Uma estranha família de estrelas está “desesperada por sair de casa”

ESA

Cientistas conseguiram uma proeza rara: mediram de forma fiável os parâmetros de muitas estrelas jovens (e irrequietas) ao mesmo tempo.

As estrelas da Via Láctea tendem a formar-se em famílias, com estrelas semelhantes a nascerem mais ou menos no mesmo sítio e mais ou menos na mesma altura. Mais tarde, estas estrelas, quando estão prontas para “sair do ninho”, afastam-se do seu local de nascimento. Enquanto os grupos mais pequenos se podem dissipar completamente, as irmãs de famílias maiores movem-se normalmente de forma semelhante e viajam em grande parte juntas.

Vimos muitas famílias estelares com o Gaia. Já foram observadas cadeias de estrelas que se estendem pela Via Láctea e permanecem intactas durante milhares de milhões de anos, os astrónomos já mapearam os antigos fluxos estelares que se enrolaram para formar a estrutura mais antiga da nossa Galáxia e elaboraram um “retrato de família” estelar do nosso lar cósmico.

Uma família como nenhuma outra

Usando dados do Gaia, os cientistas detetaram agora uma família de estrelas diferente de todas as outras: uma família massiva de mais de 1000 estrelas jovens com um comportamento estranho. Apesar do seu tamanho, a família — denominada Ophion — em breve terá dispersado completamente e em tempo recorde, deixando apenas um ninho vazio para trás.

“Ophion está cheia de estrelas que se vão espalhar pela Galáxia de uma forma totalmente aleatória e descoordenada, o que está longe de ser o que se espera de uma família tão grande”, diz Dylan Huson da WWU (Western Washington University), EUA, e principal autor do artigo científico sobre a descoberta.

“Além disso, isto acontecerá numa fração do tempo que normalmente demoraria uma família tão grande a dispersar-se. É como nenhuma outra família de estrelas que tenhamos visto antes”.

Um novo modelo

Para encontrar Ophion, Dylan e os seus colegas desenvolveram um novo modelo para explorar o vasto e incomparável conjunto de dados espetroscópicos do Gaia e aprender mais sobre estrelas jovens e de baixa massa que se encontram razoavelmente perto do Sol. Aplicaram este modelo, designado por Gaia Net, às centenas de milhões de espetros estelares publicados no âmbito da versão 3 dos dados do Gaia. Em seguida, restringiram a sua pesquisa a estrelas “jovens” com menos de 20 milhões de anos — e Ophion saltou à vista.

“É a primeira vez que é possível utilizar um modelo como este para estrelas jovens, devido ao imenso volume e à elevada qualidade das observações espetroscópicas necessárias para o fazer funcionar”, acrescenta Johannes Sahlmann, cientista do projeto Gaia da ESA. “Ainda é muito nova, a possibilidade de medir de forma fiável os parâmetros de muitas estrelas jovens ao mesmo tempo. Este tipo de observação em massa é uma das proezas verdadeiramente sem precedentes do Gaia”.

“Outra é a forma como a missão Gaia está a criar oportunidades para uma nova ciência colaborativa e interdisciplinar através da sua política de dados abertos. Vários membros da equipa de descoberta do Ophion são estudantes universitários e pós-graduados em ciências informáticas, que utilizaram os dados do Gaia para inovar e desenvolver novos métodos que estão agora a fornecer novas perspetivas sobre as estrelas da Via Láctea”.

Resolvendo o mistério

A questão mantém-se: porque é que Ophion se comporta de forma tão invulgar?

Os cientistas discutem várias hipóteses. A família de estrelas reside a cerca de 650 anos-luz de distância, perto de outros grandes aglomerados de estrelas jovens; eventos energéticos e interações entre estes vizinhos colossais podem ter influenciado Ophion ao longo dos anos.

Há também sinais de que estrelas explodiram aqui no passado. Estas explosões de supernova podem ter varrido material de Ophion e feito com que as suas estrelas se movessem de forma muito mais rápida e errática do que antes.

“Não sabemos exatamente o que aconteceu a esta família de estrelas para que se comportasse desta forma, uma vez que nunca encontrámos nada semelhante. É um mistério”, diz a coautora Marina Kounkel da Universidade do Norte da Florida, EUA.

“É excitante, porque muda a forma como pensamos sobre os grupos de estrelas e como os podemos encontrar. Os métodos anteriores identificavam as famílias agrupando estrelas com movimentos semelhantes, mas Ophion teria escapado a esta rede. Sem os enormes conjuntos de dados de alta qualidade do Gaia e os novos modelos que podemos agora utilizar para os analisar, poderíamos estar a perder uma grande peça do puzzle estelar“.

Depois de mais de uma década a mapear os nossos céus, o Gaia deixou de observar em março. Isto marca o fim das operações da nave espacial — mas é apenas o início da ciência. Prevêem-se muitas mais descobertas nos próximos anos, juntamente com as maiores publicações de dados do Gaia até à data.

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