Depois da crise dos mísseis de Cuba, Washigton e Moscovo criaram uma linha direta de comunicação para evitar a escalada de conflitos. Ainda em operação, pouco se sabe sobre o uso atual do sistema em plena guerra na Ucrânia.
O mundo já tinha atravessado duas guerras mundiais e, em outubro de 1962, o terceiro conflito global parecia iminente. A superpotência comunista da União Soviética instalou mísseis nucleares no território do seu aliado, Cuba e os EUA estavam a apenas 180 quilómetros de distância, o que fez com que se sentissem ameaçados e impusessem um bloqueio às rotas marítimas na região.
Após o abate de um avião americano, muitos esperavam o pior mas, no último momento, o líder soviético Nikita Khrushchev anunciou através da Rádio Moscovo que as armas nucleares seriam retiradas de Cuba — o mundo pôde então respirar novamente.
O choque de uma catástrofe evitada “à última hora” deixou marcas profundas e levou os dois lados a pensar em maneiras de aumentar a confiança mútua, apesar da sua inimizade. Foi assim que as duas superpotências concordaram em criar uma linha direta de comunicação entre as capitais Washington e Moscovo.
Dez meses após a crise dos mísseis, no dia 30 de agosto de 1963, o chamado “telefone vermelho”, linha direita entre Washington e Moscovo, entrou em operação — não era, porém nem um telefone (nem vermelho).
Era um telex – um sistema que enviava mensagens escritas. Mesmo na época, a tecnologia já era vista como ultrapassada, “mas, ao contrário do telefone, era à prova de escutas“, destaca o historiador Bernd Greiner. Esse seria um detalhe muito importante para as duas superpotências. “Eles queriam assegurar que nenhuma outra parte, quem quer que fosse, pudesse espioná-los”, acrescenta Greiner.
A primeira frase enviada como teste pelos EUA à URSS parece codificada — e realmente era: “A rápida raposa castanha saltou para as costas do cão preguiçoso 1234567890”.
A que se deve a falta de sentido? No inglês original, esta frase continha o alfabeto completo e todos os dígitos utilizados no idioma.
Um “sinal de tranquilidade para o mundo”
No início, a linha direta não era um telefone, muito menos vermelho, como é retratada em alguns filmes. É por isso que Bernd Greiner, especialista em Guerra Fria, diz que se tratou de um gesto simbólico. “Era um sinal externo para tranquilizar o mundo de que o valor da comunicação mútua de emergência havia sido compreendido, e que não queriam deixar as coisas irem tão longe, como a situação de ameaça do outono de 1962.”
O telex foi muito pouco utilizado. “Foi ativado umas poucas vezes para testes, mas não foi usado em situações críticas de decisão”, conta Greiner.
Quando a paz mundial parecia gravemente ameaçada, o telefone clássico era acionado, como aconteceu durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, entre Israel e diversos Estados árabes, e durante a Guerra do Yom Kippur, em 1973. Nas duas ocasiões, havia o risco de uma crise global, com os Estados Unidos ao lado de Israel e a União Soviética do lado árabe.
As mudanças na linha direta
Numa época dramática, o antigo telex foi substituído por um telefone via satélite. Com a queda do muro de Berlim, em 1989, o fim das ditaduras comunistas no Leste Europeu e o colapso da União Soviética, em 1991, um sistema de alerta precoce entre Washington e a agora capital da Rússia, Moscovo, parecia tornar-se tornado supérfluo.
Além disso, inovações tecnológicas, especialmente a Internet, possibilitaram a comunicação rápida e à prova de escutas. Há décadas que a conexão entre as duas capitais utiliza a tecnologia de ponta.
É difícil dizer se o “telefone vermelho” tem sido usado com frequência após a invasão russa da Ucrânia: “não sabemos, é claro que essa forma de comunicação não é divulgada”, diz Greiner.
Menos contacto do que na Guerra Fria?
O especialista diz que é sabido que o presidente dos EUA, Joe Biden, conversou algumas vezes por telefone com o líder russo, Vladimir Putin. No entanto, “o que ocorre além disso nos níveis intermediários ou militares em termos de contacto está fora do nosso conhecimento”, acrescenta, duvidando, ainda, que uma linha direta de qualquer tipo possa ajudar na atual guerra da Ucrânia.
“O problema é que a comunicação, especialmente entre militares e também entre diplomatas, foi praticamente interrompida. Há uma espécie de silêncio nesses níveis”, lamenta o historiador.
ZAP // DW