Diz-se que as chamas do monte Chimaera, na Turquia, ardem há milhares de anos. A lenda conta que as “chamas eternas” serviram de inspiração a Homero para que, na “Ilíada”, descrevesse a criatura que dá nome à montanha.
A criatura mitológica é descrita como um “ser de natureza humana, senão divina, com cabeça de leão, cauda de dragão e corpo de cabra, que respirava chamas ardentes e horríveis”. Ainda que hoje se saiba que o metano e o hidrogénio são responsáveis por queimar as pedras da encosta, os cientistas não sabem com precisão porque é que o fenómeno ocorre.
O enigma é que a maioria dos hidrocarbonetos – como óleo ou gás natural – tem origem biótica: as carcaças de plantas, animais e algas enterradas criam estes combustíveis fósseis. Mas outros, como o metano, são criados por processos geológicos e produtos químicos onde não intervêm restos de vida. Ou seja, têm uma origem abiótica.
O metano é formado a altas temperaturas dentro da Terra sem a presença de vida, mas o estranho é que é criado na superfície, onde o calor não é suficiente para gerá-lo sem estes restos bióticos, escreve a ABC.
Algumas teorias afirmaram que a chave estava nas rochas ultramáficas (rochas ígneas e meta-ígneas com baixíssimo índice de sílica), como o periodotito, formado pela erupção submarina do material da crosta oceânica e pelo manto superior.
No entanto, a equipa internacional no consórcio Deep Energy do programa Deep Carbon Observatory encontrou outra explicação geológica: o metano é criado principalmente a partir do hidrogénio criado pela hidratação dessas rochas, que são submetidas a um processo que batizaram como “serpentização” ou o resultado da água que encontra o mineral de olivina que contêm.
Os investigadores chegaram a esta conclusão após mais de dez anos de trabalho. De acordo com um comunicado do programa, este hidrogénio também nutre as fontes biológicas de metano – a vida que é criada em torno das chamas. A equipa documentou um vasto ecossistema microbiano: uma biosfera profunda alimentada por hidrogénio. Muitos dos micróbios que vivem nesta parte são chamados de metanogénicos, que se “alimentam” de hidrogénio e expelem o metano.
O que veio primeiro: o metano ou os micróbios abióticos? As perguntas continuam: se o metano abiótico veio primeiro, como parece óbvio, deu origem aos primeiros micróbios da Terra? Por outro lado, se os micróbios estavam antes do metano, como e porque é que viviam em lugares quase desprovidos de sustento?
As primeiras hipóteses
Quando o projeto começou em 2009, a comunidade científica, agora composta por mais de 230 investigadores de 35 países, definiu uma meta para classificar numa década as origens de metano na Terra e tentar quantificar as reservas espalhadas pelo mundo. Mas indicam que não esperavam os resultados obtidos.
Alguns hipotetizaram que depósitos incomuns de metano, como o Monte Chimera, deveriam ter sido formados por reações químicas que ocorrem nas rochas circundantes. Outros sugeriram que os micróbios contribuíram para a produção de metano em algumas das reservas, metabolizando o hidrogénio para criar metano num processo completamente diferente.
Depois de estudar algumas amostras com a mais recente tecnologia, os cientistas determinaram que os micróbios têm um papel muito mais importante do que se pensava anteriormente.
“Parece que os micróbios sabem como usar estes compostos abióticos como combustível, ou alimentícios. Temos provas claras e crescentes de metano abiótico na Terra. O que não é claro é quanto há. Estas investigações têm encontrado uma complexidade incrível na maneira como o metano é produzido e estas complexidades conectam a química orgânica e inorgânica na Terra de uma forma fascinante “, explica Isabelle Daniel, da Universidade Claude Bernard.
Especialistas apontam que as descobertas oferecem pistas sobre as origens da vida na Terra, uma vez que as moléculas orgânicas que se formam no processo podem ser precursoras dos componentes básicos da vida. Os microrganismos metanogénicos sempre estiveram entre os objetivos da busca por vida extraterrestre. Conhecer as condições em que se desenvolvem pode ser usado para fazer um “mapa” para estudar outros mundos.