NGC 4486, o buraco negro supermassivo no centro da galáxia M87, na constelação de Virgem, está a surpreender novamente os cientistas com uma erupção de raios gama.
A primeira fotografia de sempre de um buraco negro abalou o mundo em 2019, quando o Event Horizon Telescope publicou uma imagem do buraco negro supermassivo no centro da galáxia Messier 87, também conhecida como Virgo A ou NGC 4486, localizada na constelação de Virgem.
Este buraco negro está a surpreender novamente os cientistas com uma erupção de raios gama – emitindo fotões milhares de milhões de vezes mais energéticos do que a luz visível.
O surto, tão intenso não era observado há mais de uma década, fornece uma visão crucial sobre a forma como as partículas, como eletrões e positrões, são aceleradas nos ambientes extremos perto dos buracos negros.
O jato que sai do centro de M87 é sete ordens de grandeza — dezenas de milhões de vezes — maior do que o horizonte de eventos, ou a superfície do próprio buraco negro.
A brilhante explosão de emissão altamente energética foi muito superior às energias tipicamente detetadas por radiotelescópios na região do buraco negro. A atividade durou cerca de três dias e provavelmente emergiu de uma região com menos de três dias-luz de tamanho.
Um raio gama é um “pacote” de energia eletromagnética, também conhecido como fotão. Os raios gama têm a maior energia de todos os comprimentos de onda do espetro eletromagnético e são produzidos pelos ambientes mais quentes e energéticos do Universo, como as regiões em torno dos buracos negros.
Os fotões da erupção de raios gama de M87 têm níveis de energia de alguns teraeletrões-volt. Os teraeletrões-volt são usados para medir a energia das partículas subatómicas e são equivalentes à energia de um mosquito em movimento.
Trata-se de uma enorme quantidade de energia para partículas que são muitos biliões de vezes mais pequenas do que um mosquito. Os fotões com vários teraeletrões-volt de energia são muito mais energéticos do que os fotões que constituem a luz visível.
À medida que a matéria cai num buraco negro, forma um disco de acreção onde as partículas são aceleradas devido à perda de energia gravitacional. Algumas são mesmo redirecionadas para longe dos polos do buraco negro como um poderoso fluxo, ou jatos, impulsionado por campos magnéticos intensos.
Este processo é irregular, o que muitas vezes causa uma rápida explosão de energia. No entanto, os raios gama não conseguem penetrar na atmosfera da Terra.
Há cerca de 70 anos, os físicos descobriram que os raios gama podem ser detetados a partir do solo, observando a radiação secundária gerada quando atingem a atmosfera.
“Ainda não compreendemos totalmente como é que as partículas são aceleradas perto do buraco negro ou dentro do jato”, disse Weidong Jin, investigador de pós-doutoramento na UCLA e coautor de um artigo científico que descreve os resultados publicados por uma equipa internacional na revista Astronomy & Astrophysics.
“Estas partículas são tão energéticas que estão a viajar perto da velocidade da luz e nós queremos perceber onde e como ganham essa energia. O nosso estudo apresenta os dados espetrais mais abrangentes alguma vez recolhidos para esta galáxia, juntamente com modelos que esclarecem estes processos”.
Jin contribuiu para a análise da parte de mais alta energia do conjunto de dados, os chamados raios gama de muito alta energia, que foram recolhidos pelo VERITAS (Very Energetic Radiation Imaging Telescope Array System)
Este é um instrumento terrestre de raios gama que funciona no Observatório Fred Lawrence Whipple no sul do estado norte-americano do Arizona.
A análise ajudou a detetar a erupção, como indicado por grandes mudanças de luminosidade que são um desvio significativo da variabilidade da linha de base.
Mais de duas dúzias de instalações observacionais terrestres e espaciais, incluindo os telescópios Fermi-LAT, o Telescópio Hubble, NuSTAR, Chandra e Swift, juntamente com as três maiores redes de telescópios atmosféricos Cherenkov do mundo (VERITAS, H.E.S.S. e MAGIC) juntaram-se a esta segunda campanha EHT e de múltiplos comprimentos de onda em 2018.
Estes observatórios são sensíveis aos fotões de raios X, bem como aos raios gama de alta e muito alta energia, respetivamente.
Um dos principais conjuntos de dados utilizados neste estudo é a chamada distribuição espetral de energia. “O espetro descreve a forma como a energia de fontes astronómicas, como M87, se distribui por diferentes comprimentos de onda da luz”, disse Jin.
“É como dividir a luz num arco-íris e medir a quantidade de energia presente em cada cor. Esta análise ajuda-nos a descobrir os diferentes processos que conduzem à aceleração de partículas altamente energéticas no jato do buraco negro supermassivo”, detalha.
Uma análise mais aprofundada dos autores do artigo científico encontrou uma variação significativa na posição e no ângulo do anel, também chamado horizonte de eventos, e na posição do jato. Isto sugere que uma relação física entre as partículas e o horizonte de eventos, em diferentes escalas de tamanho, influencia a posição do jato.
“Uma das características mais marcantes do buraco negro de M87 é um jato bipolar que se estende a milhares de anos-luz do núcleo”, disse Jin.
“Este estudo proporcionou uma oportunidade única para investigar a origem da emissão de raios gama de muito alta energia durante a erupção e para identificar o local onde as partículas que causam o surto estão a ser aceleradas”, acrescenta.
“As nossas descobertas podem ajudar a resolver um debate de longa data sobre as origens dos raios cósmicos detetados na Terra”, conclui o investigador.
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