O estranho caso da mulher que dava à luz coelhos

Wellcome Collection

Mary Toft, ou o estranho caso da mulher que dava à luz coelhos

Os historiadores estão a reexaminar o estranho caso de Mary Toft, a mulher que dava à luz coelhos. O caso era uma fraude, mas a dor era real.

Em 1726, uma mulher pobre e analfabeta chamada Mary Toft enganou os médicos, cientistas e até o Rei de Inglaterra com a alegação de que dava à luz coelhos.

Agora vista como uma curiosidade histórica, Toft, cativou Inglaterra por alguns anos, durante os quais teve 17 destes partos — até que a fraude acabou por ser exposta.

A história de Toft revela muito sobre o clima sócio-político da época, retratando Toft como uma vítima explorada por homens poderosos, explica ao Atlas Obscura a historiadora Karen Harvey.

Toft, nascida Mary Denyer em 1703, teve uma vida dura, numa das regiões mais pobres de Surrey. Trabalhava no campo, tendo que fazer uma caminhada de duas horas todas as manhãs.

A farsa começou em 1726 quando Toft, que pouco tempo antes tinha sofrido um aborto, alegadamente “deu à luz” pedaços de corpos não-humanos e animais, com a ajuda do obstetra local, John Howard.

Intrigado, Howard deu a conhecer o caso aos principais médicos e cientistas do país, e até ao secretário do Rei de Inglaterra, Jorge II.

O Rei enviou então o seu cirurgião-anatomista, Nathaniel St. André, e o secretário do Príncipe de Gales, Samuel Molyneux, para investigar o estranho caso.

Enquanto Toft continuava a ter os seus supostos partos, Howard preservava os espécimes que deles resultavam —que foram posteriormente mostrados ao Rei.

Toft alegava que os estranhos nascimentos eram devidos a ter sido assustada por um coelho, em linha com a teoria então popular da “impressão maternal”, que pretendia explicar a existência de defeitos congénitos.

Nathaniel St. André abraçou esta teoria entusiasticamente, mas outros médicos e cientistas da altura, incluindo os então respeitados obstetras James Douglas e Sir Richard Manningham, eram mais céticos.

Em novembro, Toft foi transferida para uma estância termal em Londres para observações adicionais, tendo chegado a ser observada por dez médicos em simultâneo. Mas nunca mais deu à luz qualquer “coelho”.

Até que um dia, a farsa foi desmascarada: um porteiro foi apanhado a contrabandear um coelho para o quarto de Mary Toft. O porteiro confessou que uma cunhada de Mary, Margaret Toft, lhe tinha pedido para lhe levar “o coelho mais pequeno que pudesse encontrar”.

Ameaçada por Sir Manningham de que a iria sujeitar a uma cirurgia para determinar se tinha “órgãos reprodutivos estranhos”, Toft confessou a fraude, alegando que tinha sido manipulada pelo marido e sogra.

A revelação pública da farsa manchou a reputação dos médicos e Mary Toft, rotulada como uma “Fraude Notória e Vil“, foi inicialmente detida e ridicularizada publicamente — antes de ser libertada sem acusações.

Karen Harvey sugere que a provação de Toft foi provavelmente orquestrada por terceiros, e que Toft desempenhava apenas o “papel principal” numa grande charada.

A historiadora realça a dor física real que Toft teve que suportar durante a fraude, que envolvia a inserção de partes de animais no seu corpo, com risco de infeções perigosas.

Visto como uma nota de rodapé bizarra na História, o caso continua hoje a despertar interesse entre os historiadores, pela forma como ilustra as dinâmicas de poder da época — e como uma mulher pobre foi manipulada e explorada num espetáculo social.

ZAP //

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