Cantor, compositor, amante do estúdio, visionário. E não gostava da cave. “God only knows” o que se segue.
Brian Wilson morreu nesta quarta-feira. O cantor e compositor, líder visionário dos Beach Boys, é considerado um génio.
Um génio da melodia, dos arranjos, da expressão emocional. Deu origem a hinos de verão como “Good Vibrations” e “California Girls”.
Nascido em 20 de junho de 1942, na Califórnia, Brian Wilson encontrou na música um refúgio e uma fonte de alegria. À volta do órgão Hammond da sala de estar, ensinava aos irmãos as harmonias do jazz e do gospel.
Em 1961, em Hawthorne, nos arredores de Los Angeles, formou um grupo com os seus dois irmãos, Dennis e Carl – Brian tocava baixo, Carl guitarra solo e Dennis bateria -, o primo Mike Love e um vizinho, Al Jardine.
O mais velho e último sobrevivente dos três irmãos músicos e os restantes Beach Boys passaram de uma banda local da Califórnia a ícones internacionais do surf e do verão.
Brian Wilson foi celebrado pelo seu talento e compadecido pelos seus demónios; foi um dos grandes românticos do rock e um homem atormentado que, nos seus anos de auge, perseguiu incansavelmente a perfeição sonora, o som verdadeiro. Virou a página no que diz respeito ao pop-rock.
Os Beach Boys estão entre os grupos mais populares da era do rock, com mais de 30 ‘singles’ no Top 40 e mais de 100 milhões de discos vendidos em todo o mundo.
O álbum “Pet Sounds”, de 1966, foi eleito o segundo melhor de todos os tempos numa lista da Rolling Stone, em 2003, perdendo apenas para “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles, e a banda foi incluída no ‘Rock and Roll Hall of Fame’ em 1988.
No mesmo ano (1966) apareceu uma música pop fora da caixa: “God Only Knows”. Uma criação invulgar, que ficou na história da música. Músicos profissionais não esconderam a sua vénia. Paul McCartney foi um deles: era uma das suas músicas favoritas, dizendo que frequentemente o fazia chorar. E Pete Townshend, dos The Who, não hesitou: “É uma obra de arte perfeita” – ainda hoje há quem coloque God Only Knows na lista das canções mais perfeitas de sempre.
Quem ouve Beach Boys, poderá ouvir logo “Good Vibrations”, também de 1966. Alguns analistas consideram-na a melhor música pop de sempre. Um grande sucesso mundial, uma obra de arte (e o single mais caro de sempre na altura), um trabalho de estúdio revolucionário.
Brian também era isso: um revolucionário e um amante do estúdio. Consta que a editora chegou a colocar os Beach Boys num estúdio construído numa cave. O compositor chegou, olhou e recusou gravar ali; não tinha condições.
Chegava a abdicar de participações ao vivo, no palco, para se focar no estúdio. Só ia a participações televisivas – porque o que queria era o trabalho nos bastidores.
Brian Wilson teve desentendimentos com Mike Love sobre os créditos de composição, mas era amplamente admirado por colegas como Elton John, Bruce Springsteen, Smokey Robinson e Carole King.
Keith Moon, baterista dos The Who, dizia sonhar juntar-se aos Beach Boys. Paul McCartney citou “Pet Sounds” como uma inspiração direta para os The Beatles.
Em 1967, com a saúde mental deteriorada por um consumo descontrolado de drogas, Brian Wilson colapsou em pleno voo, tornando-se incapaz de terminar “Smile”.
Cada vez mais perturbado, acreditava estar a ser espiado por um produtor da costa leste e pelos The Beatles, o que assustou os seus companheiros. Foi então diagnosticado com esquizofrenia e abdicou.
Com apenas 25 anos, a sua carreira estava praticamente terminada e Brian Wilson passou a maior parte do tempo deitado, duplicou de volume, e sobreviveu sob o controlo de um terapeuta desonesto.
Os Beach Boys viviam da sua reputação de cantores de camisas havaianas. Dennis, fortemente alcoolizado, afogou-se em 1983, e Carl morreu de cancro em 1998.
Este período de combate aos mais profundos fantasmas de Wilson seria retratado no filme “Love and Mercy – A Força de Um Génio”, de Bill Pohlad, com John Cusack, Elizabeth Banks, Paul Giamatti e Paul Dano, entre outros, estreado em 2015.
Foi apenas na altura da reforma, em 2002 — após um longo período marcado por internamentos, tratamentos e recaídas — que a vida de Brian Wilson deu uma reviravolta e o músico conseguiu concluir a sua obra-prima, “Smile”.
Casado novamente e pai de cinco filhos adotivos (sete no total), Brian Wilson voltou a dedicar-se a “Smile”, primeiro em concerto, onde reapareceu como um espectro arranjado, depois em disco, dando finalmente uma forma coerente a esse álbum.
Mesmo depois de deixar de ter êxitos, Brian Wilson continuou a emocionar fãs e músicos, nomeadamente nos seus últimos anos, em que juntamente com um grupo dedicado de músicos mais jovens apresentou “Pet Sounds” e a sua obra restaurada “Smile” perante plateias devotas.
Foi o que aconteceu em Portugal, em junho de 2016, quando assinalou os 50 anos de edição de “Pet Sounds”, no Primavera Sound no Porto.
Artistas como The Go-Go’s, Lindsey Buckingham, Animal Collective e Janelle Monáe foram influenciados por Brian Wilson, tanto como mestre da pop, como pioneiro na sua desconstrução.
Brian Wilson era um homem alto, reservado, parcialmente surdo (alegadamente devido a agressões do pai, Murry Wilson), com um sorriso simpático e desalinhado, que raramente tocava numa prancha de surf — a não ser quando havia um fotógrafo por perto.
Mas, a partir do estilo de vida que observava e de influências musicais como Chuck Berry e os Four Freshmen, compôs uma paisagem sonora dourada — melodias doces, harmonias cintilantes, vinhetas de praias, carros e raparigas — que ecoou através do tempo e dos climas.
Décadas depois da sua primeira edição, uma canção dos Beach Boys continua a evocar instantaneamente o verão — o ‘riff’ de guitarra que abre “Surfin’ USA”; os vocais de “Don’t Worry Baby”; os refrões de “Fun, Fun, Fun” ou “good, good, GOOD, good vibrations”; o estribilho “Round, round, get around, I get around“.
As canções dos Beach Boys resistiram à passagem do tempo e o apelo da banda sobreviveu aos períodos conturbados do grupo, com a ambição de Brian Wilson a levar os Beach Boys além dos prazeres simples dos primeiros êxitos, rumo a um mundo transcendente, excêntrico e destrutivo.
Atingido pela demência no final da vida, Brian Wilson foi colocado sob tutela em maio de 2024.
Morreu aos 82 anos.
ZAP // Lusa