Corrupto ou ingénuo? Javier Milei perdeu o brilho e tem a cabeça em risco

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Juan Ignacio Roncoroni / EPA

Javier Milei, novo presidente da Argentina

A meio do escândalo da criptomoeda $Libra, o Presidente da Argentina, Javier Milei, está a ser investigado e arrisca a destituição. A dúvida é se Milei se deixou corromper, ou se foi só ingénuo – qualquer das possibilidades é péssima para a sua imagem.

Javier Milei enfrenta a sua pior crise política em pouco mais de um ano de Presidência na Argentina, e pode ter de enfrentar um pedido de destituição, ou impeachment.

Está a ser investigado pela justiça argentina por suspeitas de fraude, de conspiração criminosa e de corrupção, mas também pelo FBI e pelo Departamento de Justiça dos EUA.

Em causa está a criptomoeda $Libra e uma publicação na rede social X, o antigo Twitter, onde Milei recomendou o investimento na moeda digital, notando que ajudaria a “incentivar o crescimento da economia argentina, financiando pequenas empresas e startups”.

A publicação fez disparar o valor da $Libra e quem tinha comprado a moeda digital a preço mais baixo, antes do apoio de Milei, vendeu os seus activos, lucrando milhões. Mas isso desvalorizou abruptamente a criptomoeda que caiu mais de 95%.

Milei acabou por apagar a publicação no X cerca de cinco horas depois de a ter divulgado, mas o mal já estava feito e milhares de pessoas perderam dinheiro.

@JMilei / X

Publicação que Javier Milei apagou no X sobre a criptomoeda $Libra.

Publicação que Javier Milei apagou no X sobre a criptomoeda $Libra.

Rumores de subornos à irmã de Javier Milei

Agora, vários rumores assombram Milei, nomeadamente os que se referem a eventuais subornos à irmã do Presidente da Argentina, Karina, que é
Secretária-Geral da Presidência da Argentina e uma das principais conselheiras e estrategas do Chefe de Estado.

Entre os principais beneficiários do negócio da $Libra está a empresa Kelsier Ventures do norte-americano Hayden Mark Davis, que está ligado à criação desta criptomoeda.

As carteiras de activos que Kelsier Ventures e Hayden Mark Davis controlavam geraram mais de 100 milhões de dólares nas primeiras horas após a publicação de Milei, de acordo com o site especializado em criptomoedas CoinDesk.

Esta publicação teve acesso a alegadas mensagens de texto de Hayden Davis, onde este terá afirmado ter o “controle” total sobre Milei por ter subornado a irmã Karina.

“Eu controlo aquele negro. Envio $$ à sua irmã e ele assina o que quer que eu diga e faz o que quero”, terá escrito Davis em mensagens datadas de meados de Dezembro passado.

Reprodução CoinDesk

Alegadas mensagens de Hayden Mark Davis a falar de supostos pagamentos à irmão de Javier Milei, Karina.

A CoinDesk nota que “obteve as mensagens de texto de uma fonte próxima da situação que pediu para não ser identificada”.

O porta-voz de Davis, Michael Padovano, refere à publicação que o CEO da Kelsier Ventures não se recorda de ter enviado as mensagens, e que não tem registos desse envio no telemóvel.

O próprio Davis veio, entretanto, a público assegurar que as alegações são “completamente falsas”, como cita a CoinDesk.

Nunca lhes fiz qualquer pagamento, nem eles solicitaram nenhum. A sua única preocupação era garantir que os lucros da $Libra beneficiariam o povo e a economia da Argentina”, salienta ainda o empresário, considerando que o que está em causa é “um ataque com motivações políticas ao Presidente Milei”.

Davis era um nome praticamente desconhecido no universo das criptomoedas até 30 de Janeiro deste ano, quando foi apresentado ao mundo com uma foto ao lado de Milei, após uma reunião com o Presidente da Argentina na Casa Rosada.

@JMilei / X

Javier Milei e Hayden Mark Davis da Kelsier Ventures, empresa ligada à criptomoeda $Libra.

Javier Milei e Hayden Mark Davis da Kelsier Ventures, empresa ligada à criptomoeda $Libra.

Numa publicação no X, Milei referiu-se ao encontro como “uma conversa muito interessante” e sublinhou que Davis o estava a “assessorar sobre o impacto e as aplicações da tecnologia blockchain e da Inteligência Artificial no país”.

Outra figura associada à criptomoeda da polémica é o argentino Mauricio Novelli, promotor de cursos de investimento que tiveram Milei como professor.

Corrupto ou simplesmente ingénuo?

Com tudo isto, Milei está numa encruzilhada de onde é difícil sair completamente ileso.

Ou é corrupto como os Governos anteriores que tanto criticou, ou foi, simplesmente, ingénuo e enganado por quem lhe apresentou a $Libra como um grande negócio. Nenhum dos cenários deixa Milei bem na fotografia.

O Presidente da Argentina, que é formado em Economia, é visto pelos seus apoiantes como “um génio” da economia e das finanças. Como é que foi cair na “banha de cobra” da $Libra?

Assim, o “criptogate”, como já é chamado pela imprensa argentina, é uma bala na reputação de Milei, e não se sabe ao certo quais serão as consequências dos estilhaços.

“Triângulo de ferro” em xeque

Para já, o caso está a pôr em causa o chamado “Triângulo de ferro” constituído por Milei com a irmã Karina, e com o seu principal consultor, Santiago Caputo, que é considerado o homem mais poderoso do Governo.

Karina e Caputo arriscam acabar “debaixo do autocarro” no debate sobre quem tem culpas. O Governo de Milei está a fazer tudo para “sacudir a água do capote” do Presidente, para a atirar para cima dos seus principais assessores.

O ex-presidente da Argentina Mauricio Macri (2015-2019), um dos aliados de Milei, também ajuda e embora critique o acto “descuidado”, refere que o governante está “mal rodeado”.

Uma entrevista catastrófica

Entretanto, uma entrevista que deveria servir para inocentar Milei acabou por correr muito mal. Tudo porque ficou evidente que as perguntas feitas pelo jornalista Jonatan Viale foram combinadas.

“Não a promovi, divulguei”, sublinhou Milei nesta entrevista, realçando que agiu “de boa fé” e que achou que era “uma boa ideia”.

Também reforçou que o “Estado não teve nenhum papel” no processo, e que foi um assunto entre “privados”, uma vez que “os que participaram fizeram-no voluntariamente”. E deveriam ter noção de que investir em criptomoedas é “como um casino”, atirou.

Mas a versão da entrevista que foi emitida não incluiu um extracto que foi depois divulgado na Internet pelo canal, e onde Santiago Caputo interrompe a conversa depois de uma insistência do jornalista que poderia trazer complicações jurídicas ao Presidente.

Milei referia que a sua conta no X é “pessoal”, mas o jornalista sublinhava que além de ser “um cidadão”, é também “Presidente”. Foi, então, que Caputo parou a conversa, referindo alguma coisa ao jornalista e aproximando-se de Milei para lhe dizer algo ao ouvido.

“Percebo, dei-me conta… Pode trazer-te um problema judicial“, diz o jornalista que após um ligeiro interregno e depois de olhar em direcção ao tecto, questiona-se “a ver como é que continuaremos”. Acaba por reformular a pergunta e foi essa a versão que foi, finalmente, emitida para o público.

Se Milei admitisse que as suas publicações no X são, além de pessoais, também enquanto Presidente da Argentina, a situação poderia complicar-se para o governante.

Mas, agora, a entrevista completa pode vir a ser usada como prova contra Milei na investigação em curso.

“O defeito da excelência” de Caputo

O porta-voz da Presidência da Argentina, Manuel Adorni, já culpou Santiago Caputo por ter o “defeito da excelência”, justificando que só interrompeu a entrevista porque “notou que [o assunto] podia ser confuso para uma parte da audiência”.

Entretanto, Caputo terá chegado a apresentar a demissão, segundo alguns media argentinos, mas Milei não a terá aceitado.

E o próprio jornalista atira-se ao consultor de Milei numa resposta às críticas que tem recebido. “O meu erro foi que me faltou firmeza para mandar à merda Santiago Caputo“, destaca, salientando que teve receio de que a entrevista acabasse suspensa, e que só pensou em conseguir “o material”.

Jonatan Viale revela ainda que Karina Milei também estava presente na entrevista, e que Caputo não quis que fosse divulgada uma parte em que o Presidente pedia a ajuda de um assessor.

Além disso, Jonatan Viale fala em “políticos ladrões” e em relações duvidosas entre estes e jornalistas. Foi a deixa perfeita para Milei contornar o assunto fundamental, atirando-se aos “políticos corruptos e aos jornalistas envelopados”.

Oposição pode avançar com impeachment

No meio deste torvelinho, a oposição ligada à antiga Presidente da Argentina, Cristina Kirchner, tem intenções de avançar com um pedido de destituição de Milei. Para isso, precisa de, pelo menos, dois terços dos votos da Câmara dos Deputados.

O partido de centro-esquerda “União pela Pátria” (Frente Renovadora) é o mais representado com 99 deputados. A Unidade Cívica Radical, também de centro-esquerda, tem 34 deputados.

Isto já dá, pelo menos, 133 votos prováveis a favor do impeachment de Milei, o que garantiria a aprovação do pedido de destituição.

O partido de Milei, Liberdade Avança, tem apenas 38 deputados. O Pro de Macri, que tem votado ao lado do partido de Milei, tem 37 deputados. O Presidente argentino tem ainda o apoio de outras coligações de partidos menores.

Se for aprovado, o pedido de impeachment ainda tem de ser votado no Senado. Entre os 72 senadores, 33 são do partido Frente de Todos de Cristina Kirchner. A Unidade Cívica Radical tem 13 senadores e o partido de Milei tem apenas 7.

A aprovação do impeachment no Senado determinaria a destituição imediata do Presidente.

Susana Valente, ZAP //

2 Comments

  1. Como é que este “géio da economia e das finanças”. foi cair na “banha de cobra” da $Libra? É elementar meu caro Watson, a ganancia é o calcanhar de Aquiles de todos os corruptos.

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