“E se te limitasses ao jogo?”: artigo sobre Cádiz-Valência origina protestos

A interrupção do duelo entre Cádiz e Valência foi analisada numa crónica muito contestada, no jornal Marca. Jornalista só escreveu uma linha sobre o jogo.

Desde a tarde de domingo que a imprensa desportiva em Espanha se centra no jogo de futebol entre Cádiz e Valência. Não propriamente no futebol jogado, mas na interrupção que se verificou, perto da meia hora da primeira parte.

O marcador apresentava um empate a um golo quando, após a disputa de uma bola pelo ar, Cala disse algo a Diakhaby e este começou logo a correr, protestando. Acabou por ver o cartão amarelo, explicando depois ao árbitro o que estava a acontecer – a acta do árbitro indica que Diakhaby contou que Cala lhe chamou “preto de m…”, mas nenhum elemento da equipa de arbitragem ouviu a conversa.

Todos os elementos do Valência deixaram o relvado mas, cerca de 20 minutos depois, regressaram e o jogo sem continuou (com Cala mas sem Diakhaby em campo). O Valência informou em comunicado que o árbitro aconselhou os jogadores a regressarem, lembrando as sanções que poderiam ser aplicadas ao Valência, caso a partida terminasse ali: derrota por 6-0 e dedução de três pontos na classificação.

A “crónica”

«Ganha o Cádiz, perdemos todos» – este é o título da crónica do jogo, publicada no jornal Marca e assinada por Diego Picó.

O jornalista começa por escrever que só houve futebol durante 29 minutos. Tudo o resto “não importa”, lembrando que o Valência ainda decidiu voltar ao relvado mas a partir daí o futebol “se foi à m…”.

“O racismo é asqueroso”, escreve Diego Picó, que considera que foi “delirante” que o “agressor”, ou seja, Cala, tivesse continuado a jogar, enquanto o “agredido”, Diakhaby, saiu.

Falar do jogo é impossível. Além disso, não tenho vontade de o fazer”, acrescenta o jornalista espanhol, que classifica como “uma vergonha” o que aconteceu no recinto do Cádiz.

Um artigo com somente três parágrafos, todos dedicados à interrupção da partida e ao racismo. Numa nota final, num P.S., fica a indicação de que o Cádiz ganhou por 2-1, com o primeiro golo a ser apontado precisamente por Cala; Gameiro ainda igualou mas Mauro fechou o resultado.

Este resultado colocou o Cádiz no 13.º lugar do campeonato espanhol, com 32 pontos, menos um do que o Valência, que é 12.º classificado.

Os protestos

Qualquer artigo está sujeito a reações pouco simpáticas, sobretudo num jornal com a dimensão que o Marca tem. Mas esta crónica terá batido recordes, nos últimos anos. Poucas horas depois do jogo, já se contabilizavam cerca de 300 comentários – e a direção do jornal apagou vários, segundo os utilizadores.

“Isto é uma crónica ou um comentário de bar?”, questiona-se. Outro utilizador coloca esta crónica no top-10 dos piores artigos de sempre do jornal.

Há leitores que pedem que Diego Picó seja castigado, por ter publicado “do pior que já se viu” no Marca. Uma crónica “medíocre e ridícula”, uma “vergonha”, com tudo que está no “politicamente correto“.

Uma ideia generalizada é visível nos comentários: Diego Picó deveria ter dado prioridade à presunção de inocência, em vez de publicar este “linchamento”, utilizando a expressão de um leitor. “Ninguém sabe a verdade”, ou “não há provas”, recordam outros utilizadores.

Um artigo “para o lixo”, ou ainda “puro teatro”, escrevem outros. “Dizes que falar do jogo é impossível. Além disso, não tens vontade de o fazer – se dissesses isso ao teu chefe, noutro trabalho qualquer, serias logo despedido“, lê-se. “Este senhor Diego Picó não fez o seu trabalho: a crónica do jogo”.

Outros reagiram com humor: “Ele tomou a vacina ou o quê?”, pergunta um leitor, enquanto outro sugere que o Prémio Nobel da Paz seja entregue a Diego Picó. “Não me apetece trabalhar, a Semana Santa foi muito dura”, lê-se noutro comentário.

Sem humor, um leitor deixou um aviso ao jornalista: “Se eu fosse o Cala, apresentaria uma denúncia contra ti por injúrias e para que, na próxima vez, penses bem antes de acusares sem saber”.

O mesmo Diego Picó foi o responsável pela manchete do jornal desta segunda-feira:

No site do diário espanhol, o artigo correspondente já ultrapassa os 700 comentários.

Nuno Teixeira, ZAP //

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