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Minicérebros humanos fazem crescer os próprios vasos sanguíneos em laboratório

UC Davis Institute for Regenerative Cures

Os cientistas criaram há uns anos organoides neurais ou esferoides corticais, uma espécie de “mini cérebros”. Agora, estes cérebros em miniatura começaram a sangrar.

Inicialmente, os “mini-cérebros” eram formados apenas por células estaminais, coagidas quimicamente a transformarem-se em protoneurónios. Ainda assim, foram úteis para estudar certos distúrbios cerebrais, como a microcefalia causada pelo vírus Zika.

Mas estes “mini cérebros” começaram a crescer. As esferas simples amadureceram em estruturas 3D, fundindo-se e gerando impulsos eletricos. Quanto mais “reais” se tornavam, mais úteis eram para estudar comportamentos complexos e doenças neurológicas além do alcance de modelos animais. E no seu ato mais humano até agora, fizeram crescer os seus próprios vasos sanguíneos.

Os organóides neurais não se assemelham nem remotamente a cérebros adultos – encontram-se ainda no equivalente a uma segunda fase de organização de tecidos no desenvolvimento do órgão.

Estes organóides, no entanto, são muito bons para estudo, especialmente se tiverem o seu próprio suprimento de sangue. O sangue transporta oxigénio e nutrientes, permitindo que massas cerebrais cresçam em redes complexas de tecidos, que os médicos podem um dia usar para fortalecer neurónios defeituosos.

“A ideia geral com estes organóides é um dia sermos capazes de desenvolver uma estrutura cerebral que o paciente tenha perdido com as suas próprias células”, explica Ben Waldau, neurocirurgião vascular da Universidade da Califórnia em Davis, nos EUA.

Na semana passada, o grupo de pesquisa liderado por Waldau publicou na Neuro Report os primeiros resultados do seu estudo sobre organóides neurais humanos vascularizados.

O novo estudo

Usando células da membrana retiradas do cérebro de um dos seus pacientes durante uma cirurgia de rotina, a equipa de Waldau indziu-as a tornarem-se células estaminais e células endoteliais, que revestem os vasos sanguíneos. As células estaminais tornaram-se então um “mini cérebro”, incubado numa matriz de gel revestida com as células endoteliais.

Três semanas mais tarde, os cientistas pegaram num único organóide neural e transplantaram-no para uma cavidade no cérebro de um rato. Duas semanas mais tarde, o organóide estava vivo e tinha desenvolvido vasos sanguíneos que penetravam até às camadas internas do cérebro do animal.

Waldau teve esta ideia ao tratar uma doença rara chamada doença de Moyamoya. Os pacientes com esta condição têm artérias bloqueadas na base do cérebro, impedindo que o sangue chegue ao resto do órgão.

“Às vezes, colocamos a artéria de um paciente no topo do seu cérebro para provocar o crescimento dos vasos sanguíneos”, explica Waldau. “Quando replicamos esse processo numa escala miniaturizada, vimos esses vasos a autoreplicarem-se”.

Embora não tenha ficado claro nesta experiência se o sangue do rato estava a percorrer os vasos, os cientistas confirmaram que os próprios vasos sanguíneos eram compostos de células humanas.

Outros grupos de pesquisa já tinham transplantado com sucesso organóides humanos no cérebro de cobaias, mas apenas os vasos sanguíneos do roedor cresceram espontaneamente no tecido transplantado.

Até onde podemos ir

A vantagem dos “mini cérebros” produzirem os seus próprios vasos sanguíneos é que podem viver muito mais tempo ligados a bombas microfluídicas, sem necessidade de roedores. Isso pode-lhes dar uma hipótese de amadurecerem de facto num complexo órgão computacional. A dificuldade será colocar essas células em circuitos que possam receber e processar informações.

Mas este procedimento também levanta questões éticas, obviamente: quão complexos esses “mini cérebros” precisam de ser até que a sociedade tenha que lhes fornecer algum tipo de proteção especial? Se um organóide cerebral vem das suas células, é o seu guardião legal? Uma “esfera cerebral” pode dar o seu consentimento para ser estudada?

Na semana passada, os Institutos Nacionais da Saúde (NIH) dos EUA convocaram um painel para discutir algumas destas questões. Perante uma sala cheia de neurocientistas, médicos e filósofos, Walter Koroshetz, diretor do Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e Derrames do NIH, defendeu que esta é a hora de envolver o público, mesmo que a tecnologia leve um século para se tornar realidade.

“A questão aqui é: à medida que essas células se juntam para formar unidades de processamento de informação, quando chegarão ao ponto em que são tão boas como o que fazemos agora num rato? E quando irão além disso, para o processamento de informação que só vemos num humano? E que tipo de processamento de informação seria o ponto em que diríamos ‘Acho que não devemos continuar’”?, questionou Koroshetz.

Essas questões são interessantes, mas supõem que os neurocientistas são capazes de reconhecer a consciência num organóide se a virem. A biologia ainda precisa de estabelecer uma teoria da consciência em humanos, quanto mais medi-la numa esfera de células cerebrais. O caminho pela frente é certamente longo.

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