“Matéria Escura” do cancro pode revolucionar a forma como o tratamos

Uma nova pesquisa, apresentada em dois estudos, descobriu que os cancros podem tornar-se mais agressivos sem depender apenas de mutações no ADN. A descoberta pode abrir as portas a novas formas de tratar os cancros.

A investigação agora apresentada descreve um nível extra de controlo da atividade dos genes nos tumores, a que os cientistas chamam “Matéria Escura do cancro“.

Os dois estudos, que prometem tornar-se referência na área, mostraram como um até agora desconhecido nível de controlo “epigenético” desempenha um papel central no desenvolvimento e evolução do cancro do intestino.

Analisar apenas as mutações de DNA nos cancros passa ao lado deste nível de controlo adicional, e pode falhar na previsão da forma como estes evoluem e respondem aos tratamentos.

A pesquisa foi apresentada em dois estudos, publicados simultaneamente a semana passada na revista Nature, e foi liderada por investigadores do The Institute of Cancer Research (ICR), em Londres, do Human Technopolem (HT) em Milão, e da Queen Mary University, também em Londres.

Esta importante descoberta, apresentada pelo ICR em nota de imprensa, pode mudar a forma como pensamos nos cancros e seu tratamento, e permitir prever o seu comportamento de forma mais rigorosa.

A epigenética, área da biologia que estuda mudanças no fenótipo que não são causadas por alterações nas sequências de ADN, envolve alterações na estrutura tridimensional das cadeias do código genético — que não alteram este código, mas antes controlam o acesso aos genes.

Nos últimos anos, tem aumentado na comunidade científica o reconhecimento do seu papel essencial na evolução dos cancros.

Agora, pela primeira vez, os cientistas foram capazes de identificar a influência do controlo epigenético na forma como o cancro do intestino evolui de forma independente do efeito das mutações no código genético.

Os autores da pesquisa, liderada pelos professores Trevor Graham, do The Institute of Cancer Research, e Andrea Sottoriva, do Human Technopolem, observou alterações epigenéticas significativas em todos os cancros examinados.

A equipa de investigadores, da qual fez parte a investigadora portuguesa Helena Costa, encontrou também evidências de que estas alterações estão envolvidas na capacidade de os cancros evoluírem e tornarem-se mais agressivos.

No primeiro estudo, os investigadores recolheram 1373 amostras de 30 cancros de intestino e analisaram as suas alterações epigenéticas.

A análise permitiu concluir que estas alterações são muito comuns em células que se tornaram cancerosas e ocorrem em genes já identificados como indutores de cancro.

O estudo mostra também que as alterações epigenéticas são transmissíveis, sendo herdadas pelas células em cada divisão celular — contribuindo para a evolução do cancro.

O segundo estudo tinha como objetivo compreender por que motivo células no mesmo tumor podem ser tão diferentes umas das outras — uma característica que ajuda algumas células a ganhar vantagens que aumentem a sua capacidade de sobrevivência, resistindo assim aos tratamentos do cancro.

Os investigadores procuravam perceber se esta diversidade de células num tumor é controlada por variações no ADN — ou outro fator qualquer.

A equipa descobriu que menos de 2% das alterações no código genético em áreas independentes do tumor estão associadas a alterações na atividade dos genes, e que as variações nas características das células cancerosas são frequentemente controladas por fatores independentes das mutações no ADN.

Em conjuntos, os dois estudos representam um importante avanço na nossa compreensão do cancro, e colocam-nos um passo mais próximo de desenvolver tratamentos direcionados a fatores epigenéticos da evolução da doença.

Armando Batista, ZAP //

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