Apesar de todas as evidências apontarem que o Irão estava a cumprir os requisitos estipulados com Obama em 2015, Trump rasgou unilateralmente o acordo em 2018, plantando as sementes do conflito atual.
À primeira vista, pode parecer que a escalada entre os Estados Unidos e o Irão é um acontecimento recente e fruto só da aliança entre os norte-americanos e os israelitas. No entanto, as raízes do conflito — que atingiram o ponto de ebulição com o recente ataque direto dos EUA ao Irão — já datam do primeiro mandato de Donald Trump.
Para percebermos o contexto, temos de recuar a 2015, quando Barack Obama ainda era o chefe de Estado norte-americano. Após dois anos de negociações com os iranianos, Obama conseguiu um dos seus principais feitos diplomáticos a nível da política externa com assinatura do Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA), a 14 de julho de 2015. O acordo nuclear do Irão, como ficou conhecido, sinalizou uma reaproximação entre os dois países e um relaxamento nas tensões.
Apesar de ter feito uma campanha presidencial com uma mensagem anti-guerra e de ter repetidamente criticado Hillary Clinton pelas suas posições belicistas — principalmente devido ao seu apoio à guerra no Iraque — Donald Trump reacendeu as tensões com o Irão e saiu do acordo nuclear em maio de 2018.
O que ficou acordado no JCPOA?
O JCPOA impôs restrições ao programa de enriquecimento nuclear do Irão em troca do alívio das sanções ocidentais contra Teerão.
Para além dos Estados Unidos e do Irão, os restantes quatro membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas — China, França, Rússia e Reino Unido — também alinharam no acordo, assim como a Alemanha e as autoridades da União Europeia.
O objetivo era garantir que o programa nuclear do Irão fosse totalmente pacífico e apenas para fins científicos, travando os planos para a construção de um arsenal de bombas atómicas. Em troca, as potências ocidentais levantariam as sanções contra Teerão e trariam algum alívio à economia iraniana.
“O acordo bloqueia todos os caminhos possíveis que o Irão poderia usar para construir uma bomba nuclear, ao mesmo tempo em que garante — por meio de um regime abrangente, intrusivo e sem precedentes de verificação e transparência — que o programa nuclear do Irão permaneça exclusivamente pacífico no futuro”, afirmou a Casa Branca de Obama na época.
O documento de 159 páginas definiu ainda salvaguardas rigorosas de monitorização para haver garantias regulares de que os iranianos não estavam a violar as provisões. Essas exigências incluiam o envio de 11 333 kg de urânio enriquecido para fora do país, o desmantelamento e a remoção de dois terços de suas centrífugas e a permissão para inspeções internacionais mais abrangentes sobre as suas instalações nucleares.
Após a Agência Internacional de Energia Atómica das Nações Unidas ter verificado que Teerão estava a cumprir os requisitos, o acordo entrou em vigor a 16 de janeiro de 2016, com os restantes países a suspender as sanções financeiras e petrolíferas e a libertar cerca de 100 mil milhões de dólares em ativos iranianos congelados. Caso fossem descobertos indícios de que o Irão estava a violar o que ficou estipulado, as sanções seriam reativadas.
Muitas das restrições ao programa nuclear iraniano tinham datas de validade. Por exemplo, as restrições às centrífugas seriam suspensas após 10 anos e os limites à quantidade de urânio expirariam após 15 anos.
Para alguns, estas restrições temporárias foram vistas apenas como um primeiro passo na normalização das relações diplomáticas entre os Estados Unidos e o Irão, havendo esperança de que o acordo pudesse eventualmente ser extendido ou tornado permanente.
Para outros, estas cláusulas de caducidade estavam apenas a adiar o problema e não a resolvê-lo. Um dos maiores críticos do acordo foi precisamente o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, que o descreveu como um “erro histórico” e inclusive manifestou a sua oposição durante um discurso no Congresso americano.
O Irão estava a cumprir o acordo?
Sim. Várias agências internacionais e o próprio Governo norte-americano verificaram múltiplas vezes que o Irão estava a cumprir os requisitos definidos no JCPOA. Entre 2015 e 2018, a Agência Internacional de Energia atómica confirmou mais de 10 vezes que os iranianos estavam a seguir o que ficou estipulado.
Em 2018, já durante o primeiro mandato de Trump, o próprio Diretor de Inteligência Nacional dos Estados Unidos, a CIA e o Departamento de Defesa garantiram todos que Teerão estava a respeitar o acordo.
Quando Trump assumiu a presidência em 2017, o JCPOA também já tinha eliminado 98% do stock de urânio enriquecido do Irão e tinha ainda limitado o enriquecimento a 3,7% — um valor bem abaixo do nível necessário para uma bomba nuclear.
Ainda em 2017, foi noticiado que a Casa Branca estava a pressionar os responsáveis das agências de inteligência a fabricar uma violação do acordo por parte do Irão que pudesse justificar uma saída unilateral dos Estados Unidos.
No entanto, os agentes estavam a resistir a esta pressão devido ao que se passou em 2003, quando a administração Bush avançou para uma guerra contra o Iraque alegando ter indícios de que o país estava a produzir armas de destruição massiça — indícios esses que nunca foram encontrados.
“Ouvi isso de membros da comunidade de inteligência, por exemplo, que eles se sentem pressionados. Eles disseram-me que havia uma sensação de repulsa. Uma sensação de déjà vu. Uma sensação de ‘já vimos esse filme antes’”, afirmou na altura Ned Price, ex-analista da CIA citado pelo The Guardian.
David Cohen, ex-diretor adjunto da CIA, também descreveu como “desconcertante” a ideia de que Trump estava a tentar fabricar provas para justificar a sua decisão, em vez de tomar a sua decisão baseando-se nas provas já existentes.
“Isso coloca o processo de inteligência de cabeça para baixo. Se a nossa inteligência for degradada por ser politizada da maneira que parece que o Presidente quer fazer aqui, isso prejudica a utilidade dessa inteligência em todos os níveis”, alertou.
Trump rasgou o acordo e voltou a impor sanções
Apesar de tudo isto, Donald Trump decidiu mesmo rasgar unilateralmente o acordo em 2018 e voltar a impor sanções ao Irão, descrevendo-o como “o pior acordo da história“.
“Está claro para mim que não podemos impedir uma bomba nuclear iraniana sob a estrutura decadente e podre do acordo atual”, afirmou na altura o chefe de Estado, frisando que o Irão “negociou o JCPOA de má-fé, e que o acordo deu ao regime iraniano muito em troca de pouco”.
O chefe de Estado norte-americano também justificou a saída porque o acordo não abrangia o programa de mísseis balísticos do Irão e a influência regional do país nos seus vizinhos, como por exemplo, o seu apoio ao Hezbollah no Líbano.
Os líderes da França, Alemanha e Reino Unido expressaram o seu “pesar e preocupação” com a decisão de Trump e tentaram manter o acordo vivo, apelando ao Irão que continuasse a cumprir o que tinha ficado estipulado.
Joe Biden chegou a tentar negociar o retorno ao JCPOA. No entanto, nos últimos meses do seu mandato, um porta-voz do Departamento de Estado disse que estavam “longe” de retomar as negociações com o Irão.
Espiões americanos contrariam Trump
Após um ataque ordenado por Trump ter matado Qassem Soleimani, líder da Força Quds de elite do Irão, em janeiro de 2020, o Governo iraniano anunciou oficialmente que não iria cumprir nenhuma das restrições operacionais ao seu programa nuclear previstas no JCPOA.
Apesar de haver sinais de que o Irão está a aumentar a produção de urânio enriquecido, um relatório do mês passado da Agência Internacional de Energia Atómica refere que não há provas de que Teerão esteja ativamente a tentar produzir armas nucleares.
O mesmo é dito pelas agências de inteligência norte-americanas. De acordo com o New York Times, os responsáveis americanos apontam que o Irão ainda não decidiu se fabricará uma bomba nuclear, embora tenha desenvolvido um grande stock de urânio enriquecido necessário para tal.
Estas conclusões não têm impedido de Trump de afirmar várias vezes que acredita que o Irão está a fabricar bombas nucleares, desmentindo as agências de espionagem do seu próprio país.
A contradição já chegou até a seio do próprio Governo de Trump. Tulsi Gabbard, Diretora de Inteligência Nacional dos EUA, que inicialmente se tornou conhecida nos Democratas devido às suas posições anti-guerra, publicou um vídeo nas redes sociais a 10 de junho onde alerta contra a “a elite política e os belicistas” que estão a “fomentar descuidadamente o medo e as tensões entre as potências nucleares” e que o mundo está “à beira da aniquilação nuclear”.
A chefe das secretas também já tinha afirmado em março que não tinha provas concretas de que o Irão estivesse a construir um arsenal nuclear. Confrontado sobre estas declarações, Trump foi curto e grosso: “Não quero saber do que ela disse. Acho que eles estão muito perto de ter uma”. Segundo o Politico, o vídeo de Gabbard também terá irritado Trump, que considerou que ela tinha falado fora de hora.
Este desentendimento entre Trump e Gabbard deverá ter ficado resolvido quando a Diretora das Secretas rapidamente mudou de tom. Este sábado, Gabbard voltou a atrás e disse que, afinal, o Irão pode ter uma arma nuclear daqui a poucas semanas e que as suas afirmações tinham sido descontextualizadas por “media desonestos”
Algumas autoridades americanas acreditam que este recuo se baseia no material fornecido pela Mossad, a agência de inteligência israelita, que acredita que o Irão pode desenvolver uma arma nuclear em 15 dias.
Embora algumas autoridades americanas considerem a estimativa israelita confiável, outras enfatizaram que a avaliação da inteligência americana permaneceu inalterada e que é arriscado para os EUA seguir cegamente o que é dito por Israel. Os espiões norte-americanos acreditam também que pode levar vários meses, ou até um ano, para que o Irão produza uma arma nuclear.
Ha trinta anos que Netanyahu diz que os Iranianos podem ter a bomba dentro de uma semana. O sonho dele tem sido envolver os americanos nesta guerra, porque sózinho não se safa. Finalmente conseguiu que Trump avançasse com umas bombinhas….(mais barulho que outra coisa) e, surpresa, surpresa… recebeu de volta uma chuva destrutiva de misseis. Parece que lhe cagou o cão no caminho e os planos de repetir o que fizeram na Líbia, são afinal uma má idéia. Este negócio de conseguir um cessar fogo rapidinho, cheira-me a medo. Estão queimando os dedos, porque se estivessem vencendo não quereriam parar. Esperemos pelo próximo capitulo desta novela.