Um movimento quer dividir os EUA em dois países (e já tem apoio no Congresso)

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ZAP // Pixabay / Wikipedia

Há cada vez mais movimentos sociais e políticos a favor da divisão dos Estados Unidos em dois países de acordo com a ideologia política e até esforços locais de condados que querem sair do seu estado.

Podem os Estados “Desunidos” da América desunirem-se mesmo? Se perguntarmos à congressista Republicana Marjorie Taylor Greene, esta ideia só peca por tardia. A representante apelou recentemente a um “divórcio nacional” e considera mesmo que uma nova guerra civil será inevitável a não ser que os estados Democratas e Republicanos sejam divididos em dois países diferentes.

“Precisamos de um divórcio nacional. Precisamos de separar os estados vermelhos e azuis e diminuir o Governo federal. Todas as pessoas com quem falo dizem isto. Desde a cultura woke doentia e nojenta que nos é esfregada na cara até às políticas traidoras da América em Último dos Democratas, estamos fartos”, escreveu a congressista no Twitter.

Mais tarde, a congressista clarificou que defende a criação de um “acordo legal” que separa os estados tendo a ideologia política como critério mas “mantendo a nossa união legal”. Desta forma, os americanos podem escolher de que lado vivem e ” já não temos de discutir uns com os outros”

E Marjorie Taylor Greene não está sozinha. Praticamente desde o início da história com quase 250 anos dos EUA que a ideia de um divórcio nacional paira no ar — e o cenário só se agravou com a grande divisão política no país nos últimos anos.

A separação é uma questão delicada nos Estados Unidos, especialmente depois do trauma da Guerra Civil, que foi precipitada pela secessão de 11 estados rurais da Confederação que queriam manter a escravatura recentemente abolida pelo Presidente Abaham Lincoln.

Secessão a passos de bebé

Mas é pouco provável que uma nova secessão ocorra de forma tão abrupta. De acordo com o professor de comunicação Michael J. Lee, este movimento começa com “pequenas saídas, como uma pessoa que renuncie ao dever de ser júri” e progride até chegar a métodos mais abrangentes que as comunidades usam para “recusar obedecer às autoridades federais”.

“Estas recusas podem envolver manobras legais como a interposição, em que uma comunidade atrasa ou restringe a aplicação de uma lei à qual se opõe, ou anulação, em que uma comunidade declara explicitamente que uma lei é nula e sem efeito dentro das suas fronteiras”, escreve no The Conversation.

Muitos destes pequenos actos de rebeldia já estão a acontecer e, visto deste ponto de vista, a secessão já arrancou.

“Estes são cenários hipotéticos, mas não imaginários. Quando os grupos saem da vida pública e dos seus deveres e encargos cívicos, quando vivem sob as suas próprias regras, quando não precisam de conviver com concidadãos ou ouvir autoridades de quem não gostam, já se separaram”, frisa.

A segregação entre as comunidades mais ricas e brancas e as mais pobres e com mais minorias étnicas também já está a acontecer, com a criação de linhas arbitrárias de divisão de distritos e a fundação de agrupamentos de escolas paralelos com grandes assimetrias raciais e económicas.

Outros exemplos de separatismo já legal revolvem em torno dos impostos. A Disney World, por exemplo, foi classificada como um “distrito fiscal especial” na Flórida em 1967 e funciona de forma independente do Governo legal.

Este estatuto — que é comum as outras 35 mil zonas nos EUA — permite à Disney poupar milhões em inspecções e impostos, apesar de a recente “guerra” entre a empresa o Governo da Flórida ter levado a que Ron DeSantis tomasse o controlo administrativo do território.

As divergências políticas

Estas divergências já chegaram ao plano político. 11 estados declararam-se “santuários da Segunda Emenda” e já anunciaram que recusam implementar quaisquer restrições à venda e porte de armas que sejam decididas federalmente.

Até dentro dos próprios estados há conflitos. 11 condados mais rurais no Oregon não se identificam com as políticas mais progressistas do estado e classificam-se como o “Grande Idaho” e querem passar a integrar o estado vizinho, um movimento que o Governo estadual do Idaho apoia.

O mesmo acontece no Illinois, onde vários condados rurais querem livrar-se das políticas mais progressistas de Chicago e defendem referendos a favor da secessão. No Texas, por exemplo, está a ser estudada uma lei para a organização de um referendo sobre a independência do estado, apelidada de “Texit“.

Também há movimentos separatistas à esquerda. Richard Kreitner defendeu em “Break It Up”, livro lançado em 2020, que está na hora de “terminarmos o trabalho da Reconstrução e desistir inteiramente da União“, referindo que a igualdade só será possível quando os estados conservadores deixarem de poder travar o progresso.

Em 2016, a Califórnia também teve o seu próprio plano para o “Calexit”. Desde 2012, 21 estados já legalizaram a marijuana, apesar de o consumo recreativo da droga ser ilegal no plano federal. Há também vários exemplos de cidades e condados “santuário” que se opõem às políticas migratórias mais duras dos seus próprios estados ou às restrições ao acesso ao aborto.

Uma sondagem de 2021 também concluiu que cerca de 50% dos eleitores de Donald Trump defendem a secessão dos Estados Unidos e cerca de 40% dos eleitores de Joe Biden também são adeptos da ideia.

Um inquérito mais recente da Axios concluiu que 20% da população dos Estados Unidos, o que corresponde a 66 milhões de pessoas, defende a secessão. No plano partidário, 25% dos Republicanos é a favor da criação de dois países divididos por linhas ideológicas, assim como 16% dos Democratas e 20% dos Independentes.

Quais seriam as consequências?

É difícil prever os efeitos de uma eventual separação, até porque é difícil antecipar os moldes em que essa secessão aconteceria. Se o país está tão dividido que nem sequer a população dentros de cada estado se entender, como é que se poderia alcançar uma divisão que fosse consensual?

Seria importante também entender quem é que ficaria a controlar o Governo federal, especialmente no plano internacional, dado o seu poderio militar e arsenal nuclear. Uns Estados Desunidos da América também seriam significativamente menos poderosos e influentes no plano internacional, passando para segundo plano perante potências como a China e a Rússia.

As consequências económicas também seriam severas e possivelmente ainda mais graves para o novo país Republicano. Um estudo do Rockefeller Institute of Government concluiu que os estados Democratas contribuíram significativamente mais em impostos federais per capita do que os estados Republicanos.

Os estados vermelhos tendem também a beneficiar mais dos fundos federais do que contribuem para estes. O Mississipi, por exemplo, recebeu 2,07 dólares por cada dólar que contribuiu. Na prática, grande parte do financiamento federal dos estados mais rurais e conservadores parte de um esforço de entreajuda com os estados Democratas — e a secessão fecharia esta torneira de apoio.

Por fim, uma divisão nos Estados Unidos pode também ser um golpe para a democracia liberal global e inspirar movimentos semelhantes noutros países. Por enquanto, a ideia ainda está nas franjas nos partidos políticos, mas nada garante que não venha a ganhar força num país tão profundamente dividido.

Adriana Peixoto, ZAP //

2 Comments

  1. Mais uma ideia estupidamente americana ou americanamente estúpida…
    já agora, a palavra “práctica” não existe. O que existe e está correcto é “prática”.

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