A mudança de uma única letra no nosso código genético pode ter desencadeado um novo nível de função cerebral em humanos modernos, sugere estudo.
Como é que nós, humanos, nos tornamos o que somos hoje é uma questão que os cientistas têm tentado responder há muito tempo. Como é que evoluímos estas habilidades cognitivas avançadas, dando origem a uma linguagem complexa, poesia e ciência espacial? De que forma o cérebro humano moderno é diferente do cérebro dos nossos parentes evolutivos mais próximos, como os neandertais e os denisovanos?
Ao reintroduzir genes antigos destas espécies extintas em “minicérebros” humanos – grupos de células estaminais cultivadas num laboratório que se organizam em versões minúsculas de cérebros humanos – os cientistas começaram a encontrar novas pistas.
Muito do que sabemos sobre a evolução humana vem do estudo de fósseis e ossos antigos. Sabemos que os neandertais e denisovanos divergiram dos humanos há cerca de 500.000-600.000 anos, e que os últimos neandertais não desapareceram da Europa até há cerca de 40.000 anos.
Ao estudar o tamanho e a forma de crânios fossilizados, também sabemos que os cérebros de humanos arcaicos eram aproximadamente do mesmo tamanho que os crânios humanos modernos, senão maiores, e pareciam ter formas diferentes.
No entanto, embora tais variações possam estar correlacionadas com diferentes habilidades e funções cognitivas, os fósseis não podem por si só explicar como é que as formas afetam a função.
Felizmente, os avanços tecnológicos recentes pavimentaram um novo caminho para a compreensão de como somos diferentes dos nossos parentes extintos.
O sequenciamento de ADN antigo permitiu aos cientistas comparar os genes dos neandertais e denisovanos com o dos humanos modernos. Isto ajudou a identificar diferenças e semelhanças, revelando que compartilhamos a maior parte do nosso ADN com ambos.
Ainda assim, em regiões específicas, existem variantes de genes transportados exclusivamente por humanos modernos. Estas regiões de ADN específicas do homem podem ser responsáveis por características que separam a nossa espécie dos nossos parentes extintos. Ao compreender como é que estes genes funcionam, podemos, portanto, aprender sobre as características que são exclusivas dos humanos modernos.
Estudos que compararam sequências de ADN arcaicas e modernas identificaram diferenças em genes importantes para a função, comportamento e desenvolvimento do cérebro – em particular genes envolvidos na divisão celular e sinapses. Isto sugere que o cérebro humano amadurece mais lentamente do que o do neandertal.
Especificamente, o desenvolvimento do córtex orbitofrontal em bebés, que se acredita estar envolvido na cognição avançada, como a tomada de decisões, pode ter mudado de maneira significativa, mas subtil, desde a separação dos neandertais. Os humanos também atingem a maturidade sexual mais tarde do que seus ancestrais, o que pode ajudar a explicar por que vivemos mais.
Cérebros em crescimento
Não se sabe ao certo quais mudanças evolutivas foram as mais importantes. Uma equipa de cientistas liderada por Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia, publicou recentemente um estudo na revista Science que ajudou a clarificar esta questão.
Para isso, os cientistas criaram mini cérebros – que são conhecidos cientificamente como “organoides” – a partir de células estaminais derivadas da pele. Os organoides cerebrais não são conscientes como nós – são muito simples e não atingem tamanhos maiores do que cerca de cinco ou seis milímetros. Mas podem emitir ondas cerebrais e desenvolver redes neurais relativamente complexas que respondem à luz.
A equipa inseriu uma versão extinta de um gene envolvido no desenvolvimento do cérebro nos organoides usando a tecnologia CRISPR-Cas9, conhecida como “tesoura genética”, que permite a edição e manipulação precisa de genes.
Sabemos que a versão antiga do gene estava presente em neandertais e denisovanos, enquanto uma mutação posterior mudou o gene para a versão atual que os humanos modernos carregam.
Uma mutação motriz?
O estudo identificou 61 genes que são diferentes entre humanos modernos e arcaicos. Um desses genes é o NOVA1, que tem um papel essencial na regulação da atividade de outros genes durante o desenvolvimento inicial do cérebro e desempenha um papel na formação de sinapses.
A atividade alterada de NOVA1 pode causar distúrbios neurológicos, como microcefalia, convulsões, atraso grave no desenvolvimento e um distúrbio genético chamado disautonomia familiar, sugerindo que é importante para a função cerebral humana normal.
A versão que os humanos modernos carregam tem uma alteração numa única letra do código. Esta mudança faz com que o produto do gene, a proteína NOVA1, tenha uma composição diferente e possivelmente uma atividade diferente.
Ao analisar os organoides, os cientistas descobriram que o gene NOVA1 arcaico mudou a atividade de 277 outros genes – muitos deles estão envolvidos na criação de sinapses e conexões entre células cerebrais. Como resultado, os mini cérebros tinham uma rede de células diferente daquela de um ser humano moderno.
Isto significa que a mutação em NOVA1 causou mudanças essenciais nos nossos cérebros. Uma mudança numa única letra do código do ADN possivelmente desencadeando um novo nível de função cerebral em humanos modernos. O que não sabemos é como é que isso aconteceu exatamente.
ZAP // The Conversation