Num discurso com várias críticas a Donald Trump, a candidata Democrata frisou as suas raízes na classe trabalhadora e prometeu continuar a garantir a supremacia militar norte-americana.
Kamala Harris aceitou hoje a nomeação para candidata democrata às presidenciais e prometeu ser uma “presidente para todos os americanos“, durante o discurso histórico em que se tornou na primeira mulher afro-indiana-americana a ser nomeada.
“Sei que há pessoas com várias visões políticas a assistirem esta noite”, disse Kamala Harris, no encerramento da convenção nacional democrata em Chicago. “E quero que saibam isto: prometo ser uma presidente para todos os americanos”, afirmou.
“Vou ser uma presidente que nos une em torno das nossas mais elevadas aspirações”, continuou. “Uma presidente que lidera e que ouve. Que é realista, prática e tem senso comum”, prometeu. “E que luta sempre pelo povo americano, do tribunal até à Casa Branca. Esse tem sido o trabalho da minha vida”.
Um mês depois da desistência de Joe Biden que abriu caminho para a nomeação, Kamala Harris dirigiu-se a milhões para dizer que a nação tem aqui “uma oportunidade preciosa e fugaz de ultrapassar a amargura, cinismo e batalhas divisórias do passado”.
É uma oportunidade, defendeu, de construir um novo caminho “não como membros de qualquer partido ou fação, mas como americanos”.
A ex-procuradora procurou apresentar-se novamente ao eleitorado, contando histórias da sua infância e adolescência e ligando o percurso dos seus pais imigrantes ao idealismo do que significa ser americano.
“América, o caminho que me trouxe aqui nas últimas semanas foi, sem dúvida inesperado”, reconheceu a candidata. “Mas eu não sou estranha a jornadas inesperadas”, declarou, falando de como a sua mãe emigrou da Índia para a Califórnia com apenas 19 anos para perseguir o sonho de ser a cientista que ia curar o cancro da mama.
Filha de pai jamaicano, Harris contou que foi sobretudo a mãe que tomou conta dos filhos e que viveram em apartamentos arrendados antes de conseguirem juntar dinheiro para comprar uma casa.
“Vivíamos num bonito bairro da classe trabalhadora com bombeiros, enfermeiros e trabalhadores da construção civil, onde todos cuidavam com orgulho dos seus relvados”, descreveu.
“A minha mãe disse-nos para nunca nos queixarmos da injustiça e sim fazermos alguma coisa por isso”, lembrou, contando que cresceu submersa no movimento dos direitos civis.
Impostos e aborto
A candidata frisou que não esqueceu as suas raízes na classe trabalhadora e promete fazer um corte de impostos. “Vamos aprovar um corte de impostos para a classe média que vai beneficiar 100 milhões de americanos”, prometeu, acrescentando que o seu plano económico inclui programas de acesso a financiamento para pequenas empresas e empreendedores.
Ao nível de políticas de saúde e sociais, o foco de Harris esteve na restauração dos direitos reprodutivos, após a revogação do direito federal ao aborto pelo Supremo Tribunal, e a proteção de outros direitos ameaçados, como acesso a contracetivos e a inseminação artificial.
A democrata avisou que o candidato republicano, o antigo Presidente Donald Trump, responsável pela nomeação dos juízes que revogaram a lei que garantia o acesso ao aborto, ainda não está satisfeito.
“Como parte da sua agenda, ele e os seus aliados vão limitar o acesso a contracetivos, banir medicação abortiva e instaurar uma proibição nacional do aborto”, avisou, referindo a intenção descrita no Projeto 2025 de criar um Coordenador Nacional de Aborto para registar abortos, incluindo os espontâneos.
“Estão loucos”, caracterizou Harris. “Porque é que não confiam nas mulheres?”, questionou. “Confiamos nas mulheres. Quando o Congresso aprovar uma lei para restaurar a liberdade reprodutiva, como presidente irei orgulhosamente promulgá-la”, disse.
Harris também prometeu aprovar legislação para reforçar o direito ao voto e abordou a questão da segurança na fronteira, lembrando o pacote bipartidário que quase foi aprovado pelo Congresso, mas que acabou por morrer devido à pressão de Donald Trump, que não queria dar uma vitória a Joe Biden.
“Como presidente, vou recuperar a lei bipartidária que Donald Trump matou e vou promulgá-la”, disse Harris. “Podemos honrar a nossa herança como nação de imigrantes e reformar o nosso sistema disfuncional de imigração”, considerou. “Oferecer um caminho para a cidadania e proteger a fronteira”, acrescentou.
Kamala defende cessar-fogo em Gaza
Num dos momentos mais esperados do discurso, devido aos protestos à porta da convenção por grupos pró-palestinianos, Harris não deixou margem para dúvidas no que toca ao apoio a Israel, mas também defendeu os direitos dos palestinianos.
“No que respeita à guerra em Gaza, o Presidente Biden e eu estamos a trabalhar sem parar, porque agora é o momento para conseguir um acordo para libertar os reféns e um cessar-fogo”, afirmou a candidata democrata.
Chegou a temer-se que os delegados não comprometidos, que queriam falar durante a convenção, pudessem tentar interromper o discurso, algo que não aconteceu.
“Deixem-me ser clara: vou sempre defender o direito de Israel de se defender a si própria e vou garantir que tem a capacidade de o fazer”, frisou Harris, que ao mesmo tempo deixou uma palavra aos palestinianos.
“Tantas vidas inocentes perdidas, pessoas desesperadas e esfomeadas a fugirem sem parar”, descreveu. “A dimensão do sofrimento é de partir o coração”, continuou.
Harris assegurou que a administração está a trabalhar para acabar com esta guerra e “assegurar que o povo palestiniano pode realizar o seu direito a segurança, liberdade e autodeterminação”.
“Como presidente, vou defender a Ucrânia e os nossos aliados da NATO”, afirmou, lembrando que o oponente Donald Trump ameaçou abandonar a Organização do Tratado do Atlântico Norte e “encorajou Putin” a invadir quem quisesse.
Esta parte do discurso, em que abordou diretamente o que será a sua política externa, arrancou muitos aplausos e foi ligada a um sentimento de patriotismo e crença no sonho americano que permeou a convenção.
“Meus caros americanos, adoro o nosso país com todo o meu coração”, disse Harris. “Somos os herdeiros da maior democracia na história do mundo”, considerou, pedindo aos eleitores que mostrem uns aos outros e ao resto do mundo aquilo que a nação é e o que defende: liberdade, oportunidade, compaixão, dignidade, justiça e possibilidades intermináveis.
“Temos de estar à altura desde momento”, declarou.
ZAP // Lusa