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Futebol iraquiano prosperou entre guerra e mortes com “costela” portuguesa

Com o país afrontado pela guerra, o Iraque surpreendeu o mundo do futebol ao conquistar a Taça Asiática, em 2007. O selecionador era o técnico luso-brasileiro Jorvan Vieira.

Em 2007, a seleção nacional iraquiana protagonizou aquele que é talvez um dos maiores feitos do futebol mundial. Contra todas as expectativas, o país conquistou a Taça Asiática. Para perceber a razão pela qual este triunfo foi tão excecional, é preciso compreender a situação que o país atravessava.

Atormentado pela guerra, a seleção contava com vários jogadores exilados. Se o Iraque já não era a equipa mais dotada, “futebolisticamente” falando, a conjuntura do país piorava ainda mais a sua situação.

Nos anos 80 e 90, o futebol iraquiano era controlado por Uday Hussein, filho mais velho do então ditador iraquiano Saddam Hussein. Uday era conhecido pela sua personalidade violenta e sádica, que o afastou categoricamente de uma possibilidade de substituir o seu pai e ascender ao poder.

Uday dedicou-se ao desporto no país, mais precisamente ao futebol. Para além de presidente do Comité Olímpico Iraquiano, era também presidente da Federação Iraquiana de Futebol. Uday criou também o seu próprio clube, o Al-Rasheed, que dominou a liga iraquiana, obrigando os restantes clubes a entregarem-lhe os seus melhores jogadores.

Caso os jogadores não correspondessem às expectativas dentro de campo, Uday ordenava que fossem espancados ou que lhes rapassem a cabeça.

Ex-jogadores que conseguiram escapar do país, mais tarde, contaram as histórias da tortura a que foram submetidos. Uma vez, por exemplo, Uday obrigou os jogadores da seleção a jogarem com uma bola de cimento por falharem a qualificação para a fase final do Campeonato do Mundo de 1994.

Ainda em 2000, quando o Iraque foi arrumado da Taça Asiática, três jogadores considerados culpados pela “vergonha” foram espancados numa sala de tortura, localizada debaixo da sede do Comité Olímpico Iraquiano. Há ainda relatos de jogadores que foram atirados para dentro de águas residuais.

Três anos depois, Uday foi morto durante um tiroteio com tropas norte-americanas e foi encontrada a sua sala de tortura. Uma cama metálica ligada a uma tomada, um sarcófago com pregos dentro ou um dispositivo medieval usado para rasgar o ânus foram alguns dos objetos encontrados.

Mais tarde, uma nova geração de jogadores começou a brotar. Hawar Mulla Mohamed, Nashat Akram e Younis Mahmoud foram as principais estrelas da seleção iraquiana nos Jogos Olímpicos de 2004, onde conseguiram uma surpreendente vitória sobre Portugal, por 4-2.

O Iraque chegaria até às meias-finais, onde perdeu com o Paraguai e terminou no quarto lugar da competição.

O desempenho nos Jogos Olímpicos impulsionou o Iraque para garantir a qualificação para a Taça Asiática de 2007. No entanto, fora das quatro linhas, cerca de 100 pessoas eram mortas, por dia, na capital Bagdade. Além disso, a seleção estava sob ameaça de várias milícias por integrarem jogadores xiitas, sunitas e curdos.

A Tifo Football conta que Hawar Mulla Mohamed chegou mesmo a ver-se obrigado a aparecer a um treino com uma metralhadora. O guarda-redes Noor Sabri soube, pouco antes do torneio, que o seu cunhado tinha sido assassinado.

O treinador luso-brasileiro Jorvan Vieira aceitou o desafio de liderar esta equipa. Nascido no Brasil, vive atualmente em Portugal.

Wikimedia

O treinador luso-brasileiro Jorvan Vieira.

“Estes rapazes… Eu tenho de lidar com muitos, muitos problemas: sociais, políticos, internos. Muitos destes jogadores não sabem onde estão. A cada minuto, a situação muda”, disse Vieira.

A Taça Asiática não começou propriamente da melhor maneira para o Iraque, com um empate no primeiro jogo da fase de grupos contra a Tailândia. No segundo jogo, protagonizaram uma das suas melhores exibições, vencendo a poderosa Austrália por 3-1. Um empate contra o Omã, no terceiro jogo, foi suficiente para seguir em frente no primeiro lugar do grupo.

Nos quartos de final, o Iraque venceu o Vietname por 2-0 e nas ‘meias’ voltou a brilhar frente à Coreia do Sul. O encontro terminou com um nulo nos fim dos 120 minutos e as equipas decidiram a passagem à final nas grandes penalidade. O Iraque saiu por cima.

A qualificação para a final levou milhares de iraquianos às ruas, apesar da situação no país. A tragédia agravou-se quando um bombista fez-se explodir, em Bagdade, matando 30 pessoas. Outras cinco morreram devido a balas perdidas disparadas por adeptos a festejarem o triunfo.

Na final, frente à Arábia Saudita, um golo solitário do jovem goleador Younis Mahmoud, aos 73 minutos, deu a vitória inesperada aos iraquianos.

No regresso ao país, os jogadores foram recebido em festa e o herói da conquista, Younis Mahmoud, aproveitou a plataforma para criticar a ocupação do Iraque por parte dos Estados Unidos.

“Eu quero que a América saia. Hoje, amanhã ou depois de amanhã, mas quero que saia. Eu gostava que os americanos não tivessem invadido o Iraque. Espero que isto acabe rápido.

Mahmoud foi nomeado para o prémio de jogador do ano da FIFA e esteve perto de assinar por um clube inglês. No entanto, não conseguiu um visto para se mudar para o Reino Unido.

“Claro que quero jogar em Inglaterra”, disse o jogador iraquiano. “Mas a minha família é a minha prioridade e se eu assinar por um clube europeu, não posso levá-la comigo”.

Em contrapartida, Hawar Mulla Mohamed acabaria por conseguir uma transferência para a Europa, tendo sido contratado pelo Anorthosis Famagusta, do Chipre. Em 2008, tornou-se o primeiro jogador iraquiano a marcar um golo na Liga dos Campeões.

DC, ZAP //

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