Estratégia do presidente terá envolvido ainda os EUA e tinha como prioridade uma mensagem interna, para obter “resultados adicionais”. Mas falhou.
O Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, usou a “jogada” da ameaça de veto à adesão da Suécia e Finlândia à NATO para se manter no poder e obter benefícios adicionais, defende o académico turco Ilhan Uzgel.
“[O Presidente turco] Recep Tayyip Erdogan pretendia fazer um acordo e esgrimir o poder da Turquia na NATO, sabendo da urgência da adesão da Suécia e Finlândia”, indicou à Lusa Ilhan Uzgel, professor de Relações Internacionais e ex-docente da Universidade de Ancara.
“Nesse sentido, podia jogar uma cartada forte, de forma explícita, em relação à Suécia e Finlândia, e implicitamente contra os Estados Unidos, para obter alguns benefícios à margem desta questão, uma mensagem a nível interno com o objetivo de se manter no poder e obter alguns resultados adicionais“, adiantou Uzgel.
Na perspetiva do académico, que agora colabora em diversos ‘media’ eletrónicos, “o objetivo de Erdogan falhou” e no decurso da cimeira da NATO em Madrid, que decorreu no final de junho, o Presidente turco acabou por levantar o veto ao processo de adesão dos dois países nórdicos, mas sem deixar de impor diversas condições.
“A Turquia estava isolada, a nível interno está a perder terreno, todas as sondagens demonstram que a sua base de apoio está a esvaziar-se. Estava numa posição de desvantagem para concretizar este acordo, e não podia insistir muito devido ao seu poder limitado, estando sob pressão dos Estados Unidos”, assinalou.
Antes da realização da cimeira aliada, Ancara indicou que não aceitaria o ingresso da Finlândia e Suécia na NATO, caso estes países não alterassem radicalmente a sua atitude face às organizações políticas curdas, de acolhimento de muitos ativistas ao longo das últimas décadas, e com alguns possuindo dupla nacionalidade.
A Turquia exigia o apoio no seu combate aos grupos que considera “terroristas”, com destaque para o Partido dos trabalhadores do Curdistão (PKK), a rebelião curda em território turco, e as Unidades de Proteção Popular (YPG), as milícias curdas da Síria.
Ancara acusa fundamentalmente a Suécia de acolher militantes curdos perseguidos pela Turquia e por permitir inclusive discursos em defesa do PKK no Parlamento.
O levantamento, ainda considerado provisório, do veto turco, foi alcançado após Estocolmo e Helsínquia se terem comprometido com o reforço da legislação contra o “terrorismo” e na extradição de diversos ativistas curdos, com Ancara a apresentar uma lista de 33 nomes, onde também se incluem supostos apoiantes do clérigo dissidente Fethullah Gülen, acusado de ter fomentado o fracassado golpe militar de julho de 2016 contra Erdogan.
Ancara também pediu que os dois países escandinavos levantem o embargo às armas com destino à Turquia, imposto devido às incursões militares turcas na Síria para combater os militantes curdos e impedir a concretização da Rojava, o projeto de uma ampla região autónoma curda e eventual embrião de um futuro Estado.
“Erdogan tentou fazer ‘bluff’ como no jogo de póquer, e a administração norte-americana de Joe Biden optou por não se mover, não responderam ao desafio de Erdogan. O acordo na cimeira da NATO de Madrid permitiu o levantamento do embargo às armas, mas a questão é que a Suécia não é o principal fornecedor de armamento para a Turquia. Apenas fornece uma quantidade reduzida de armamento ou de peças”, precisou Ilhan Uzgel.
As exigências turcas também foram entendidas como um “recado” a Washington, que nos últimos anos suspendeu o fornecimento de material militar à Turquia, em particular a venda de caças F-16, uma medida que poderá ser retomada.
No entanto, e em relação à exigência de extradição dos militantes curdos, a Suécia em particular já assegurou que o processo será efetuado no respeito pelas leis internas e do direito internacional.
“O PKK já é há muito designado como uma organização terrorista, não se tratou de uma concessão por parte da Suécia ou Finlândia”, assinalou o académico.
“O único ponto em que a Turquia tentou beneficiar relacionou-se com o Partido da União Democrática (PYD), um ramo do PKK na Síria, e queriam designá-lo como uma organização terrorista, mas não convenceram a Suécia e a Finlândia. O único que conseguiram foi o fim da assistência ao PYD no norte da Síria, mas é também um compromisso vago”.
A perspetiva de Ancara voltar a recuar na sua posição caso não sejam extraditados pelo menos alguns dos nomes que a Turquia apresentou na sua lista e com alegadas ligações ao PKK ou à organização de Gülen “não é realista”, prosseguiu o investigador. No entanto, e apesar da ‘luz verde’ turca à primeira fase das candidaturas de adesão, o Parlamento turco, dominado pelas forças pró-Erdogan, deve ainda ratificar esta entrada.
“O que a Turquia está a propor é a extradição de cidadãos da Suécia e Finlândia. Nenhum país ocidental pode entregar cidadãos à Turquia, onde o Estado de direito já está suspenso. Não existe respeito pelo Estado de direito, todos os tribunais são controlados pelo Governo, todos sabem isso. Não é sensato que esses dois países extraditem para a Turquia os seus próprios cidadãos, independente da sua origem étnica, e satisfazer Erdogan a nível interno”.
Neste cenário, Ilhan Uzgel considera que o Presidente turco “não terá capacidade” para impor um novo veto pelo facto de esta situação não poder ser comparada a um “jogo”, uma abordagem que terá sido privilegiada pela liderança de Ancara.
“Ameaça com um veto, levanta o veto e depois volta a impô-lo. Trata-se da NATO, dos Estados Unidos, é algo sério. Os EUA e outros membros da Aliança pedem unidade interna, atendendo ao prosseguimento da guerra na Ucrânia. Não penso que a Turquia volte a aplicar o seu poder de veto. Seria o regresso ao mesmo processo e com o Presidente dos EUA Joe Biden a contactar de novo Erdogan, não é realista”.
Na semana passada, Erdogan afirmou que a Suécia “prometeu” extraditar “73 terroristas” que vivem no país e pretendidos por Ancara, mesmo que o acordo assinado à margem da recente cimeira da NATO não contemple esta exigência, um fator que poderá voltar a complicar o processo.
Contudo, o analista de política internacional admite que o Governo turco acabará por retirar este assunto da agenda pública. “Sabem que constitui uma desvantagem para o Governo de Erdogan. Vão retirá-lo do debate público”, quando a situação interna continua a degradar-se em particular na área económica e social e a cerca de um ano de decisivas eleições legislativas e presidenciais.
“Nos últimos 20 anos, o ano de 2023 surge como o momento mais provável em que o AKP [Partido da Justiça e do Desenvolvimento, no poder desde 2003] e Erdogan podem perder as eleições”, admitiu Ilhan Uzgel.
“Há uma forte possibilidade de serem derrotados nas eleições. A economia está em crise, a inflação está perto dos 100% anuais – um enorme registo – os salários não podem acompanhar a inflação, o custo de vida está muito elevado, e existe um crescente descontentamento, mesmo entre os apoiantes de Erdogan”, concluiu.
// Lusa
Boas noticias para todos!!