“Matrioskas de estrelas”. Os buracos negros não existem, dizem físicos portugueses

// NASA; DR

A principal vantagem dos gravastars é que não têm singularidades, diz João Luís Rosa

As singularidades dos buracos negros desafiam as leis da física. Uma nova investigação apresenta uma solução arrojada para este quebra-cabeças: os buracos negros podem ser, na realidade, um tipo teórico de estrela chamado “gravastar”, repleto de energia escura em expansão no universo.

Um novo estudo teórico, que contou com a participação dos físicos portugueses João Luís Rosa, Daniela Cordeiro e Francisco Lobo, sugere que um buraco negro é na realidade um novo tipo de estrela chamado “gravastar“, ou “estrela gravitacional condensada”.

A teoria pode acabar finalmente com algumas das discrepâncias observadas no comportamento dos buracos negros, que desafiam as leis da Física.

Os buracos negros são alguns dos objetos mais enigmáticos do Universo, capazes de deformar o tecido do espaço à sua volta de forma tão violenta que nem mesmo a luz consegue escapar ao seu domínio gravitacional.

Mas, aparentemente, muito do que os cientistas sabem sobre estes misteriosos objetos pode estar errado. De acordo com o novo estudo, publicado em abril na revista Physical Review D, os buracos negros podem ser entidades celestes completamente diferentes, conhecidas como gravastars.

“Os gravastars são objetos astronómicos hipotéticos que foram introduzidos em 2001 como alternativas aos buracos negros“, explica ao Live Science o primeiro autor do estudo, João Luís Rosa, doutorado em Física no IST e professor de Física na Universidade de Gdańsk, na Polónia.

“Eles podem ser interpretados como estrelas feitas de energia do vácuo ou energia escura: o mesmo tipo de energia que impulsiona a expansão acelerada do universo”, detalha o físico português.

O físico e astrónomo alemão Karl Schwarzschild previu pela primeira vez a existência de buracos negros em 1915, com base em cálculos efetuados a partir da teoria geral da relatividade de Albert Einstein.

Ao longo dos anos, as observações astronómicas têm aparentemente confirmado a existência de objectos que se assemelham a buracos negros. No entanto, a descrição de Schwarzschild destes corpos espaciais tem algumas falhas.

Em particular, prevê-se que o centro de um buraco negro seja um ponto de densidade infinitamente elevada, chamado singularidade, onde se concentra toda a massa do buraco negro

No entanto, a física fundamental ensina-nos que os infinitos não existem e que o seu aparecimento em qualquer teoria assinala a sua inexatidão ou incompletude.

“Estes problemas indicam que algo está errado ou incompleto no modelo do buraco negro, e que é necessário desenvolver modelos alternativos”, explica Rosa. “O gravastar é um dos muitos modelos alternativos propostos. A principal vantagem dos gravastars é que não têm singularidades“.

Num outro estudo, publicado em fevereiro na IOP Science, Daniel JampolskiLuciano Rezzolla, físicos teóricos do Goethe University Frankfurt, na Alemanha, sugeriram que os gravastares podem existir dentro uns dos outros.

O estudo de Jampolski e Rezzolla apresenta uma solução para as equações de campo da Relatividade Geral de Einstein que descreve a existência de gravastares dentro de gravastares — estrutura celestial hipotética a que os dois físicos dão o nome de nestares.

“Um nestar é como uma matrioska russa“, explicou na altura Luciano Rezzolla em comunicado da Goethe University. “A nossa solução para as equações de campo de Einstein permitem a existência de gravastares dentro de gravastares“.

Tal como os buracos negros comuns, os gravastars devem surgir na fase final da evolução das estrelas maciças, quando a energia libertada durante a combustão termonuclear da matéria no seu interior já não é suficiente para vencer a força da gravidade, e a estrela colapsa num objeto muito mais denso.

Mas, ao contrário dos buracos negros, não se espera que os gravastars tenham quaisquer singularidades e pensa-se que sejam esferas finas de matéria cuja estabilidade é mantida pela energia escura que contêm.

Para descobrir se os gravastars são alternativas viáveis aos buracos negros singulares, João Luís Rosa e os colegas examinaram a interação de partículas e radiação com estes objetos hipotéticos.

Usando a teoria de Einstein, os autores examinaram a forma como as enormes massas de matéria quente que rodeiam os buracos negros supermassivos apareceriam se estes buracos negros fossem de facto gravastars.

Também examinaram as propriedades dos “pontos quentes” – bolhas de gás gigantescas que orbitam os buracos negros a velocidades próximas da luz.

As suas descobertas revelaram semelhanças impressionantes entre as emissões de matéria dos gravastars e dos buracos negros, sugerindo que os gravastars não contradizem as observações experimentais dos cientistas sobre o Universo.

Além disso, a equipa descobriu que um gravastar deveria aparecer quase como um buraco negro singular, criando uma sombra visível.

“Esta sombra não é causada pelo aprisionamento da luz no horizonte de eventos, mas por um fenómeno ligeiramente diferente chamado ‘desvio para o vermelho gravitacional’, que faz com que a luz perca energia quando se move através de uma região com um forte campo gravitacional”, explica João Luís Rosa.

“De facto, quando a luz emitida por regiões próximas destes objetos alternativos chega aos nossos telescópios, a maior parte da sua energia terá sido perdida para o campo gravitacional, causando o aparecimento desta sombra.”

As semelhanças impressionantes entre o modelo de buraco negro de Schwarzschild e os gravastars realçam o potencial deste último como uma alternativa realista, livre das armadilhas teóricas das singularidades.

No entanto, esta teoria precisa de ser apoiada por experiências e observações, que os autores do estudo acreditam que poderão ser realizadas em breve.

Embora os gravastars e os buracos negros singulares possam comportar-se de forma semelhante em muitos aspetos, diferenças subtis na luz emitida podem distingui-los.

“Para testar os nossos resultados experimentalmente, estamos a contar com a próxima geração de experiências observacionais em física gravitacional”, diz Rosa, referindo-se ao Event Horizon Telescope, que caça buracos negros, e ao instrumento GRAVITY+ que está a ser adicionado ao Very Large Telescope no Chile.

“Estas duas experiências visam observar de perto o que acontece perto do centro das galáxias, em particular da nossa Via Láctea”, conclui o físico português.

Armando Batista, ZAP //

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