Pela primeira vez desde John Leech, em 1976, foram feitos progressos no intrigante “problema do beijo” – que continua repleto de mistérios.
Conta-se que, em maio de 1694, Isaac Newton e o astrónomo David Gregory começaram a contemplar a natureza das estrelas, acabando por se deparar com um quebra-cabeças matemático que perduraria durante séculos.
Como descreve a Quanta Maganize, a conversa tinha que ver com a forma como estrelas de tamanhos diferentes orbitavam um sol central. Mas o que é hoje recordado é a questão mais geral que inspirou a conversa: Dada uma esfera central, quantas esferas idênticas podem ser dispostas de modo a tocarem-na sem se sobreporem?
Em três dimensões, podem posicionar-se 12 esferas à volta da esfera central de modo a que cada uma a toque num único ponto. Mas esta disposição deixa espaços entre as esferas.
Assim sendo, seria possível espremer uma 13ª esfera nesse espaço restante? Questionaram os ilustres cientistas. Gregory pensou que sim. Newton não achava.
O problema do “beijo”, como passou a ser chamado, provou ser relevante, por exemplo, para a análise de estruturas atómicas e para a construção de códigos de correção de erros.. Além disso, também se tornou num grande desafio matemático.
Foi preciso esperar até 1952 para a matemática provar que Newton tinha razão: nas nossas três dimensões familiares, o número máximo de “beijos” é 12.
Contudo, este problema pode ser colocado a esferas de qualquer dimensão.
Em duas dimensões, a resposta é claramente seis: Se colocarmos uma moeda numa mesa, vemos que, quando colocamos outras seis moedas à sua volta, elas encaixam perfeitamente.
Mas… e em dimensões superiores?
Apesar de o problema já ter sido resolvido, na dimensão quatro, oito e 24, onde os matemáticos conseguiram empacotar esferas de forma ótima em estruturas de rede maravilhosamente simétricas, em todas as outras dimensões, onde há mais espaço entre as esferas, o problema continua em aberto.
Para aprimorar as estimativas, os matemáticos seguem normalmente a mesma intuição que lhes deu soluções em dimensões como 8 e 24: procuram formas de dispor as esferas tão simetricamente quanto possível.
Em 2022, uma aluna de matemática do Instituto de Tecnologia de Massachusetts chamada Anqi Li decidiu ir em busca dessas estruturas mais estranhas.
Enquanto trabalhavano projeto, teve uma ideia enganosamente simples que agora permitiu que ela e o seu orientador, Henry Cohn, melhorassem as estimativas do número do beijo num grupo particularmente desafiador de dimensões: 17 a 21.
O estudo, publicado em novembro no arXiv, prova que os números de beijo em 17, 18, 19, 20 e 21 dimensões são pelo menos 5.730, 7.654, 11.692, 19.448 e 29.768, respetivamente.
O trabalho marca o primeiro progresso no problema nessas dimensões desde os anos 60 – e mostra os benefícios de injetar mais desordem em potenciais soluções.
“Dos códigos aos beijos”
Em 1967, o matemático John Leech utilizou um código incrivelmente eficiente – famoso por ter sido utilizado mais tarde pela NASA para comunicar com as sondas Voyager – para construir uma rede de pontos que acabou por batizar.
Cinquenta anos mais tarde, Cohn e vários outros matemáticos provaram que é possível utilizar esta rede para empacotar esferas tão densamente quanto possível num espaço de 24 dimensões.
No início, o professor Cohn demonstrou-se cético. É fácil cometer um pequeno erro neste tipo de cálculos, especialmente quando se trata de um pensamento positivo. Para “despistar” a teoria, verificaram a sua nova disposição de pontos num computador. E resultou: Todas as esferas encaixavam corretamente.
Nesse ano, Li foi trabalhar com Cohn como estagiária na Microsoft Research, onde puderam aperfeiçoar cuidadosamente os códigos de correção de erros que estavam a utilizar para poderem continuar a acrescentar esferas compatíveis à “estranha” estrutura de 17 dimensões de Li.
No final, conseguiram adicionar 384 novas esferas à estimativa baseada em Leech de 1967, elevando o limite inferior do número de beijos para 5.730.
De seguida, aplicaram técnicas semelhantes para melhorar o número de beijos nas dimensões 18 a 21.
E depois do 21?
No entanto, nas dimensões 22 e 23, a estratégia falhou. Parecia que a dupla tinha esgotado a sua abordagem de inversão de sinais.
Apesar disso, os matemáticos ficaram mais interessados na forma como Cohn e Li obtiveram os seus ganhos.
As suas novas estruturas são muito diferentes das estruturas altamente simétricas inspiradas na rede de Leech. Os métodos baseados em códigos que utilizaram para adicionar esferas deram-lhes configurações mais irregulares – algo inteiramente novo.
Vários resultados recentes apoiam a promessa destas possibilidades menos acessíveis. Como refere a Quanta Magazine, nos últimos dois anos, matemáticos criaram novas construções inteligentes nas dimensões 5, 10 e 11, dobrando ou quebrando as regras de simetria habituais.
“Cada estrutura invulgar que se descobre dá pequenas dicas e pistas sobre a verdade. O problema do beijo ainda está cheio de mistérios“, considerou Henry Cohn, citado pela mesma revista.