
Sem conhecer o verdadeiro objetivo da missão, Robert Weiss foi enviado para a base em 1962, onde viveu durante quase um ano. Só em meados dos anos 90, quando a informação foi desclassificada, é que soube que tinha andado a trabalhar para a instalação de mísseis nucleares, num projeto conhecido como Iceworm.
“O Tio Sam enviou-me para me sentar debaixo do gelo a 800 milhas (cerca de 1.300 quilómetros) do Polo Norte”, recordou à CNN este mês.
O Campo Century era constituído por uma rede de túneis interligados com cerca de 1,2 quilómetros de comprimento, situados a vários metros sob o gelo, com capacidade para 200 pessoas. Continha alojamentos, um hospital, laboratórios, uma biblioteca, uma capela e zonas de lazer. Toda a infraestrutura era alimentada pelo primeiro reator nuclear portátil do mundo, o PM-2A, um avanço tecnológico na época. Os investigadores podiam passar até seis meses de cada vez na base, enquanto os soldados estavam limitados a quatro meses.
Apesar do ambiente inóspito, Weiss descreve uma vida relativamente confortável dentro da base, que tinha capacidade para 200 pessoas. Os seus túneis interligados com cerca de 1,2 quilómetros de comprimento climatizados, secos e bem abastecidos; a água era retirada de um poço perfurado no gelo por vapor, enquanto os esgotos eram despejados num buraco escavado na camada de gelo.
Nos seus tempos livres, Weiss estudava, jogava xadrez ou via filmes numa sala improvisada — e a cantina servia martinis por apenas dez cêntimos.
“Disseram-nos que um dos principais objetivos era demonstrar que uma instalação isolada podia ser segura e eficazmente alimentada por energia nuclear. Pensámos que era seguro e ninguém nos disse o contrário”, afirma.
Mas nem tudo era um mar (gelado) de rosas. Pouco depois de entrar em funcionamento, o reator nuclear teve problemas de segurança devido a níveis perigosos de radiação, um incidente que apesar de ter sido corrigido antes da chegada de Weiss, foi um aviso dos riscos latentes nas instalações.
O desgaste estrutural provocado pela crescente instabilidade do gelo e elevados custos de manutenção levou ao encerramento definitivo da base em 1967. As estruturas foram abandonadas e o reator removido, mas estima-se que tenham sido enterrados outros resíduos biológicos, químicos e radioativos.
Recentemente, a NASA voltou a tocar na ferida. Embora os detritos se encontrem atualmente a grande profundidade e não representem um perigo imediato, o degelo acelerado devido às alterações climáticas poderá, no futuro, expor materiais contaminantes que permaneceram escondidos durante mais de meio século.
“Nos novos dados, as estruturas individuais da cidade secreta são visíveis de uma forma nunca antes vista”, diz Chad Greene, um dos cientistas da NASA que encontrou a base com um potente radar aéreo.
“Sem um conhecimento detalhado da espessura do gelo, é impossível saber como os mantos de gelo responderão ao rápido aquecimento dos oceanos e da atmosfera, limitando grandemente a nossa capacidade de projetar taxas de subida do nível do mar”, disse Alex Gardner, co-líder do projeto e também responsável por detetar a antiga base.