Todos os partidos concordam: é preciso travar o “milagre da multiplicação” dos votos na Assembleia da República. Estabelecer regras objetivas para o fazer é o mais complicado.
Os deputados começaram esta quarta-feira a discutir como “regrar” o “milagre da multiplicação” de votos no Parlamento, mas ainda não se sabe como o vão fazer, estando, em princípio, afastada hipótese de se limitar o número de iniciativas.
O grupo de trabalho da comissão de Assuntos Constitucionais reuniu-se e fixou um calendário para tentar resolver, até à próxima sexta-feira, a controvérsia em torno da profusão de votos (de congratulação, protesto, condenação, saudação e pesar) que têm ocupado a agenda e que levou o presidente da Assembleia da República a pedir que sejam regrados.
Num só dia, em 12 de dezembro de 2019, os deputados demoraram 43 minutos a votar e discutir 42 votos, de pesar, condenação ou saudação e temas tão diferentes como os elefantes no Camboja ou projéteis da Coreia do Norte. “Isto não pode nem deve continuar assim para bem da Assembleia da República”, insurgiu-se Ferro Rodrigues.
Há projetos de revisão do regimento da Assembleia do PAN, do PCP e do PS e na reunião desta quarta-feira começaram a ser discutidos na parte dos votos, dado que o objetivo é aprovar essa parte quando o parlamentar voltar à agenda normal, após a votação do Orçamento do Estado para 2020, em 6 de fevereiro.
O PCP, explicou o deputado António Filipe, quer distinguir os votos de pesar dos restantes, devendo estes ser votados logo que possível. João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal concordou, genericamente, com a solução sugerida pelos comunistas.
Ou seja, os outros votos, de condenação ou congratulação, os que foram alvo de “chacota política e crítica”, nas palavras de António Filipe, deveriam seguir uma tramitação idêntica aos projetos de resolução – primeiro baixam à comissão respetiva para debate e podem “subir” depois para votação em plenário, se for for essa opção do partido.
Até porque, “em boa verdade, as resoluções e votos tem um efeito pratico muito semelhante”, ou “são recomendações ao Governo ou votos piedosos”, comentou.
Na volta à mesa, Cotrim Figueiredo alinhou argumentos contra os numerus clausus, a limitação do número de votos a submeter à Assembleia, até porque, segundo Pedro Delgado Alves, do PS, essa solução “esbarraria” na liberdade de expressão e na liberdade de cada grupo parlamentar ou deputados únicos.
Pedro Rodrigues, do PSD, também não simpatiza com numerus clausus, mas quanto a limitar o número de votos que “sobem” a plenário esse poderia ser um cenário a analisar – “não seria uma regra diabólica” desde que tivesse “válvulas de escape”. Uma delas, regimental, é aguardar o agendamento no guião de votações, por exemplo.
Já José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda, admitiu que “é muito difícil” uma solução para “o milagre da multiplicação de votos” e recordou que os grupos parlamentares “trivializaram” este tipo de iniciativas para as substituir a projetos de resolução.
Pedro Delgado Alves afirmou que o PS vai também ponderar a apresentação de novas propostas e, em tese, admitiu que se pode discutir um limite de número de votos, por sessão legislativa, que “sobe” a plenário. Sem que isso, argumentou, seja um travão à iniciativa das bancadas e que todos os votos sejam discutidos na comissão parlamentar.
O CDS não esteve representado na reunião e o deputado do PAN, André Silva, questionou “a subjetividade” do conceito de “individualidade” associado a um voto de pesar pela morte de alguém.
ZAP // Lusa