Névoa mental associada à covid-19 pode ter origem num local inesperado

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CDC / Rawpixel

Um “mensageiro químico” parte do intestino e acaba no cérebro e afeta o hipocampo, reduzindo os níveis de serotonina e provocando a névoa. Descoberta “não é todo o puzzle”, mas é surpreendente, garantem especialistas.

A confusão mental e perda de memória estão, até hoje, entre os mais sintomas neurológicos associados à covid-19 que nos deixam — e aos investigadores — mais perplexos.

Agora, investigadores da Universidade da Pensilvânia descobriram algo novo relativamente a estes sintomas, segundo estudo publicado na revista Cell no passado dia 16 de outubro.

A equipa sugere que níveis baixos de serotonina — neurotransmissor crucial para o funcionamento adequado do sistema nervoso central e para a regulação de várias funções fisiológicas e comportamentais — podem ser os grandes responsáveis por estes sintomas persistentes.

Um “caminho químico” que afeta o cérebro

Depois de analisar amostras de sangue de pacientes com covid-19 persistente, a equipa descobriu que aqueles com baixos níveis de serotonina eram mais propensos a experienciar problemas neurológicos contínuos.

O caminho que liga a redução deste neurotransmissor — que atua como um mensageiro químico, transmitindo sinais entre as células nervosas — começa no intestino, passa pelo nervo vago — que controla funções corporais involuntárias e transmite mensagens entre o cérebro e outras partes do corpo — e eventualmente afeta o cérebro, verificaram os investigadores após recriarem as condições que poderiam estar a esgotar os níveis de serotonina no corpo.

Este caminho pode ser um elemento-chave na compreensão dos sintomas neurocognitivos do covid-19 persistente.

“Basicamente, podemos explicar algumas das manifestações neurocognitivas do COVID persistente através deste caminho que leva à redução da serotonina”, diz Christoph Thaiss, autor sénior do estudo e professor assistente de microbiologia na Universidade da Pensilvânia.

Persistência de covid-19 ligada a infeção intestinal

Os investigadores também exploraram o papel da “persistência viral” no covid-19. Ao examinar as fezes de pacientes com covid-19 persistente, encontraram evidências de ARN viral em cerca de 30% dos sujeitos, sugerindo uma infeção persistente no trato gastrointestinal.

“Em cerca de 30% dos pacientes, conseguimos encontrar RNA viral no seu trato gastrointestinal, por isso pegámos nisso e tentámos modelá-lo em ratos”, diz Levy, professor assistente de microbiologia na Universidade da Pensilvânia.

Nas suas experiências em ratos, revelaram que infeções virais crónicas, bem como a própria resposta imunológica do corpo, poderiam levar à depleção de serotonina.

“Se houver menos triptofano, há menos produção de serotonina”, diz Thaiss. Além disso, estas citocinas também levam à coagulação das plaquetas sanguíneas — que armazenam serotonina — reduzindo ainda mais a quantidade de serotonina em circulação.

Lembrar de novo, reativando o nervo vago

O estudo foi mais longe na investigação do papel do interferon do tipo 1, uma citocina conhecida por impulsionar a inflamação.

Descobriram que esta proteína interfere nos níveis de serotonina ao prejudicar a absorção de triptofano, o aminoácido que serve como precursor da serotonina, no intestino. Além disso, as citocinas levam à coagulação das plaquetas sanguíneas, o que também reduz a serotonina em circulação. As descobertas deslocaram o foco para o nervo vago, que liga o trato gastrointestinal ao cérebro.

Os investigadores descobriram que a redução dos níveis de serotonina afeta a comunicação entre o nervo vago e o cérebro, especificamente no hipocampo. No entanto, esses sintomas cognitivos poderiam potencialmente ser revertidos, restaurando os níveis de serotonina ou reativando o nervo vago, embora tais tratamentos ainda tenham de ser testados em humanos.

Podemos fazer com que os animais se lembrem perfeitamente de novo apenas reativando o seu nervo vago ou restaurando a sua sinalização de serotonina“, diz Thaiss. “Se exatamente a mesma coisa é verdadeira em indivíduos com covid persistente é algo que não sabemos.”

“Para fazer qualquer recomendação para os pacientes, precisamos de realizar um grande ensaio clínico que seja bem controlado”, diz a investigadora. “O próximo passo óbvio seria tentar uma intervenção que aumentará os níveis de serotonina ou estimulará o nervo vago de outras formas ou [para] suplementar o triptofano.”

Não é todo o puzzle — e não é suposto ser todo o puzzle — mas é um aspeto realmente importante do mesmo”, explica.

A investigação já despertou o interesse de especialistas na área, uma vez que o covid-19 persistente ainda carece de tratamentos validados e marcadores de diagnóstico.

“Estou impressionada com o estudo”, diz Michelle Monje, professora de neurologia na Universidade de Stanford, segundo o NPR. “Acho que fizeram um belo trabalho a mostrar a causalidade dessas mudanças”, embora saliente que o trabalho, principalmente realizado em ratos, necessita de mais validação em sujeitos humanos.

Tomás Guimarães, ZAP //

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