A nova rainha Nga Wai Hono i te Po Paki, escolhida pelos anciãos maoris em detrimento dos dois irmãos mais velhos, assume o papel num contexto de tensões acrescidas com o governo conservador da Nova Zelândia, que está a rever as políticas “baseadas na raça”.
Os Maori da Nova Zelândia, que coroaram esta quinta-feira a sua nova monarca, escolheram Nga Wai Hono i te Po Paki, de 27 anos, para suceder ao seu falecido pai como líder unificador do povo indígena do país, uma decisão celebrada como o início de uma nova era para os Maori.
A sua ascensão ao trono, na sequência de uma semana de cerimónias fúnebres emocionantes para o rei Tuheitia, que faleceu na semana passada após 18 anos no cargo, surge numa altura de tensão crescente entre os maoris e o governo conservador do país.
O executivo neozelandês, liderado por Christopher Luxon, tem estado a rever aceleradamente as políticas “baseadas na raça” concebidas para resolver a desigualdade sistémica na Nova Zelândia.
Mas, nota o The Washington Post, alguns maoris dizem que a mistura de modernidade e tradição da nova rainha, que é “da Geração Z” mas ostenta uma tatuagem tradicional no rosto – vai ajudar, especialmente porque a maioria dos maoris tem menos de 40 anos.
“Isto é mais do que uma mudança geracional”, disse ao New Zealand Herald o deputado Shane Jones, que é Maori mas faz parte do New Zealand First, um dos parceiros da coligação que está a reverter políticas que beneficiaram os povos indígenas. “Ela será o rosto da renovação“.
Como antiga colónia britânica e ainda membro do reino da Commonwealth britânica, o monarca oficial da Nova Zelândia é o rei Carlos III. Mas os maoris, que constituem cerca de 17% da população, reconhecem o seu próprio monarca desde 1858.
Esta quinta-feira, Nga Wai Hono i te Po foi ungida com óleos sagrados e abençoada com a mesma Bíblia que foi usada para coroar o primeiro rei maori.
A nova rainha neozelandesa foi escolhida para se tornar a oitava monarca maori por um conselho de 12 anciãos do sexo masculino, na sequência da morte, na semana passada, do seu pai, Kiingi Tuheitia Pootatau Te Wherowhero VII.
O conselho não teve em conta os seus dois irmãos mais velhos, embora a coroa não seja herdada automaticamente e possa até passar para fora da família. A sua avó, Te Atairangikaahu, foi a primeira rainha Maori, até à sua morte, em 2006.
A coroação de Nga Wai Hono i te Po é o culminar de uma década de ascensão à proeminência para a jovem de 27 anos, recorda a RNZ.
Era uma adolescente quando, em 2016, fez a tradicional tatuagem no rosto junto, juntamente com a mãe e a sua prima Nanaia Mahuta, ex-ministra dos Negócios Estrangeiros, para comemorar o 10º ano de Tuheitia no trono.
A nova rainha ensinou kapa haka, as artes cénicas maori, enquanto frequentava a Universidade de Waikato e tem um mestrado em estudos culturais maori pela mesma instituição.
Numa entrevista na universidade, descreveu a forma como a sua identidade maori a moldou. “Ando pela minha casa e vejo uma taiaha [arma tradicional ]. Vou a casa dos meus pais e o meu sobrinho pequeno está lá, a tentar fazer a haka. Portanto, está em todo o lado. Fui criada nela, eu sou ela.”
A liderança da nova rainha poderá no entanto ser brevemente posta à prova por previsíveis atritos com o governo conservador.
Depois de prestar homenagem a Tuheitia no início da semana, o primeiro-ministro Christopher Luxon escreveu nas redes sociais que dava as boas-vindas à nova rainha, “que carrega o manto de liderança deixado por seu pai“. E
O governo de coligação de Luxon, muitas vezes acusado de ser “anti-Maori”, que foi vaiado e hostilizado durante uma reunião de fevereiro com os líderes Maori, diz querer acabar com as políticas “baseadas na raça” e minimizar a língua maori no serviço público.
O partido libertário ACT, parceiro menor na coligação que considera a co-governação maori “antidemocrática”, vai mais longe, defendendo a realização de um referendo sobre o Tratado de Waitangi, acordo de governança de 1840 entre a Coroa Britânica e os Maori que sustenta as reivindicações de soberania Maori.
Segundo os analistas, os maoris têm estado em desvantagem desde a assinatura do tratado, que os leva a uma sobre-representação nas estatísticas do desemprego, da pobreza e da criminalidade e a resultados piores em termos de saúde e educação do que os da população branca.
Em janeiro, Nga Wai Hono i te Po esteve ao lado do pai quando o rei convocou milhares de maoris para discutir o plano do governo.
“O melhor protesto que podemos fazer neste momento é sermos maoris, sermos quem somos, vivermos os nossos valores”, disse Tuheitia. “Basta ser Maori, Maori o dia todo, todos os dias, estamos aqui, somos fortes.”
Esta quinta-feira, milhares de maoris reuniram-se mais uma vez, desta vez para acompanhar os guerreiros que remavam a canoa que transportava o caixão do rei pelo rio Waikato até à montanha sagrada de Taupiri, onde foi enterrado.
A rainha acompanhou o caixão. E enquanto os dois monarcas passavam, pai e filha, passado e futuro, os enlutados reuniram-se ao longo das margens do rio para dançar um haka.
É possível que a maior natalidade entre os Maori aumente o seu peso demográfico na Nova Zelândia e venha a ter efeitos sobre as políticas de seguidismo aos EUA seguidas pelos governos anglo-saxónicos do país.