Largas dezenas de voos sobrevoam todos os verões as praias portuguesas com fins publicitários, uma atividade que para os ambientalistas deveria ser limitada e constitui apenas “a ponta do ‘iceberg’” dos custos ambientais da indústria da publicidade.
“Um avião no ar, daquela natureza, irá poluir o equivalente a termos 10 carros eficientes (novos) a andar durante o mesmo tempo em que ele está a apresentar a publicidade”, estimou, em cálculos para a agência Lusa, o presidente da Zero, Francisco Ferreira, professor na área do Ambiente na Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova de Lisboa.
Reconhecendo que as emissões de gases com efeito de estufa libertadas pelos aviões usados no reboque de mangas publicitárias são diminutas face às produzidas à escala nacional, Francisco Ferreira considerou que, do ponto de vista das boas práticas e do exemplo, este tipo de publicidade deveria ser limitado: ”Temos outras formas de chegar às pessoas, com menor impacto”.
“Não nos esqueçamos que não se trata apenas das emissões de gases com efeito de estufa, há também alguma perturbação para quem está numa praia a procurar algum sossego e temos recebido queixas dessa natureza também”, admitiu.
De acordo com Francisco Ferreira, em todas as atividades deve ser selecionado o que deve ser feito, por forma a minimizar os impactos ambientais.
“No caso desta publicidade aérea, temos realmente emissões, quer de gases com efeito de estufa, do CO2 associado à combustão do ‘fuel’ dos aviões, quer também de outros gases poluentes e de ruído”, sustentou, alertando que várias zonas do litoral são “particularmente sensíveis” em termos de populações de avifauna nas zonas de dunas, de reserva natural, desde o Parque Natural da Ria Formosa à costa vicentina e ao sudoeste alentejano, entre outras áreas salvaguardadas por legislação europeia.
“Se pudermos evitar esta atividade, estamos a dar um contributo ambiental, isso é inegável”, considerou.
Estes voos não são controlados como o restante tráfego aéreo, por se verificarem a uma altitude inferior e estarem sujeitos a regras de voo visual (VFR, na sigla em inglês), admitiram à Lusa fontes da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) e da NAV Portugal.
As empresas que os operam têm, porém, de submeter um plano de voo à autoridade competente.
A Lusa questionou a ANAC sobre o número de operadores licenciados para esta atividade e a que normas estão sujeitos, não tendo obtido resposta.
Segundo a SevenAir, empresa líder de mercado que disponibiliza este serviço através da marca AirEmotions, a atividade tem vindo a crescer.
“Este ano a nível de volume de faturação e mesmo horas de voo, estamos a falar de valores duplicados em relação ao ano passado”, assumiu Miguel Brandão em declarações à Lusa por parte da empresa.
Na página na Internet, a empresa publicita que nas últimas décadas realizou mais de 55.000 horas de voo a promover marcas, negócios e eventos em Portugal e no sul de Espanha.
Depois de um ano de 2019 considerado “muito bom”, a empresa ressentiu-se em 2020 e 2021 dos efeitos da pandemia de covid-19, período em que “baixou o número de horas” de voo.
Os voos têm normalmente a duração de uma a três horas, de acordo com “a preferência do cliente”, explicou a mesma fonte.
A procura é diversificada e os anúncios vão desde motéis a universidades, passando por ‘stands’ de automóveis e superfícies comerciais, que desta forma publicitam a sua oferta.
Questionada sobre o número de voos com esta finalidade realizados nos últimos anos, a NAV Portugal assumiu que são “inúmeros” os voos VFR. Diariamente cifram-se na ordem das centenas os planos de voo recebidos nos serviços de tráfego aéreo, embora muitos não se realizem por razões diversas; condições meteorológicas, cancelamento de aulas de formação ou motivos pessoais, uma vez que são “voos de recreio”.
Por outro lado, alguns planos de voo submetidos não incluem a indicação de publicidade (‘banner towing’), especificou a NAV na resposta enviada à Lusa. Dos voos registados com esta informação, a empresa tem assinalados no sistema 103 voos em 2014, a maioria com origem no aeródromo de Cascais (52), seguindo-se Santa Cruz (18) e Portimão (15).
No ano seguinte, a NAV tem registo de 131 voos com faixa, dos quais 76 com origem-destino em Cascais. Em 2016, foram assinalados 161 voos, em 2017 há registo de 141 voos e para 2018 é possível ter a confirmação de 167. Em 2019, a NAV tem registo de 95 voos com indicação ‘banner towing’, tendo este número baixado para 80 em 2020, ano em que foi declarada a pandemia de covid-19, para voltar a subir em 2021 (136 voos).
Só entre os meses de janeiro e julho deste ano, há registo de 150 voos com indicação ‘banner towing’, o que não reflete ainda o pico do verão e ultrapassa os totais registados para anos anteriores. Nos dados a que a Lusa teve acesso não estão contabilizadas as horas de voo.
“De facto é um problema porque é um gasto energético desnecessário. É uma forma de fazer publicidade que é altamente consumidora de energia e, porque a energia consumida liberta carbono, é também um problema a nível do aquecimento global. E é algo sem o qual nós conseguiríamos viver muito bem!”, declarou, por seu lado, o presidente da Liga para a Proteção da Natureza (LPN), Jorge Palmeirim, quando contactado pela Lusa.
“Se passarem por cima de zonas utilizadas por aves aquáticas que normalmente existem ao longo da nossa costa, isso poderá ser um problema grave”, assumiu.
Jorge Palmeirim, docente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, considera que a publicidade com recurso a aviões é “um problema” que constitui “a ponta do ‘iceberg’”.
“A indústria da publicidade é extremamente perdulária ao nível energético e ao nível dos recursos naturais”, expôs. “É gravíssimo que continuemos a ter publicidade nas caixas do correio que implica quantidades imensas de papel que praticamente ninguém chega a ler sequer”, criticou o líder da LPN.
“Esse papel implica a destruição de recursos e de um recurso extremamente valioso que nós temos, que é o espaço, a terra, onde são produzidas árvores depois utilizadas para fazer pasta de papel”, justificou.
Para Jorge Palmeirim, há “uma obrigação prática e moral” de reduzir o consumo de recursos na indústria da publicidade.
Um estudo do CDP – Carbon Disclosure Project, divulgado na terça-feira, revelou que as metas climáticas das empresas portuguesas permitem limitar o aquecimento global a 2,6ºC, longe da meta de 1,5ºC do Acordo de Paris.
Segundo o CDP, a “análise de metas climáticas corporativas sugere que o Acordo de Paris é atualmente inatingível”.
Pelo que podemos constar, para os ambientalistas tudo devia parar, quem sabe, até diminuirmos o nosso ritmo cardíaco para não ‘gastarmos’ ar!