Quando um grupo de crianças criou uma língua nova (porque não tinha outra)

Isoladas, sem educação e com necessidade de comunicar. Assim nasceu a língua gestual da Nicarágua.

Ter uma língua-mãe é essencial a toda a gente: é uma necessidade social e quase física. Tanto que, se não nos for ensinada uma desde criança, inventamos necessariamente uma nova.

Foi o que aconteceu a um grupo de crianças da Nicarágua, em 1977. Foi o ano em que surgiu na capital, Manágua, a primeira escola para crianças surdas-mudas. O problema? Estas crianças não conheciam nenhuma língua.

Espanhol, o idioma oficial do país, estava excluído: nunca ninguém as tinha ensinado a ler ou escrever, uma vez que eram crianças e estavam ali para, exatamente, aprender a ler e a escrever.

Algumas até tinham já 16 anos, mas num período de alta turbulência política e económica no país, não havia informação sobre como educar estas crianças, que não conheciam mais do que meros “símbolos caseiros”, para comunicar com os pais, recorda a Atlas Obscura. Eram crianças isoladas, sem contacto com quem pudesse realmente ajudá-la.

Só que as crianças têm também necessidade de comunicar entre si. Como fazê-lo, se não conheciam sequer a língua gestual?

As crianças criaram então uma linguagem só delas. Através de sinais, conseguiam comunicar. E o código era inclusive bastante completo. Rapidamente, foram capazes de conversar sobre uma vasta quantidade de coisas através do seu novo código.

Hoje, esta língua, produto da necessidade de comunicação de crianças, é ainda estudada no país: é a língua gestual da Nicarágua.

Atualmente, o método de ensino daquela escola é bastante contestado. É conhecida por “oralismo” e consiste em ensinar as crianças a falar e a ler os lábios na língua oficial do país (neste caso o espanhol), em vez de lhes ensinar a linguagem gestual. Não correu bem: era mesmo preciso uma língua completa, que se ajustasse às necessidades destas crianças. Assim nasceu esta peculiar língua.

E certo que cada país tem a sua própria língua gestual — uma língua oficial, com códigos específicos e as suas especificidades. Só que, neste caso, ninguém se guiou por um papel ou por um professor — foi a necessidade que ditou a sua criação.

O linguista Marco Neves explica no Instagram que ter uma língua é “uma necessidade muito humana, e todas as crianças aprendem uma língua, mesmo que tenham de criar uma nova”.

Carolina Bastos Pereira, ZAP //

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