Macron vs Le Pen. Eis os factores que vão decidir quem será o próximo Presidente de França

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Stephane Mahe / EPA

O presidente francês, Emmanuel Macron

Entre a abstenção, o eleitorado de Jean-Luc Mélenchon, o desgaste da imagem de Macron e a crise trazida pela inflação, há vários factores que vão decidir quem será o próximo chefe de Estado em França — e o duelo vai ser mais renhido do que em 2017.

Quem ligou a televisão no domingo e se deparou com uma segunda volta nas presidenciais francesas entre Emmanuel Macron e Marine Le Pen pode até ter ficado com uma sensação de déjà vu, já que esta é uma repetição do duelo de 2017. Mas desta vez, o cenário é bem diferente.

Se as sondagens há cinco anos davam uma vitória mais folgada a Macron, tudo indica que o confronto marcado para 24 de Abril vai ser bem mais renhido. Em 2017, previa-se uma vitória com 20 pontos de vantagem para o candidato liberal — e estas sondagens acabaram por se comprovar, tendo o chefe de Estado derrotado a candidata de extrema-direita com 66,10% contra 39,90%.

Já os inquéritos referentes a esta eleição, traçam um filme bem diferente, apesar de ter os mesmos actores, com Macron a ter entre 51 e 54% das preferências e Le Pen a oscilar entre os 46% e 49%.

Na maioria dos casos, estes valores ainda estão dentro da margem de erro das sondagens, estando-se assim numa situação de empate técnico. Mesmo que Macron seja reeleito, a sua vitória deve ser bastante menos relaxada do que 2017.

De acordo com as previsões do The Economist, Le Pen tem uma probabilidade de 25% de sair vencedora — a mesma que o modelo deu a Donald Trump em 2016.

Referendo a cinco anos de Macron

Le Pen têm a vantagem de poder concentrar o eleitorado dos dois outros candidatos de extrema-direita na corrida ao Eliseu — Éric Zemmour e Nicolas Dupont-Aignan — que conquistaram 7,07% e 2,06% dos votos no domingo e já anunciaram que a apoiam na segunda volta.

Do seu lado, Macron conta com o apoio dos “moribundos” partidos tradicionais, com a Republicana Valérie Pécresse e a Socialista Anne Hildalgo — que tiveram 4,78% e 1,75% dos votos, respectivamente — a anunciarem que apoiam o actual Presidente em nome do esforço para manter a extrema-direita fora do Eliseu.

A queda histórica destes dois gigantes na política francesa é um dos principais focos de análise nos jornais do país (já que nem conseguiram os 5% exigidos para o Estado reembolsar as despesas das campanhas), pelo que, nesta altura, ser apoiado por estes partidos pode até nem beneficiar Macron, numa França que mostra estar farta das políticas tradicionais e que aposta cada vez mais em partidos fora do sistema.

Macron foi, inclusivamente, um dos beneficiários desta tendência, em 2017. Na altura com 39 anos, o candidato era um rosto relativamente desconhecido na política francesa, assim como o seu recém-criado partido liberal La République En Marche!.

Cinco anos depois, Macron já tem a imagem bem mais desgastada, com um mandato marcado pela contestação do movimento dos coletes amarelos, acusações de ser elitista e desconhecer o dia a dia dos franceses e uma aproximação à direita, com os cortes nos impostos para os mais ricos ou a polémica proposta para a reforma do sistema nacional de pensões.

Para além disto, o chefe de Estado também assumiu um postura mais rígida contra a comunidade muçulmana em França, com a proibição da utilização dos véus islâmicos em público — um tema que costuma ser uma das bandeiras da extrema-direita.

Perante um primeiro mandato conturbado, a eleição a 24 de Abril vai assim ser também um referendo à prestação de Macron.

A normalização da presença de Le Pen

Se estes cinco anos foram cheios de altos e baixos para Macron, já Marine Le Pen aproveitou-os para se afirmar como uma figura relevante em França, tentando sacudir o estigma associado à extrema-direita.

Desta vez, Le Pen tem suavizado o discurso, abandonando os temas típicos da extrema-direita, como a imigração ou a presença na União Europeia — dois dos seus maiores focos em 2017 — e preferindo apostar na economia e na defesa do poder de compra dos franceses.

Para além disto, a candidata da União Nacional (ex-Frente Nacional), beneficiou ainda da presença de Éric Zemmour na corrida ao Eliseu, já que as suas políticas parecem mais “legítimas” quando comparadas com as de um candidato ainda mais extremista.

Recorde-se ainda que esta é já a terceira vez que a dinastia Le Pen chega à segunda volta das presidenciais. Em 2002, Jean-Marie Le Pen alcançou os 17,79% no confronto com Jacques Chirac e em 2017 a sua filha conseguiu quase 34% dos votos contra Macron.

Esta tendência mostra uma progressiva normalização da extrema-direita em França, normalização essa que Marine Le Pen tem fomentado, tendo inclusive expulsado o pai da Frente Nacional em 2015 para “lavar” a imagem do partido — depois das várias afirmações polémicas e processos por discurso de ódio de que este que foi alvo e da sua recusa em voltar atrás quando disse que o Holocausto era um “detalhe da História”.

De acordo com o Politico, Le Pen tem apostado todas as fichas numa campanha próxima dos cidadãos, tendo passado meses a “percorrer aldeias e vilas” para chegar “aos franceses comuns” e prometendo-lhes “dar de volta o seu dinheiro” — uma promessa eleitoral que está agora a dar ainda mais frutos com a escalada de preços agravada pela guerra na Ucrânia.

Eleitorado de Mélenchon é decisivo

Apesar de só dois candidatos passarem à segunda volta, os resultados da primeira chamada às urnas traçam um cenário de uma França tripartida. Jean-Luc Mélenchon, candidato do partido de esquerda radical França Insubmissa, conquistou quase 22% dos votos, ameaçando tirar o lugar a Le Pen no duelo com Macron.

Há cinco anos, Mélenchon ficou em quarto lugar, com 19,58% dos votos. Desta vez,  a esquerda pareceu concentrar-se em si na esperança de conseguir surpreender e chegar à segunda volta.

Os dados da Elab mostram ainda que o esquerdista foi o favorito dos jovens, conquistando 34% e 31% dos votos nas faixas etárias entre os 18-24 anos e 25-34 anos, respectivamente.

Tal como em 2017, o candidato voltou a pedir ao seu eleitorado que rejeitasse Le Pen, mas, ao contrário de Pécresse e Hidalgo, não apoiou directamente a candidatura de Macron, preferindo deixar duras críticas ao sistema que “obriga as pessoas a escolher o mal menor”.

“Entendo a vossa raiva, mas não a deixem consumir-vos. Não deixem a raiva levar-vos a fazer coisas que seriam irreparáveis. Nem um único voto em Marine Le Pen“, apelou Mélenchon.

Um terço dos eleitores de Mélenchon afirmam numa sondagem do Ifop que vão votar em Macron, mas há ainda 23% que preferem Le Pen — um dado que indica que uma porção do eleitorado do candidato do França Insubmissa não tem uma ideologia definida e prefere apostar num candidato anti-sistema, possivelmente encarando Macron como um Presidente para as elites.

Também neste dado estas eleições são semelhantes às presidenciais americanas de 2016, em que um segmento dos eleitores da classe trabalhadora que apostaram no progressista Bernie Sanders — que disputou a nomeação Democrata com Hillary Clinton — não se reviam nas políticas mais amigas do sistema da ex-Secretária de Estado e preferiram ficaram em casa e até, nalguns casos, votar em Donald Trump.

O perfil socioprofissional dos eleitores feito pelo Instituto Ipsos mostra ainda que Le Pen tem o dobro do apoio de Macron entre a classe trabalhadora, pelo que isso pode explicar a tendência de alguns eleitores de Mélenchon a apostar na candidata de extrema-direita. Já Macron sai-se melhor entre os reformados e os funcionários de quadros médios e superiores.

Macron aparenta estar cedente destes riscos, tendo ainda antes da primeira volta já começado a tentar desfazer a ideia de que governou mais à direita do que se antecipava e de que é um Presidente afastado do francês comum.

O chefe de Estado também recomeçou a campanha em Mulhouse e Estrasburgo, dois bastiões onde Mélenchon venceu no domingo. “Não vou fingir que nada acontece, ouvi a mensagem dos que votaram pelos extremos, incluindo os que votaram em Le Pen”, afirmou durante a campanha em Denain.

“Percebo que as pessoas vão votar em mim para a parar, mas também quero convencê-las”, acrescentou, garantindo que está disposto a mudar o seu programa e dar concessões aos eleitores da esquerda.

Abstenção deve ser tida em conta

Com a antecipação de um duelo renhido, a participação eleitoral pode também ser decisiva. Numa corrida inicialmente com 12 candidatos, é de esperar que muitos dos eleitores que não votaram em Macron ou Le Pen prefiram abster-se na segunda volta, o que pode baralhar seriamente as contas a 24 de Abril.

No caso do eleitorado de Mélenchon, 44% está a ponderar não ir às urnas, assim com 38% dos eleitores do candidato dos Verdes, Yannick Jadot, que apoiou directamente Emmanuel Macron, de acordo com o Le Figaro. Perante este cenário, a abstenção alta — que já chegou aos 26,2% no domingo e foi superior a 2017 — pode prejudicar Macron mais do que Le Pen.

O que esperar do debate

Está ainda marcado um debate televisivo entre os dois candidatos para 20 de Abril. Espera-se desde já que Le Pen saia ao ataque e critique a resposta de Macron à crise de inflação.

Já o chefe de Estado, que admitiu ter negligenciado inicialmente a campanha para se focar nos esforços diplomáticos em prol da resolução da crise na Ucrânia, deve focar-se na quebra do desemprego e atacar Le Pen pelas suas ligações a Vladimir Putin.

Macron pode também apostar na importância da estabilidade política e da continuidade numa altura de incerteza diplomática e económica, tentando pintar Le Pen como uma candidata radical que põe em risco o futuro do país.

No plano internacional e face a importância política e económica da França na União Europeia e na NATO, aguarda-se com expectativa os resultados perante o perigo de uma candidata de extrema-direita e simpatizante do Presidente russo poder assumir o cargo mais alto da nação.

Na União Europeia, há ainda o risco de Le Pen se aliar a outros países governados pela extrema-direita, como a Polónia e a Hungria em nome de medidas como o fim da liberdade de circulação, o que pode mudar profundamente o panorama europeu.

Adriana Peixoto, ZAP //

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