“Indemnizações são insultuosas para as vítimas”. Declarações polémicas de D. Manuel Clemente

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patriarcadodelisboa / Flickr

Cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente

D. Manuel Clemente afasta a suspensão preventiva dos suspeitos de abusos e considera ainda que pagar indemnizações seria “insultuoso” para as vítimas.

O cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, afastou a suspensão de alegados padres abusadores de menores sem que haja “factos comprovados, sujeitos a contraditório” e um processo canónico feito pela Santa Sé.

Em declarações à RTP, SIC e Rádio Renascença após a procissão do Senhor dos Passos, em Lisboa, Manuel Clemente salientou que Portugal é um “país de lei e qualquer pessoa que seja acusada tem de saber do que é que é acusada”.

“Aquilo que nos foi entregue pela Comissão Independente foi uma lista de nomes. Se essa lista de nomes for preenchida por factos, tanto nós como as autoridades civis podemos atuar. […] Da parte da Igreja, estamos completamente disponíveis para procurar a resolução deste problema, em colaboração, claro está, com as entidades civis e canónicas”, afirmou o cardeal-patriarca de Lisboa.

Questionado se a resolução do problema pode passar pela suspensão imediata dos alegados padres abusadores de menores, Manuel Clemente respondeu: “Essa é uma pena muito grave, é a mais grave que a Santa Sé poderá dar e é a Santa Sé que a poderá dar”.

“Se nós tivermos factos, e factos comprovados e sujeitos a contraditório, claro – nós estamos num país de direito e de leis – só pode ser feita pela Santa Sé, não é uma coisa que um bispo possa fazer por si”, referiu.

Interrogado se os padres em questão não podem ser suspensos preventivamente, o cardeal-patriarca de Lisboa voltou a descartar esse cenário, referindo que “não pode ser porque é sujeito a contraditório”.

“A suspensão é uma pena, como disse, muito grave, que só pode ser dada pela Santa Sé depois de um processo canónico. Na lei civil, todos os casos são do conhecimento do Ministério Público e o Ministério Público atua conforme a lei e nós cá estamos para colaborar”, disse.

Confrontado com as declarações do bispo emérito das Forças Armadas – que, em entrevista à RTP, defendeu a suspensão preventiva de alegados padres abusadores de menores e considerou que os bispos que encobriram esses casos “não servem para o lugar que ocupam” -, Manuel Clemente referiu que “essas palavras são de quem as proferiu”.

“Eu não sei se há esses casos. Se houver esses casos, têm de ser tratados como tais e atendendo a um facto: a legislação atual não é a legislação de há dez anos, nem civil, nem canónica. E muito menos de há 20 e de há 30”, referiu.

Segundo o cardeal-patriarca de Lisboa, “muitos dos casos em apreço” são de “há 50, 60, de há muitos anos”, numa altura em que “a legislação não era nada disto, nem sequer era crime público, nem era um crime contra as pessoas, eram meros atentados ao pudor que eram tratados com boas palavras”.

“A gente tem de situar isto em cada momento que aconteceu. Agora, tudo o que tiver de ser feito, vai ser feito. Nós somos os primeiros interessados em resolver o assunto”, sublinhou.

Sobre a possibilidade de a Igreja pagar indemnizações às vítimas, o cardeal consider que a ideia é insultuosa. “Até acho isso um bocadinho, desculpem-me a expressão, insultuoso para as vítimas. É porque a generalidade das vítimas… não falou nenhuma delas em indemnização”, referiu.

Manuel Clemente assegurou que a Igreja irá fazer “tudo aquilo” que puder de acordo com a lei.

“Nós não podemos inventar a lei, nem a civil, nem a canónica. Tudo aquilo que puder ser feito segundo a lei, será feito segundo a lei. Mas não nos peçam outra coisa, que também não poderíamos ser mais… Agora, disto podem ter a certeza: nós somos os primeiros interessados em resolver o assunto”, disse.

Interrogado se considera que o memorial para as vítimas dos abusos sexuais, que será apresentado durante a Jornada Mundial da Juventude, é suficiente, Manuel Clemente respondeu: “A única coisa que é suficiente é nunca mais haver coisas destas”.

“É isso que nós queremos, porque só um caso já era demais. Isso é que é suficiente e bastante”, disse.

APAV estranha posição da Igreja

A Associação de Apoio à Vítima (APAV) já reagiu à resposta da Igreja Católica e mostra-se surpreendida com a resistência à suspensão de funções dos padres suspeitos de abusos.

“Por uma questão de salvaguarda de potenciais vítimas e de valorização do relato da vítima e o seu sofrimento, mas também por uma questão de credibilidade da própria Igreja Católica, o afastamento preventivo, a partir do momento em que há a suspeita, continua a ser fundamental”, explica Carla Ferreira à TSF, que lembra que a suspensão prventiva é uma práctica recorrente noutros sectores da sociedade.

Ao não notarem consequências imediatas para os abusadores, as vítimas podem sentir-se desencorajadas a denunciar os crimes.

“Se as pessoas perceberem que, de alguma forma, o seu relato pode não ser valorizado ou que a sua situação pode não ser tida em consideração, há possibilidade que haja aqui um decréscimo de denúncias”, afirma.

Carla Teixeira considera ainda que a indemnização é apenas um dos vários mecanismos de compensação que deve ser disponibilizada às vítimas.

“Para nós, essa questão não se coloca, obviamente as vítimas não são obrigadas a aceitar essa indemnização, isto não é um mecanismo forçado, é um mecanismo que deve ser colocado ao dispor para que as pessoas possam beneficiar desse mecanismo, embora isso não substitua o apoio e toda a cultura de tolerância zero que se deve instituir”, remata.

“Ninguém está aqui a pedir dinheiro”

No programa da TSF e da CNN Portugal, O Princípio da Incerteza, a deputada socialista e comentadora Alexandra Leitão criticou as declarações de D. Manuel Clemente e afirma que muitas pessoas sentiram “indignação” e “revolta” com a reacção da Igreja portuguesa, que ficou aquém da resposta dada noutros países onde os abusos sexuais também foram investigados.

“Além do tom burocrático e pouco empático, considero que os resultados que foram dados chegam a ser insultuosos para com as vítimas e a própria comissão independente. Não afastar as pessoas que estão indicadas naquela lista e que resultam de denúncias que a comissão independente considerou credíveis põe em risco aquelas crianças e jovens com quem eles estão a contactar”, afirma.

Alexandra Leitão também discorda da posição de D. Manuel Clemente sobre as indemnizações também a questão das indemnizações. “Ninguém está aqui a pedir a dinheiro, mas entender-se que a Igreja não tem que se responsabilizar objectivamente pela reparação daqueles danos – e quiçá subjetivamente – acho que foi um momento mau para a Igreja“, considera.

António Lobo Xavier, por sua vez, acredita que os bispos falam como “estudantes de direito”. “Em lugar daquilo que esperávamos, que eram medidas preventivas, cautelares, uma conferência de imprensa centrada nas vítimas, no futuro e nas formas de evitar que esta tragédia se repetisse, os bispos, mal aconselhados, vieram com frases de redações escolares de quinta ordem de estudantes de direito. Eram umas balelas sobre o princípio da inocência e o trânsito em julgado. Depois também vieram com uma teoria, uma redação de aluno do segundo ano, sobre a imputação de responsabilidade pelo dano”, atira.

Lobo Xavier considera que as declarações dos responsáveis da Igreja são “profundamente decepcionantes” e são algo que “estamos habituados a ver noutra dimensão da política”.

“Talvez a hierarquia da Igreja Católica só perceba os caminhos de dignidade e purificação com uma manifestação gritante e indignada à porta dos espaços episcopais a pedir purificação e dignidade nos discursos e nos actos”, apelou.

Recorde-se que a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica validou 512 dos 564 testemunhos recebidos, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4815.

Estes testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, período abrangido pelo trabalho da comissão. 25 denúncias foram reportadas ao Ministério Público, que deram origem à abertura de 15 inquéritos, dos quais nove foram já arquivados, permanecendo seis em investigação.

Adriana Peixoto, ZAP // Lusa

6 Comments

  1. Indemnizações são insultuosas para as vitimas ! ……… Nesse ponto concordo , o Dinheiro não apaga tudo , mas en contra-partida manter suspeitos no cargo , é realmente un INSULTO para as vitimas . A verdadeira Justiça consiste após un Julgamento en Tribunal Civil , en punir esses fariseus criminosos com uma pena acrescentada de Anos de prisão ! . É como numa fruteira , basta un fruto podre para contaminar os restantes , neste caso estes indivíduos que se intitulam de altos representantes de Cristo no seio da Igreja , não passam de seres hediondos . As vitimas comprovadas , são agora duplamente violadas por as ações e omissões .

  2. Os CRIMINOSOS, sim, CRIMINOSOS, porque o que fizeram é CRIME, pedofilia é crime e que eu saiba os padres não estão imunes, como querem fazer parecer. Se alegarem que há falta de padres, para tentar justificar, é uma VERGONHA. É menos pecado faltar à missa, porque não temos padre que celebre a missa do que ter no nosso meio um “padre” que abusa dos nossos filhos, a cometer um Pecado Mortal (Pecado contra a luxuria – Luxúria
    “A luxúria, lascívia ou libertinagem é o pecado associado aos desejos sexuais. Para os católicos, esse pecado tem a ver com o abuso do sexo ou a busca excessiva do prazer sexual. O oposto da luxúria é a pureza.
    Das passagens bíblicas que tratam desse pecado, uma das mais incisivas é a que está em Gálatas 5:19:
    Ora, as obras da carne são manifestas: imoralidade sexual, impureza e libertinagem;
    Gálatas 5:19”
    Ou será que não lhe ensinaram isso no seminário? A verdadeira Justiça consiste em leva-los a julgamento no Tribunal Civil, e serem responsabilizados pelos crimes que cometeram. A expor nas redes sociais, os seus nomes e rostos, para mostrar que estão realmente arrependidos. Não é andarem lobos em peles de cordeiros.
    Não lhes podemos chamar representantes de Cristo.
    Se cada um de nós perguntar a si mesmo: Se Deus estivesse cá na terra o que será que faria a estes criminosos? Deixa-los ia continuar ou expulsá-los-ia? A IGREJA deveria fazer esta pergunta e dar a resposta. Deus perdoa a quem se arrepende, e quem assume os erros, não a quem se esconde.

  3. Pois é, não são afastados “temporariamente” porquê? Para continuarem com as práticas até serem julgados?

    A Igreja, que não passa de uma “monarquia” em que o “rei” é o papa, está à décadas em conluio com os acusados.

    Menos conversa “da treta”, que não estamos numa “monarquia”, e colocar os acusados em “preventiva” até serem julgados, e caso exista condenação serem “excluídos” de uma vez por todas e cumprir pena. Evidente que a “monarquia” tem que “abrir os cofres”, o Banco Ambrosiano serve para isso, não só para “lavar” dinheiro sujo (e que não venham com desculpa, porque isto aconteceu, e desconheço se ainda acontece, visto que existe sigilo).

    Como Católico, condeno o posicionamento da “Igreja/Monarquia” veemente! — Antes de tudo cuidar das vítimas! Amen!

  4. Se esse senhor tivesse sido violado por algum padre e tivesse ficado com danos físicos e psicológicos para a toda vida, gostaríamos de saber se ele acharia que a indemnização a que tivesse direito seria “insultuosa”? “Meros atentados ao pudor” resolvidos com “boas palavras”?! Mas o homem endoidou?

  5. Até parece que por os violadores serem padres o crime é de menor gravidade! Antes pelo contrário, é de muito maior gravidade! As vítimas e os pais das vítimas em vez de andarem a fazer queixa à Igreja e a porem panos quentes, deviam dirigir-se directamente à Polícia e apresentar queixa pelo crime de abuso sexual ou de violação.

  6. É por a judiciária a investigar esses crimes, antes de ser padres são supostas “pessoas” e não previligiados e acima da lei. como tal deviam ser presentes a Tribunal codenados e cumprir pena e demais sanções como qualquer um que comete um crime.
    A Igreja continua a encobrir… Insultosa a indemnização das vítimas…. um absurdo completo, então que diria dos actos cometidos contra as vítimas… Uma aberração!?!
    Muitos padres e outros acima entram nessa dita “profissão” de origenshumildese e pobres e muitos deles em pouco tempo ficam ricos… Que se dirá disto?!?
    Quando se fala em ir bolso da Igreja e dos representantes para retirar as indemnizações… Dizem que insultuoso para as vítimas… ridículos…no mínimo, não é a toa que Igreja Catolica (que não sei que lhe chamar Grupo, associação ou outra coisa) é das mais ricas e previligaidas do mundo… Os Estados não devem ter uma religião, as pessoas se o entenderem sim, mas de carácter privado, o que cada um acredita diz apenas a este.. Muito menos problemas. Acabem lá com os privilégios das religiões, antes de sermos crentes, somos humanos e como humanos devemos viver com igualdade de direitos e regras para vivermos em paz.

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