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Morreu Francisco, o Papa que preferiu uma rua acidentada a uma Igreja fechada

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Claudio Peri / EPA

Do “fim do mundo” para o Vaticano, Bergoglio foi um ponto de viragem para os Católicos que querem uma Igreja “de saída”, em vez de um “Jesus preso” — e houve muito quem lhe chamasse comunista. Morreu aos 88 anos, no dia seguinte ao domingo de Páscoa. Aos 21, já tinha olhado a morte nos olhos.

O Papa Francisco morreu às 6h35 desta segunda-feira, 21 de abril, dia seguinte ao domingo de Páscoa. A notícia foi avançada pelo Vaticano.

Na véspera, tinha aparecido na celebração habitual da manhã do domingo de Páscoa, no Vaticano. Não esteve na missa, mas apareceu no início para deixar uma curta mensagem e desejar a todos boa Páscoa.

Faleceu nesta segunda-feira na sua residência no Vaticano, e o funeral terá lugar dentro de 9 dias, e seguirá as regras do livro litúrgico “Ordem das Exéquias do Sumo Pontífice”. Francisco pediu na sua biografia para ser sepultado na Basílica de Santa Maria Maggiore, em Roma, e não na Basílica de São Pedro, onde se encontram outros pontífices.

Entre fevereiro e março deste ano, o Papa esteve internado durante mais de um mês por causa de problemas respiratórios. Previa-se uma longa convalescença de pelo menos dois meses, mas o líder da Igreja Católica não resistiu.

A fé contra o medo

Francisco, mais conhecido na sua terra natal por Jorge Bergoglio, nasceu na Argentina em época natalícia, a 17 de dezembro de 1936. Era filho de imigrantes italianos humildes: o pai foi contabilista nos caminhos de ferro, e a mãe doméstica.

Chegou a estudar para ser técnico químico mas aos 22 anos enveredou pelo sacerdócio e ingressou no Seminário Diocesano de Villa Devoto, pouco depois de ter tido uma grave inflamação chamada pleurisia, em 1957, que resultou na perda de uma parte de um pulmão.

Por várias vezes repetiu a frase “o meu povo é pobre e eu sou um deles”: de carácter reservado, sempre se manteve fiel às suas origens, e mesmo quando foi eleito sumo-pontífice, a 13 de março de 2013, quis viver num apartamento e cozinhar o próprio jantar, segundo o próprio Vaticano.

Muitos chamavam-lhe ascético: renunciava a prazeres mundanos exagerados e aos luxos que o seu estatuto lhe podia ter permitido. Acreditava que “o dinheiro deve servir e não governar. A maior parte dos homens e das mulheres do nosso tempo continuam a viver numa precariedade quotidiana com consequências funestas: o medo e o desespero.”

Um Papa que abriu as portas da Igreja

Desde sempre adotou uma política transparente. Em relação aos escândalos relacionados com abuso sexual na Igreja Católica, por exemplo, foi inflexível: defendeu a “tolerância zero” e, quando foi entrevistado pela CNN Portugal em 2022, disse que eram uma “monstruosidade”.

Foi o responsável por uma abertura da Igreja Católica sem precedentes. Em 2023, admitiu a bênção católica ao casamento entre homossexuais. Fica também para a história a sua icónica sobre padres homossexuais: “Quem sou eu para os julgar?”.

Foi também tolerante em relação a temas sensíveis da Igreja, como os divórcios e as uniões de facto.

Em 2015, foi entrevistado pela Renascença, com quem comentou defender uma “Igreja em saída”. “Quantas vezes, na Igreja, Jesus bate à porta do lado de dentro para que O deixemos sair, a anunciar o reino? Por vezes, apropriamo-nos de Jesus só para nós e esquecemo-nos que uma Igreja que não está em saída, que não sai, mantém Jesus preso”.

Disse na mesa entrevista que “se uma igreja vive fechada em si mesma, adoece e ficamos com uma igreja raquítica e sem criatividade. Ora, entre uma igreja doente e uma igreja acidentada por ter saído para a rua, prefiro uma acidentada“.

Um mandato acidentado

Entre os vários episódios que marcaram o seu mandato de 12 anos, destaca-se uma tentativa de assassinato.

A sua autobiografia conta que, em 2021, foi algo de um duplo atentado suicida durante uma visita ao Iraque. Segundo o The Guardian, os serviços secretos britânicos e a polícia iraquiana foram os responsáveis por salvar a vida do sumo-pontífice.

O seu mandato também não passou ao lado de polémicas, e mesmo dias antes de ter sido internado, segundo a Reuters, terá entrado em conflito com cardeais sobre as finanças do Vaticano.

Francisco propusera cortes no orçamento da Igreja e até a procura de financiamento externo, ordem altamente contestada por chefes dos departamentos do Vaticano.

Passagem por Portugal

Em 2023, o Papa Francisco visitou Portugal na Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa. Foi a segunda vez que visitou o país, depois de ter estado em Fátima como peregrino em 2017, a propósito do centenário da aparições de Nossa Senhora.

Em agosto de 2023, milhares de jovens deslocaram-se a Lisboa para mostrar que “esta é a juventude do Papa”, como cantavam. Num evento com mais de um milhão de fiéis, onde repetiu a sua célebre frase “todos, todos, todos”, o Papa aproveitou ainda para conceder amnistia papal a vários condenados pela Justiça.

Reuniu também com 13 vítimas portuguesas de abusos sexuais a crianças por parte da Igreja Católica, momento em que pediu perdão em nome da Igreja. Ao jovens portugueses, deixou uma mensagem que inspirou milhares: “Não tenham medo”.

Carolina Bastos Pereira, ZAP //

1 Comment

  1. Principais Reformas e Ações do Papa Francisco:
    – Reorganizou os dicastérios (ministérios do Vaticano), reduzindo sobreposições de poder.
    – Deu mais voz aos leigos, permitindo que não-clérigos ocupem cargos de liderança.
    – Centralizou o controle financeiro para evitar desvios e má gestão.
    – Julgamento histórico do Caso London Property (2014-2023), que levou à condenação de cardeais e empresários por corrupção.
    – Limitação de cargos vitalícios e redução de benefícios para altos hierarcas.
    – Nomeações baseadas em competência, não em relações políticas.
    – Fim de privilégios como residências de luxo e carros caros para cardeais.
    – Remoção de bispos e cardeais acusados de encobrir casos, Apesar dos avanços, Francisco enfrentou resistência de setores conservadores da Cúria, acostumados a antigos privilégios. Alguns criticaram que as reformas ainda não eram suficientes para acabar totalmente com a corrupção, mas havia o consenso de que ele estava a dar passos históricos nessa direção.
    O seu lema “Uma Igreja pobre para os pobres” refletia o seu compromisso com uma administração mais ética e menos mundana. Ainda há muito a ser feito, mas seu pontificado marcou uma viragem contra os vícios do poder no Vaticano.

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