A mentira política mais antiga de Trump finalmente morreu

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Stefani Reynolds / EPA

O ex-Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump

O ex-Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump

As inúmeras promessas de Trump de que iria publicar as suas declarações de impostos ficaram sempre por cumprir. Apesar das suas tentativas de bloqueio, o comité da Câmara dos Representantes vai mesmo divulgar os documentos — e algumas das informações já conhecidas levantam muitas questões.

A história começa em 2011, quando Donald Trump reacendeu os velhos rumores de que poderia candidatar-se à Casa Branca, na altura contra Barack Obama. Trump agarrou-se a um ataque muito comum nas franjas conservadoras mais radicais — questionar a nacionalidade de Obama.

Mais do que isso, Trump prometeu que seguiria a tradição dos candidatos presidenciais e publicaria as suas declarações de impostos caso Obama divulgasse a sua certidão de nascimento.

O então Presidente decidiu matar os rumores de uma vez por todas e tornou pública a certidão que confirmou que nasceu em solo norte-americano, mas Trump voltou logo atrás na sua palavra e não houve nenhum sinal dos seus documentos fiscais.

Questionado sobre quando iria cumprir a promessa, Trump disse que o faria “na altura apropriada” e frisou que ainda nem sequer tinha anunciado a sua candidatura. Quando esse anúncio de candidatura não chegou, o assunto acabou por morrer.

Mas poucos anos depois, ressuscitou. Em 2014, surgiram novos burburinhos sobre uma corrida de Trump à presidência em 2016 e houve uma nova promessa de publicação das suas declarações de rendimentos.

Em Fevereiro de 2015, o discurso era o mesmo, mas já com um recado sobre os seus conteúdos. “Vou publicar as declarações e vou explicar às pessoas que estou no negócio de fazer dinheiro. E se ganhar, vou trazer dinheiro ao nosso país”, garantiu.

Em Junho, o anúncio oficial chegou: Donald Trump era candidato presidencial às primárias Republicanas. Nos debates no início de 2016, foi referida pela primeira vez a justificação que viria a tornar-se a resposta imediata da campanha trumpista sempre que o assunto dos seus documentos vinha à baila.

“Absolutamente vou publicar as declarações, mas estou a ser alvo de uma auditoria agora e durante os próximos dois ou três anos, então não o posso fazer até a auditoria estiver terminada, obviamente”, referiu.

A partir daqui, a campanha de Trump recorreu sempre a este argumento quase como um disco riscado, apesar de vários especialistas argumentarem que não haveria problemas em divulgar as declarações mesmo durante a auditoria.

Mesmo depois de já se terem passado vários anos desde a sua candidatura — o Fisco ainda estava a auditar as declarações de 2015 e 2016? Independentemente das respostas as estas questões, os seus apoiantes agarraram-se a este argumento, que continua a ser parte da defesa de Trump até hoje.

Já depois de Trump ter conquistado o bilhete Republicano, Hillary Clinton confrontou-o sobre o assunto, afirmando que apenas “alguns anos” das suas declarações de impostos eram públicas e que os documentos mostravam “que ele não pagou nenhum imposto federal sobre os rendimentos”.

Trump respondeu prontamente ao ataque da adversária Democrata, afirmando que isso o torna “inteligente” e quaisquer impostos que pagasse seriam “desperdiçados” pelo Governo.

Trump perde batalha na justiça

Todas as promessas de Trump acabaram por ser vazias e o ex-chefe de Estado tornou-se o primeiro Presidente dos EUA a não divulgar a sua declaração anual de impostos desde Gerald Ford (1974-1977).

Esta semana marcou o fim de uma longa batalha judicial para obrigar o ex-Presidente dos EUA a entregar as suas declarações de impostos a um comité da Câmara dos Representantes.

O caso remonta a 2019, quando o comité emitiu uma intimidação para aceder às declarações de impostos do ex-Presidente norte-americano, como parte da sua investigação sobre alegados crimes fiscais de Trump.

Este pedido tem por base uma lei de 1924, que permite aos líderes de certas comissões do Congresso pedir a divulgação das declarações fiscais de qualquer contribuinte.

A defesa de Trump tentou sucessivamente bloquear este processo, alegando violações à privacidade e referindo novamente a auditoria, e o caso chegou mesmo às mãos do Supremo Tribunal dos EUA.

Trump pediu ao mais alto tribunal federal do país que impedisse o Departamento do Tesouro de entregar as suas declarações pessoais e de algumas das suas empresas ao comité da Câmara dos Representantes — que por enquanto ainda é controlada pelos Democratas, que estão numa corrida contra o tempo, já que a tomada de posse da nova maioria Republicana será em Janeiro.

Apesar de ter uma maioria ultraconservadora e de três dos nove juízes terem sido nomeados por Trump, o Supremo não acedeu ao pedido de Trump e deu-lhe mais uma dura derrota, a terceira num espaço de poucos meses.

Em Janeiro, o tribunal rejeitou outro pedido de Trump, que queria impedir os Arquivos Nacionais de entregar documentos ao painel da Câmara dos Representantes que estava a investigar a insurreição dos seus apoiantes no Capitólio. Apenas o juiz Clarence Thomas votou a favor do pedido de Trump.

Já em Outubro, o Supremo também recusou intervir na batalha legal em torno das buscas do FBI à mansão de Trump em Mar-A-Lago, na Flórida, onde as autoridades procuravam documentos confidenciais que o ex-chefe de Estado levou indevidamente para casa.

O comité da Câmara dos Representantes levou a divulgação pública das declarações fiscais de Trump a votos esta quarta-feira, tendo 24 membros votado a favor e 16 contra. Espera-se que o conteúdo integral dos documentos seja conhecido nos próximos dias, mas algumas informações já são conhecidas.

O que já sabemos sobre as suas declarações

Um dos dados já divulgados explica por que é que Trump estava tão reticente na hora de divulgar as suas declarações — em 2015 declarou perdas de 32 milhões de dólares, o que contrasta com a sua promessa de usar a sua experiência no mundos negócios para “trazer dinheiro” para o país.

Para além de 2015, Trump também declarou um total de 82 milhões de dólares de perdas em 2016, 2017 e 2020 e pagou um total de 1500 dólares em impostos sobre os rendimentos em 2016 e 2017.

Só em 2018 e em 2019 é que o ex-Presidente declarou rendimentos no positivo, num total de 29 milhões de dólares. Em 2018, pagou 999 466 dólares de imposto e em 2019 desembolsou outros 133 445 dólares.

Durante os seus quatro anos de mandato, Trump pagou 1,1 milhões de dólares em impostos federais sobre rendimentos. No entanto, em 2020, o seu último ano na Casa Branca, não pagou um único dólar e ainda pediu um reembolso, juntamente com a mulher Melania, de 5,47 milhões de dólares.

O comité frisa ainda um detalhe interessante — o Fisco não completou as auditorias anuais obrigatórias ao Presidente nos dois primeiros anos em que Trump esteve na Casa Branca. Em 2019, um denunciante alegou que um político nomeado pelo então chefe de Estado tentou interferir com este processo.

Toda esta situação surge poucos dias depois da Trump Organization ter sido considerada culpada de fraude fiscal e de falsificação de documentos. É de esperar que os problemas fiscais ainda façam correr muita tinta.

Adriana Peixoto, ZAP //

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