“Há a guerra e depois… há isto”

Mohammed Saber / EPA

Uma israelita que sobreviveu a um ataque do movimento islamita Hamas no passado sábado, em que perdeu amigos e vizinhos, uns mortos e outros raptados, recorda o momento pela “tamanha crueldade”.

“Não sabia que podia haver tamanha crueldade. Há a guerra e depois… há isto”.

Shahar, uma israelita de 33 anos que atualmente vive em Espanha, estava em Israel de férias, quando o Hamas perpetrou o maior ataque de sempre em território israelita, desencadeando um conflito com Telavive que já fez mais de 3.100 mortos e milhares de feridos dos dois lados.

A mulher e uma das suas irmãs, de 29 anos, esconderam-se durante 35 horas no ‘kibbutz’ Magen – a menos de cinco quilómetros da fronteira com a Faixa de Gaza -, onde também estava o pai, num outro abrigo, sem qualquer informação do que se passava no exterior e com pouca esperança de sobreviver.

A família acordou pelas 06:30 de sábado com os alarmes e sons de tiros, o que levou Shahar a perceber rapidamente que “não era só mais um ‘rocket’” dos palestinianos.

As duas irmãs esconderam-se num ‘quarto seguro’, uma habitação à prova de foguetes mas onde não se podiam trancar. “Fechámos todas as janelas, apagámos as luzes e agarrámos em facas de cozinha”, relatou a israelita.

Sem o exército por perto, os cerca de 450 habitantes do ‘kibbutz’, num total de 160 famílias, defenderam-se a si próprios: um grupo de 12 “homens incrivelmente corajosos”, entre os 20 e os 70 anos, pegou em armas e impediu o avanço dos atacantes.

“Homens que deixaram as famílias para trás e enfrentaram o perigo para nos proteger a todos. Infelizmente, um morreu, outro foi raptado e soubemos agora que morreu, dois ficaram feridos, um deles teve uma perna amputada”, lamentou.

Os combates prolongaram-se por mais de sete horas. No interior da casa, as duas irmãs tinham tomado uma decisão: “Sabíamos o que era preciso fazer. Não seríamos levadas como reféns”, descreveu.

Com uma mão dada e a outra a segurar uma faca, as irmãs comprometeram-se a matar-se uma à outra caso os militantes dos Hamas as encontrassem.

Despedimo-nos uma da outra, mandámos mensagens à nossa mãe e outra irmã, que estavam fora do país, e prometemos que nos encontraríamos na próxima vida”, relatou.

Mais tarde, as irmãs conseguiram juntar-se ao pai. Eventualmente, o exército israelita chegou ao kibbutz e conseguiu terminar o ataque. Depois de os militares dizerem que já era “mais seguro” sair das casas, os três fugiram.

Pegámos no nosso cão e fomos para o carro. Quinze minutos depois, o exército avisou que ainda havia terroristas no local e que devíamos voltar a abrigar-nos, mas nós já estávamos na estrada e decidimos continuar”, contou, descrevendo o que viu na estrada: sangue, roupas, sapatos.

Shahar relatou, horrorizada, que os atacantes queimaram famílias inteiras vivas. “Uns amigos nossos foram raptados, com uma criança de três anos e um bebé de seis meses”, disse, a chorar.

Com o passar do tempo, chega mais informação sobre o que aconteceu a amigos e vizinhos. “Todos os dias sabemos de mais pessoas que morreram ou foram raptadas. A lista continua e continua”, lamentou.

Os três abrigaram-se em casa de familiares, no centro do Israel, onde passaram uma noite e, no dia seguinte, foram para o aeroporto, para tentar fugir do país. “O aeroporto estava cheio, as companhias tinham cancelado os voos. Queríamos encontrar um voo com três lugares para qualquer lado”.

Acabaram por conseguir embarcar para Lisboa, onde chegaram na terça-feira.

O pai de Shahar adoeceu entretanto, com febres fortes. A família espera reunir-se em breve e depois irão decidir “de onde podem ajudar melhor”. A prioridade agora é deixar os pais num local seguro e as três irmãs admitem regressar ao seu país.

“O meu medo é que agora que Israel passou para modo de ataque, a única coisa que as pessoas vão ver é isso: Israel a bombardear Gaza. Mas elas precisam de saber o que levou a isto, o que nós vivemos”.

// Lusa

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