Florestas russas neutralizam 2,5 mil milhões de toneladas de CO2, diz governo. Cientistas duvidam

(H) Russian Federation Service Aviation Forest Protection / EPA

Incêndios na Sibéria

Em junho, enquanto o oeste da Sibéria se recuperava dos piores incêndios florestais da última década, o Presidente russo Vladimir Putin enalteceu a contribuição do país para a luta contra as alterações climáticas, durante no Fórum Económico Internacional de São Petersburgo.

“O nosso país é responsável por um quinto das florestas do mundo. Estas absorvem vários mil milhões de toneladas de CO2 anualmente”, afirmou Putin, citado pelo Moscow Times. A vice-primeira-ministra, Viktoria Abramchenko, já havia referido que os ecossistemas russos neutralizavam 2,5 mil milhões de toneladas de emissões de gases de efeito estufa por ano.

Considerando que a Rússia emite anualmente cerca de 2,2 mil milhões de toneladas de gases, caso essa estimativa estivesse correta, o país estaria na linha frente na luta contra as mudanças climáticas, apesar dos seus compromissos de descarbonização estarem entre os mais fracos entre os membros do G20 .

Muitos cientistas, porém, têm as suas dúvidas quanto à estimativa do Governo. De acordo com oito especialistas russos e internacionais entrevistados pelo Moscow Times, a estimativa de 2,5 mil milhões não é real.

“É uma fantasia”, disse Alexei Yaroshenko, diretor do departamento florestal do Greenpeace Rússia. “É difícil dizer qual é o número verdadeiro, mas certamente não é 2,5 mil milhões” de toneladas, acrescentou.

Os 800 milhões de hectares de floresta da Rússia – que cobrem metade do território do país – estão no centro da sua estratégia climática. Os compromissos do Acordo de Paris prevêem que as suas reduções de emissões sejam calculadas com base na “capacidade máxima de absorção possível das florestas e outros ecossistemas”.

Contudo, “não há dados suficientes para calcular adequadamente a absorção” de CO2 na Rússia, indicou o investigador Anatoly Shvidenko, do Instituto Florestal Sukachev do Ramo Siberiano da Academia Russa de Ciências. “Como resultado, acabamos com um valor que é substancialmente subestimado”, apontou.

Devido à falta de dados, o Governo russo decidiu levar em consideração todas as áreas florestais do país no impacto ambiental. Mas essa abordagem viola um elemento-chave dos relatórios climáticos internacionais.

De acordo com as diretrizes definidas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), as florestas são divididas em duas categorias: as que são utilizadas para obtenção de madeira e protegidas por humanos e as que não são exploradas.

No caso das primeiras, podem ser incluídas nos cálculos de emissões líquidas, já que a sua contribuição para a redução dos níveis de carbono é considerada o resultado da atividade humana. No caso das segundas, não podem ser consideradas, pois a absorção de gases de efeito de estufa é parte do ciclo natural do carbono, independente do homem.

A abordagem da Rússia para a contabilizar o carbono visa abolir essa distinção. Numa diretiva de fevereiro de 2021, o Ministério do Meio Ambiente russo decretou que, para fins de contabilidade, os dois tipos de florestas seriam tratados da mesma forma.

Para Yaroshenko, as mudanças nas definições de floresta são o resultado da influência política. “É óbvio que as autoridades querem que a estimativa seja a mais alta possível”.

O Canadá é igualmente acusado de subestimar deliberadamente as emissões causadas pelo fogo nas suas florestas. Mas na Rússia a questão é particularmente aguda, já que a União Europeia (UE) está a trabalhar em tarifas que provavelmente afetariam o setor vital de combustíveis fósseis da Rússia.

“Acho que a ideia principal é negociar cotas de carbono e pagar impostos”, continuou Yaroshenko. “A ausência de informações confiáveis ​​permite que as autoridades apresentem quaisquer estatísticas que desejem”, concluiu.

Ainda sobre a absorção de CO2, “em anos bons, quando há menos incêndios florestais, a absorção pode ser de 1,3 ou 1,5 mil milhões de toneladas”, disse Sergey Bartalev, diretor do Laboratório de Monitorização de Ecossistemas Terrestres do Instituto de Pesquisa Espacial da Rússia.

Embora uma fórmula para calcular a absorção de dióxido de carbono, produzida pelo Instituto Russo para Silvicultura e Mecanização Florestal, tenha apontando para 2 mil milhões de toneladas anuais, a sua metodologia foi criticada por usar dados obsoletos para produzir resultados excessivamente otimistas.

A Rússia ainda tem uma série de fatores pouco estudados que poderiam, hipoteticamente, aproximar os cálculos das estimativas do Governo. “Ainda não sabemos a quantidade de carbono que o solo das florestas está a absorver”, disse Bartalev.

Da mesma forma, os cerca de 76 milhões de hectares de terras agrícolas abandonadas intrigam os especialistas em silvicultura. Caso sejam reflorestadas, podem aumentar significativamente a absorção anual de CO2, acreditam.

No entanto, com o aumento global da temperatura, as florestas russas tendem a captar cada vez menos carbono. “Há um grande risco de que, nos próximos quinze ou vinte anos, as florestas russas se tornem uma fonte de carbono”, disse Yaroshenko.

A temporada de incêndios de 2012 na Rússia – uma das piores de todos os tempos – fez com que as florestas se tornassem uma fonte líquida de carbono. Mesmo assim, os especialistas destacaram que estas têm um grande contributo na captação do carbono e que há maneiras de preservar e aumentar a sua absorção no futuro.

Taísa Pagno //

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