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Memórias de escravo brasileiro que fugiu para Nova Iorque publicadas em português

Bruno Veras

Mahommah Gardo Baquaqua na capa do livro de Samuel Moore

Mahommah Gardo Baquaqua na capa do livro de Samuel Moore

 

A história de um escravo brasileiro que escapou para Nova Iorque e acabou a publicar as suas memórias nos Estados Unidos será publicada 160 anos depois em português no Brasil, pela primeira vez, este ano.

A iniciativa é de um grupo de investigadores e tradutores que conheceu a história de Mahommah Baquaqua nos EUA e que lançará já em agosto uma página na Internet sobre a vida deste homem.

Ao contrário dos EUA, onde milhares de escravos registraram as suas histórias, o percurso deste homem é considerado o único existente no Brasil.

“Ele foi o único escravo africano que escreveu um relato autobiográfico sobre a escravidão no Brasil. Esse ato de escrever sobre a sua vida é muito comum nos EUA, no Canadá, onde existe uma linha literária de relatos de escravos que era usado como propaganda pelos abolicionistas”, explicou um dos académicos envolvidos, Bruno Véras.

O Brasil era o maior mercado de escravos no mundo antes de se tornar o último país das Américas a abolir a escravatura, em 1888.

Em 1854, quando vivia no Canadá, Baquaqua, que acabaria por aprender a falar várias línguas e sabia ler e escrever árabe, contou, usando um inglês perfeito, a sua história ao escritor Samuel Moore.

Segundo o seu relato, Baquaqua vivia na África Ocidental, na zona hoje ocupada pelo Benim, quando foi capturado em 1824 e enviado para uma praia no Recife.

“Fomos arremessados, nus, porão adentro, os homens apinhados de um lado, e as mulheres de outro. O porão era tão baixo que não podíamos ficar de pé, éramos obrigados a agachar ou sentar no chão. Noite e dia eram iguais para nós, o sono nos sendo negado devido ao confinamento de nossos corpos”, lê-se nas memórias.

À chegada foi vendido para um padeiro, que lhe batia, e, mais tarde, no Rio de Janeiro, ao capitão de um cargueiro que viajava para os Estados Unidos.

Em 1847, quando vai a caminho de Nova Iorque, diz que a primeira palavra que aprendeu em inglês foi “free”, que significa livre.

Quando o navio atraca nos EUA, tenta escapar mas acaba preso.

Fugiu da prisão anos mais tarde, com a ajuda de abolicionistas, e escapa para Boston e Haiti.

Depois de publicar o livro, com o título “An interesting narrative. Biography of Mahommah G. Baquaqua”, chegou a ir numa digressão pelo país a promover o livro.

Em 1857, mudou-se para o Reino Unido, com o objetivo de se tornar missionário cristão, e não há certezas sobre o que acontece a partir daí.

Em 2001, pelas mãos dos professores Paul Lovejoy e Robin Law, a história foi recuperada numa versão ampliada, que inclui uma longa introdução e as cartas que Baquaqua trocou com religiosos, missionários e abolicionistas.

Foi através deste edição que os brasileiros Bruno Véras e Nielson Bezerra tomaram conhecimento da história e decidiram partilhá-la com o público brasileiro, usando a editora Civilização Brasileira.

“A história de Baquaqua oferece esta nova possibilidade de as pessoas se identificarem com esta nova personagem”, explica Veras.

Mais de século e meio depois da sua primeira publicação, o livro chega ao Brasil num momento em que o país analisa o seu passado racial.

No início do ano, foi estabelecida uma comissão que vai investigar os 350 anos de escravatura no país.

“Estamos a ver muito interesse do público em conhecer esta história”, disse Bruno Veras.

Além da tradução e da página na Internet, os académicos brasileiros planeiam também o lançamento de um livro para crianças.

/Lusa

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