Num edifício situado na extremidade noroeste do Centro de Voo Espacial Goddard da NASA em Greenbelt, no estado norte-americano de Maryland, milhares de computadores arrumados em “racks” do tamanho de máquinas de venda automática zumbem num coro ensurdecedor de processamento de dados.
Dia e noite, fazem 7 mil biliões de cálculos por segundo. Estas máquinas são conhecidas coletivamente como o supercomputador Discover da NASA e têm a tarefa de executar modelos climáticos sofisticados para prever o clima futuro da Terra.
Mas agora também estão a investigar algo muito mais distante: se algum dos mais de 4000 planetas curiosamente estranhos para lá do nosso Sistema Solar, descobertos nas duas últimas décadas, pode suportar vida.
Os cientistas estão a descobrir que a resposta não é somente “sim”, mas “sim” mediante uma variedade de condições surpreendentes em comparação com a Terra.
Esta revelação levou muitos cientistas a ponderar uma questão vital para a busca da NASA por vida para lá da Terra: será possível que as nossas noções sobre o que torna um planeta adequado à vida sejam demasiado restritivas?
A próxima geração de telescópios poderosos e observatórios espaciais vai certamente dar-nos mais pistas. Estes instrumentos permitirão que os cientistas analisem pela primeira vez as atmosferas dos planetas mais tentadores: planetas rochosos, como a Terra, que podem ter um ingrediente essencial para a vida – água líquida à superfície.
Por enquanto, é difícil investigar atmosferas distantes. Enviar uma sonda para o exoplaneta mais próximo levaria 75.000 anos com a tecnologia de hoje. Mesmo com telescópios poderosos, os exoplanetas vizinhos são virtualmente impossíveis de estudar em detalhe.
O problema é que são demasiado pequenos e “abafados” pela luz das suas estrelas para os cientistas discernirem as fracas assinaturas de luz que refletem – assinaturas que podem revelar a química da vida à superfície.
Por outras palavras, a deteção de ingredientes das atmosferas em redor destes planetas, como muitos cientistas gostam de realçar, é como tentar avistar um pirilampo ao lado de um holofote, holofote este situado a mais de 4000 km de distância.
Esta realidade torna os modelos climáticos críticos para a exploração, disse o principal cientista exoplanetário Karl Stapelfeldt, que trabalha no JPL da NASA em Pasadena, Califórnia, EUA. “Os modelos fazem previsões específicas e testáveis do que devemos ver,” disse. “São muito importantes para a projeção dos nossos futuros telescópios e paras as estratégias de observação.”
Será que o Sistema Solar é um bom modelo?
Ao examinar o cosmos com grandes telescópios terrestres e espaciais, os astrónomos descobriram uma variedade eclética de mundos que parecem saídos da nossa imaginação. “Durante muito tempo, os cientistas estiveram realmente focados em encontrar sistemas semelhantes ao Sol e à Terra. Era tudo o que conhecíamos,” disse Elisa Quintana, astrofísica de Goddard da NASA que liderou a descoberta, em 2014, do planeta Kepler-186f, com o tamanho da Terra.
“Mas descobrimos que há toda uma diversidade louca de planetas. Encontrámos planetas tão pequenos quanto a Lua. Encontrámos planetas gigantes. E encontrámos alguns que orbitam estrelas minúsculas, estrelas gigantes e estrelas múltiplas.”
De facto, a maioria dos géneros exoplanetários detetados pelo telescópio espacial Kepler da NASA e agora pelo TESS, bem como por observações terrestres, não existem no nosso Sistema Solar. Caem entre o tamanho de uma Terra rochosa e um Úrano gasoso, que é quatro vezes maior [do que o nosso planeta].
Os planetas mais semelhantes à Terra (em termos de tamanho) e provavelmente (em teoria) a terem condições habitáveis, até agora foram encontrados apenas em torno de estrelas “anãs vermelhas”, que compõem a grande maioria das estrelas na Galáxia. Mas isto é provavelmente porque as anãs vermelhas são mais pequenas e ténues que o Sol, de modo que o sinal dos planetas em órbita é mais facilmente detetado pelos telescópios.
Tendo em conta que as anãs vermelhas são pequenas, os planetas precisam de estar inconfortavelmente perto – mais perto do que Mercúrio está do Sol – para permanecerem gravitacionalmente ligados a elas. E dado que as anãs vermelhas são frias, em comparação com todas as outras estrelas, os planetas precisam de estar mais perto delas para atrair calor suficiente para permitir que a água líquida se acumule às suas superfícies.
Entre as descobertas recentes mais atraentes dos sistemas de anãs vermelhas estão planetas como Proxima Centauri b, ou simplesmente Proxima b. É o exoplaneta mais próximo do Sistema Solar. Também existem sete planetas rochosos no sistema TRAPPIST-1 (a 39,6 anos-luz de distância). Se estes planetas podem, ou não, suportar vida, ainda é uma questão em debate.
Os cientistas salientam que as anãs vermelhas podem emitir até 500 vezes mais radiação ultravioleta e raios-X prejudiciais do que o Sol liberta no Sistema Solar. Com isto em mente, este ambiente destroi atmosferas, evapora oceanos e “frita” ADN em qualquer planeta próximo de uma anã vermelha.
E mesmo assim, talvez não. Os modelos climáticos da Terra estão a mostrar que os exoplanetas rochosos em torno de anãs vermelhas, apesar da radiação, podem ser habitáveis.
A magia está nas nuvens
Anthony Del Genio é um cientista climático planetário recém-aposentado do Instituto Goddard para Estudos Espaciais da NASA em Nova Iorque. Durante a sua carreira, ele simulou os climas da Terra e de outros planetas, incluindo Proxima b.
A equipa de Del Genio simulou recentemente possíveis climas em Proxima b para testar quantos o deixariam ameno e húmido o suficiente para suportar vida.
Este tipo de trabalho de modelagem ajuda os cientistas da NASA a identificarem um punhado de planetas promissores dignos de um estudo mais rigoroso com o futuro Telescópio Espacial James Webb da NASA. “Embora o nosso trabalho não possa dizer aos observadores se algum planeta é habitável ou não, podemos dizer se um planeta é um bom candidato para estudos mais detalhados,” comentou Del Genio.
Proxima b orbita Proxima Centauri num sistema estelar triplo localizado a apenas 4,2 anos-luz do Sol. Além disto, os cientistas não sabem muito sobre ele. Pensam que é rochoso, com base na sua massa estimada, um pouco maior que a da Terra. Os cientistas podem inferir a massa observando quanto Proxima b “puxa” a sua estrela enquanto a orbita.
O problema com Proxima b é que está 20 vezes mais perto da sua estrela do que a Terra está do Sol. Portanto, o planeta demora apenas 11,2 dias a completar uma órbita (a Terra demora 365 dias a orbitar o Sol uma vez). A física diz aos cientistas que este arranjo íntimo pode deixar Proxima b “preso” gravitacionalmente à sua estrela, tal como a Lua sofre bloqueio de maré em relação à Terra.
A ser verdade, um lado de Proxima b está sempre voltado para a intensa radiação da estrela enquanto o outro congela na escuridão do espaço, numa receita planetária que não augura nada de bom para a vida em ambos os lados.
Mas as simulações de Del Genio mostram que Proxima b, ou qualquer planeta com características semelhantes, pode ser habitável, apesar das forças que conspiram contra ele. “E as nuvens e os oceanos desempenham um papel fundamental nisso,” explicou.
A equipa de Del Genio atualizou um modelo climático da Terra desenvolvido pela primeira vez na década de 1970 para criar um simulador planetário chamado ROCKE-3D. Saber se Proxima b tem uma atmosfera é ainda uma questão em aberto e fundamental que, esperançosamente, será respondida por telescópios futuros. Mas a equipa de Del Genio assumiu que tem.
A cada simulação, a equipa de Del Genio variou os tipos e quantidades de gases de efeito de estufa no ar de Proxima b. Também mudaram a profundidade, tamanho e salinidade dos seus oceanos e ajustaram a proporção solo-água a fim de ver como estes ajustes influenciavam o clima do planeta.
Modelos como o ROCKE-3D começam apenas com informações básicas sobre um exoplaneta: tamanho, massa e distância da estrela. Os cientistas podem inferir estas coisas observando a luz de uma estrela a diminuir quando um planeta passa à sua frente, ou medindo a atração gravitacional de uma estrela enquanto um planeta a orbita.
Estes escassos detalhes físicos informam equações que compreendem até um milhão de linhas de código de computador necessárias para criar os modelos climáticos mais sofisticados. O código instrui um computador como o supercomputador Discover da NASA a usar regras estabelecidas da natureza para simular sistemas climáticos globais.
Entre muitos outros fatores, os modelos climáticos consideram como as nuvens e os oceanos circulam e interagem e como a radiação de uma estrela interage com a atmosfera e com a superfície de um planeta.
Quando a equipa de Del Genio executou o ROCKE-3D no Discover, viram que as nuvens hipotéticas de Proxima b agiam como um enorme guarda-sol ao desviar a radiação. Isto pode reduzir a temperatura no lado diurno de Proxima b, de muito quente para ameno. Outros cientistas descobriram que Proxima b podia formar nuvens tão massivas que tapariam todo o céu, caso estivéssemos a olhar para elas a partir da superfície do planeta.
“Se um planeta está bloqueado gravitacionalmente e a girar lentamente sob si próprio, forma-se um círculo de nuvens em frente da estrela, apontando sempre para ela. Isto deve-se a uma força conhecida como efeito Coriolis, que provoca convecção no local em que a estrela aquece a atmosfera,” disse Ravi Kopparapu, cientista planetário de Goddard que também modela os climas potenciais dos exoplanetas. “A nossa modelagem mostra que Proxima b pode parecer-se com isto.”
Além de tornar o lado diurno de Proxima b mais temperado do que o esperado, uma combinação de circulação oceânica e atmosférica moveria ar quente e água em redor do planeta, transportando assim calor para o lado noturno. “Portanto, não evita apenas que a atmosfera do lado noturno congele, mas também cria partes neste hemisfério que mantêm água líquida à superfície, mesmo que estas partes nunca recebam luz,” disse Del Genio.
Dando uma nova olhada num modelo antigo
As atmosferas são invólucros de moléculas em torno de planetas. Além de ajudarem a manter e a circular calor, as atmosferas distribuem gases que nutrem a vida ou que são produzidos por ela. Estes gases são as chamadas “bioassinaturas” que os cientistas vão procurar nas atmosferas dos exoplanetas.
Mas o que exatamente devem procurar ainda está por decidir. A Terra é a única evidência que os cientistas têm da química de uma atmosfera que sustenta vida. No entanto, têm que ser cautelosos ao usar a química da Terra como modelo para o resto da Galáxia. Por exemplo, as simulações da cientista planetária de Goddard, Giada Arney, mostram que mesmo algo tão simples quanto o oxigénio – o sinal quintessencial da vida vegetal e da fotossíntese na Terra moderna – pode representar uma armadilha.
O trabalho de Arney destaca algo interessante. Se civilizações alienígenas tivessem apontado os seus telescópios para a Terra há milhares de milhões de anos atrás, na esperança de encontrar um planeta azul repleto de oxigénio, talvez tivessem virado os seus telescópios para outro mundo. Em vez de oxigénio, o metano poderia ter sido a melhor bioassinatura a procurar há 3,8-2,5 mil milhões de anos. Esta molécula foi produzida em abundância naquela época, provavelmente pelos microrganismos que floresciam silenciosamente nos oceanos.
“O que é interessante sobre esta fase da história da Terra é que era muito alienígena em comparação com a Terra moderna,” disse Arney. “Ainda não havia oxigénio, de modo que nem era um pálido ponto azul. Era um pálido ponto laranja,” disse, referindo-se à neblina alaranjada produzida pelo “smog” de metano que pode ter coberto a Terra primitiva.
Achados como este, disse Arney, “ampliaram o nosso pensamento sobre o que é possível entre os exoplanetas,” ajudando a expandir a lista de bioassinaturas que os cientistas planetários vão procurar em atmosferas distantes.
Contruindo um plano para os caçadores de atmosferas
Embora as lições dos modelos climáticos planetários sejam teóricas – o que significa que os cientistas não tiveram oportunidade de testá-las no “campo” – elas fornecem um plano para observações futuras.
Um dos principais objetivos das simulações dos climas é identificar os planetas mais promissores para observar com o telescópio Webb e outras missões, para que os cientistas possam usar com mais eficiência o tempo limitado e dispendioso do telescópio. Além disso, estas simulações estão a ajudar os cientistas a criar um catálogo de possíveis assinaturas químicas que um dia irão detetar. A existência desta base de dados ajudará a determinar rapidamente o tipo de planeta que estão a observar e a decidir se devem continuar a investigá-lo ou apontar os seus telescópios para outro objeto.
Descobrir vida em planetas distantes é um jogo, salientou Del Genio: “Por isso, se queremos observar com mais sabedoria, temos que ter recomendações de modelos climáticos, porque melhora as nossas hipóteses de ganhar.”
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