Horrores de Pompeia: o que as ruínas contam sobre as mulheres escravizadas para prostituição

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Wikimedia Commons

Vingança contra Dirce. Fresco antigo de Pompeia.

O nome “Eutychis” foi gravado numa parede há dois mil anos. Desvendar a sua identidade é revelar uma das facetas mais negras da Roma Antiga.

As pinturas que se encontram preservadas em Pompeia oferecem uma intrigante visão sobre a vida dos seus habitantes. Entre as várias inscrições nestas paredes, que tantas histórias contam está, segundo a Aeon, um nome grego, Eutychis, que de uma maneira perversamente irónica, se traduz para “afortunada”.

Milhares de mulheres eram escravizadas para prostituição numa Pompeia movimentada, antes da sua destruição pela erupção do Monte Vesúvio em 79 d.C. Rico e diverso, o lado mais sombrio da cidade é protagonizado pelo Lupanar, o mais famoso dos bordéis da cidade romana.

Decorado com frescos eróticos e grafite, onde os nomes de mulheres que lá trabalhavam se encontram gravados para sempre, as suas ruínas abrem uma janela para a realidade de milhares como Eutychis, uma mulher que “oferecia” serviços íntimos: “uma moça grega com maneiras doces e dois rabos” era o slogan da mulher que foi injustamente tratada como mercadoria.

Em montra. Só os preços as vestiam

Aparentemente um empreendimento comercial, a prostituição era visível em quartos alugados para uso privado, mas os bordéis de Pompeia estariam “escondidos” do resto da cidade, com cortinas a protegerem a identidade dos clientes.

Textos literários preservados e gravuras de Pompeia revelam uma representação evocativa, embora sombria, da vida das prostitutas no século I d.C. Numa cena de “Satíricon” de Petrónio, um homem é atraído para um bordel e descreve homens e mulheres nuas, que circulavam entre placas que exibiam os seus preços.

Já para o poeta Horácio, as prostitutas seriam uma escolha sensata para os homens que procuram sexo, pois, ao contrário das mulheres respeitáveis, a sua vestimenta reveladora mostrava o que um potencial cliente poderia estar a comprar (e quais das suas fantasias poderiam concretizar).

O que não é partilhado por estes autores é o ponto de vista destas prostitutas, na sua grande maioria escravas, subjugadas aos seus proprietários e clientes. Com os seus corpos expostos à praça pública, enquanto quase não se podiam mexer nos seus pequenos cubículos abertos, eram não só exploradas como submetidas a um regime severo de supervisão constante e restrição física, como descreveu Columella, um escritor do século I d.C.

Cardápio de emoções era exigido

Confinadas em quartos escuros e presas com correntes nas pernas, a maioria destas escravas não controlavam qualquer aspeto da sua vida, mostram recolhas arqueológicas.

Aliás, a função de uma prostituta passava por desenvolver sentimentos emocionais com os clientes além da parte física. Deveria ter um cardápio de emoções, desde a alegria à excitação, da paixão à dominância.

As escravas que tentavam escapar eram postas em coleiras com os nomes, habitação e profissão dos seus donos — nunca com as informações dos próprios escravos.

O caso de Eutychis permanece, até hoje, um mistério: as hipóteses apontam para que fosse uma prostituta escravizada, mas não é certo. “Afortunada” seria o seu nome de escrava, que misturado com as suas referências à antecedência grega poderia aumentar o seu valor exótico. O texto a anunciar os seus serviços pode ter servido como uma estratégia de negócio, acentuando suas “doces maneiras” e herança grega para atrair clientes.

Pompeii Sites

“Eutychis: uma moça grega com maneiras doces e dois rabos”, lê-se na entrada do Lupanar

Pouco se sabe sobre Eutychis, mas o seu caso ilumina a realidade enfrentada pelas escravizadas de Pompeia, diariamente sujeitas a abusos sexuais.

O texto referente à mulher foi encontrado na parede da Casa dos Vécios, uma das mais célebres e luxuosas residências de Pompeia que se pensa ter pertencido a dois escravos livres, Aulus Vettius Conviva e ao seu irmão Aulus Vettius Restitutus.

A decoração da casa, com imagens violentas e eróticas, parece refletir as dinâmicas de poder entre o senhor e o seu escravo. Especula-se que Eutychis pode ter sido uma escrava da casa dos Vécios, possivelmente explorada para obter uma renda adicional. Um quarto privado, decorado com pinturas eróticas e acessível apenas pela cozinha, levanta questões sobre a sua função: possivelmente, servia como um “clube de sexo” privado para os donos da casa.

Provas arqueológicas sugerem que muitas prostitutas em Pompeia eram escravas e originárias de todo o Império Romano. No entanto, há indícios de que algumas eram independentes e podiam ganhar o suficiente para comprar a sua própria liberdade. A prostituição era amplamente aceite na cidade, embora as prostitutas não gozassem, evidentemente, de um estatuto social elevado…pelo contrário.

Tomás Guimarães, ZAP //

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1 Comment

  1. E há quem defenda que é “um trabalho como outro qualquer” ter por função permitir o acesso aos seus ofícios e satisfazer os caprichos de quem aluga por força de dinheiro um corpo como se fosse uma ferramenta ou equipamento.
    Quem pode ser livre tendo de satisfazer outrem, por dinheiro, a quem de outro modo jamais satisfaria? Ter de se sujeitar a ser classificada(o) como melhor ou pior satisfatória(o), dependendo disso o número dos seus “clientes”?
    Em que é ou foi alguma vez isto trabalho?

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