Goddard Space Flight Center/NASA

Plumas de poeira ergueram-se dos sedimentos dessecados do leito do lago do Mar de Aral (2010).
A pegada humana é muito maior do que pensamos: “chutou” até um dos maiores lagos do mundo e alterou o funcionamento interno da Terra.
O manto superior do Planeta Azul está a lentamente a deformar-se, devido à ausência do peso que, no passado, era exercido pela enorme massa de água do Mar de Aral, que em tempos foi um dos maiores lagos do mundo, antes de secar quase completamente.
As conclusões são de um estudo publicado a 7 de abril na Nature Geoscience, que descobriu que a secagem em grande escala está a alterar completamente as profundezas da superfície da Eurásia.
Situado entre o Cazaquistão e o Uzbequistão, o Mar de Aral já foi um dos maiores lagos do mundo, mas os esforços de irrigação da era soviética tornaram-no no deserto estéril e salgado que conhecemos hoje.
A água dos rios que alimentavam o mar foi desviada para as planícies da Ásia Central na década de 1960, para aumentar a produção de algodão, e o lago desapareceu quase totalmente: perdeu mais de 93% do seu volume original.
Já sabíamos isto, mas agora, a equipa formada por investigadores da Universidade de Pequim, da Universidade do Sul de Ciência e Tecnologia da China e da Universidade do Sul da Califórnia descobriu que as consequências são muito mais graves.
Sem peso, o “colchão” volta ao lugar
Com a ajuda de interferometria de radar por satélite, a equipa liderada por Wenzhi Fan descobriu que a terra em redor do antigo lago está a subir a um ritmo de até 7 milímetros por ano — até 500 quilómetros para além dos limites originais do lago.
O responsável por este fenómeno, explicam os cientistas, é o relaxamento viscoelástico do manto terrestre.
É como um colchão de espuma com memória a voltar à sua forma depois de nos levantarmos. Quando o Mar de Aral ainda existia na sua totalidade, tinha largura suficiente para exercer a pressão necessária sobre a crosta terrestre, fazendo com que a litosfera se afundasse ligeiramente na astenosfera, mais fluida, que se encontra por baixo.
Agora, sem o peso da água, a superfície da Terra está a acompanhar a corrida e a subir lentamente — mas o ritmo da recuperação surpreendeu a equipa de Fan.
A rocha da astenosfera, “derretida, semelhante a um xarope“, como compara o IFL Science, está a fluir de volta para o seu lugar de forma mais dinâmica do que o esperado, a uma profundidade de 150 quilómetros abaixo da superfície — um processo que pode prolongar-se “durante muitas décadas”, escreve a equipa.
“Parece que a humanidade mexeu na tectónica de placas só para melhorar a produção de algodão”, sintetiza Simon Lamb, cientista da Universidade Victoria de Wellington, da News & Views.
“A dessecação do Mar de Aral tem sido uma catástrofe ambiental”, sublinha o geocientista. Perante a tragédia, só nos resta usá-la “como uma ferramenta para sondar o interior profundo do planeta, para obtermos uma nova visão sobre a natureza das rochas dentro e abaixo de uma placa tectónica”.
Mais um murro que demos ao planeta, sem termos noção da nossa força.