Para Emma Duncan, editora de políticas sociais do Economist, a austeridade nas finanças locais britânicas foi um dos condutores ao Brexit. A responsável acredita que a saída da União Europeia (UE) penalizará mais quem votou a favor dela.
De acordo com um artigo do Diário de Notícias, publicado no domingo, nas ilhas britânicas, a palavra austeridade ainda não saiu do glossário político e social. Há já uma década que se sentem os cortes, sobretudo nas finanças dos governos locais, mas o governo faz depender do Brexit a margem para eliminar a política de redução de despesa.
Se tudo correr mal, a austeridade pode demorar longos anos a deixar o Reino Unido. E continuar a penalizar, principalmente, quem votou pelo corte dos laços com Bruxelas.
“Há tantas causas para o Brexit que poderíamos ficar a discuti-las uma noite inteira”, admitiu Emma Duncan. A editora de políticas sociais do jornal que, segundo o Diário de Notícias, é “a voz mais influente da imprensa britânica no mundo”, desfiou um cordão de efeitos, que arranca na resposta à crise financeira mundial.
“Tivemos um período prolongado – creio que mais longo que em Portugal, mas possivelmente não tão extremo – de austeridade, que baixou o nível dos serviços, em particular ao nível do governo local, e criou um crescente sentido de descontentamento incontrolável”, indicou.
Quando isso “se combinou com a quebra dos salários reais, que tivemos durante sete anos após a crise, criou um cenário económico realmente negro. Sobreposto a isso ainda, houve aumento da imigração do resto da Europa e de fora da Europa”, continuou.
O resultado? Emma Duncan explicou que “foi uma mistura muito tóxica, em que a população indígena que estava menos bem sentiu que os seus benefícios não estavam apenas a encolher mas estavam a ser levados por estrangeiros”.
“É algo em que as pessoas acabaram por acreditar, sobretudo em bolsas do país onde se registavam não tanto níveis de imigração elevados mas antes uma subida recente da imigração. Foram as áreas mais atingidas por esta mistura tóxica, e com maior probabilidade de votarem a favor do Brexit“, disse a jornalista britânica.
Os cortes pós-crise às finanças locais britânicas resultaram numa redução média da despesa de 10% nos anos imediatamente anteriores ao referendo sobre a saída do Reino Unido da UE.
Os ‘councils’ (equivalentes das autarquias portuguesas) mais pobres foram os que conheceram mais cortes – superiores a 30% e quase o dobro dos registados nas localidades mais ricas -, segundo dados do Institute of Fiscal Studies, que analisa os efeitos microeconómicos das contas públicas britânicas.
Outro ‘think tank’, o Centre for Cities, fez as contas em janeiro às localidades que mais perderam transferências de Londres no pós-crise. E a comparação com os resultados do referendo de junho de 2016 suporta a explicação de Emma Duncan.
Barnsley, uma pequena vila entre as cidades de Leeds e Sheffield, no centro do país, foi a que teve os maiores cortes pós-crise: 40%. E deu 68,3% dos seus votos pelo Brexit. Liverpool é exceção à regra: teve cortes de 32% e ainda escolheu ficar, com mais de 58% dos votos. Mas, Doncaster, não muito longe de Barnsley, teve o orçamento local reduzido em 31% e já deu 69% de votantes ao Brexit.
Tempos muito estranhos
A separação da UE está agora a seis meses de distância, sem que se saiba ao certo que pontes económicas serão mantidas. O PIB das ilhas do norte continua a crescer, mas o investimento já quebrou, e é possível que o Brexit desenrole uma espiral descendente capaz de reduzir salários e encolher mais os serviços prestados às populações.
A saída, afirmou Emma Duncan, terá “um impacto na segurança social, e, em particular, terá impacto na segurança social dos mais pobres no país”.
“A ironia dolorosa é que os mais pobres que votaram no Brexit são quem vai sofrer com ele”, defendeu a jornalista. “Temo que os sentimentos que conduziram ao Brexit em primeiro lugar e que encorajaram o crescimento dos países mais à direita serão exacerbados. Haverá mais disto como consequência deste terrível episódio”.
Mas arriscar previsões, hoje em dia, nas mais de 95 mil milhas quadradas sob a coroa de Isabel II e a direção de Theresa May, é tarefa sem candidatos, por muito que se perfilem lideranças substitutas nos debate mais acesos, lê-se no artigo do Diário de Notícias.
“O curioso neste ponto é que ninguém é capaz de prever o que se vai passar no dia seguinte. Fala-se com os políticos e pergunta-se-lhes pelo que vai acontecer amanhã ou na próxima semana – ninguém faz a mais pálida ideia. São tempos muito estranhos”.
Por exemplo, a Grã-Bretanha pode ou não participar nas eleições europeias no próximo mês – e para nada. “Vai ser uma extraordinária votação. Em quê? Não tenho a certeza”, concluiu a editora de políticas sociais.