A “onda vermelha” que as sondagens prometeram não chegou e há já Republicanos a pôr em causa se Donald Trump é a escolha certa para ser o rosto do partido. A vitória esmagadora de Ron DeSantis afirmou-o também como a alternativa mais viável.
A ameaça de uma “onda vermelha” nas eleições intercalares dos Estados Unidos não passou de um falso alarme e as projecções indicam que os Democratas devem conseguir segurar o Senado, apesar de ser quase certa a perda da maioria na Câmara dos Representantes.
Joe Biden já reagiu aos resultados, falando num “dia bom” para a democracia. “Tivemos uma eleição ontem, acho que foi um dia bom para a democracia. E foi um dia bom para a América”, afirmou o Presidente dos Estados Unidos esta quarta-feira.
“A imprensa e os comentadores previam uma onda vermelha gigante, que não aconteceu. Os Democratas tiveram uma noite forte“, frisou o chefe de Estado, que acredita que “tomamos os passos certos para o país e para a população”, afirmou, lembrando o sucesso no combate à pandemia através da vacinação.
Depois de vários meses em que a inflação e a baixa popularidade de Biden antecipavam um desastre eleitoral para os Democratas, o partido saiu-se melhor do que o esperado, tendo vencido várias corridas determinantes no Colorado, no New Hampshire e principalmente na Pensilvânia.
Biden terá assim uma segunda metade do mandato mais fácil do que seria caso perdesse a totalidade do Congresso para a oposição. Nos EUA, é uma tradição ver o partido do Presidente a ser derrotado nas intercalares, mas os Democratas preparam-se para ter o melhor resultado para um partido no poder desde 2002, quando os Republicanos venceram as intercalares e tinham George W. Bush na Casa Branca.
O Presidente disse ainda que planeava falar com Kevin McCarthy, actual líder da minoria Republicana da Câmara dos Representantes, em breve, já que o cenário mais provável é que McCarthy se torne Presidente da Câmara quando a vitória republicana foi confirmada, escreve o The Guardian.
“Estou preparado para trabalhar com os meus colegas Republicanos. O povo americano deixou claro, acho, que espera que os Republicanos estejam preparados para trabalhar comigo também”, garantiu, anunciado que vai propor uma reunião bipartidária para discutir a economia logo a seguir ao próximo encontro do G20.
O chefe de Estado aproveitou os resultados favoráveis para voltar a anunciar as suas intenções de se recandidatar: “A nossa intenção é concorrer outra vez. Essa tem sido a nossa intenção, independentemente de qual fosse o resultado desta eleição”.
Republicanos fartos de Trump?
Quem não deve estar tão feliz com a perspectiva da sua recandidatura é Donald Trump. Na última semana, o ex-Presidente têm dado a entender que pretende confirmar a sua recandidatura à Casa Branca no dia 15 de Novembro, falando num “anúncio importante“.
No entanto, em vez de uma “onda vermelha” que reforçasse a sua posição como a figura mais influente do partido, Trump terá de fazer o anúncio num contexto bem mais negativo, com a sua autoridade dentro dos Republicanos a ser posta em causa após os resultados eleitorais aquém do esperado.
De momento, das 39 corridas onde Trump apoiou oficialmente um candidato, as suas escolhas saíram vencedoras em 13 eleições, perderam 10 e há ainda 16 onde o resultado está em aberto, de acordo com o Axios.
Trump estará particularmente irritado com o resultado na corrida ao Senado na Pensilvânia, onde o Republicano Mehmet Oz foi derrotado pelo Democrata John Fetterman, nesta que foi eleição mais cara de todas as intercalares e uma das mais importantes. De acordo com a Forbes, Trump está culpar a sua mulher e o apresentador da Fox News, Sean Hannity, que o terão encorajado a apoiar Oz.
As vitórias no Senado de JD Vance, no Ohio, e de Mike Lee, no Utah, e de Ron Johnson, no Wisconsin, foram importantes para Trump. No entanto, os candidatos trumpistas nas corridas a governadores no Michigan, no Wisconsin e na Pensilvânia — estados que foram decisivos na vitória de Trump em 2016 e também na sua derrota em 2020 — perderam todos as suas eleições para os Democratas.
Isto indica que a derrota em 2020 frente a Biden nestes estados cruciais pode não ter sido só um acaso e que os eleitores do interior oeste estão fartos de Trump. Na sua rede social Truth, Trump admitiu que os resultados são “um pouco desapontantes“, mas disse também que foram uma “grande vitória”. “219 VITÓRIAS e 16 derrotas no total — quem é que já fez melhor que isto?”, escreveu.
Em privado, o ex-Presidente terá tido pouco para dizer sobre os resultados. O The New York Times avança que Trump “não estava particularmente interessado” nas eleições enquanto aguardava pelos resultados e o The Guardian escreve que o antigo chefe de Estado disse apenas tratar-se de uma “noite interessante”.
Entretanto, Trump já negou à Fox News as notícias de que estaria “furioso”, falando numa “narrativa de fake news”. “As pessoas que apoiei sairam-se muito bem”, disse.
“Fúria contra Trump é como nunca vi”
Os resultados estão a levar a que muitos rostos influentes nos Republicanos comecem a questionar se Trump é a pessoa certa para os liderar.
O apoio de Trump aos candidatos causou uma verdadeira purga aos seus opositores nas primárias, tendo a maioria dos vencedores sido os candidatos leais ao ex-Presidente e até vários que pedalavam as suas acusações infundadas cde ter sido vítima de fraude eleitoral.
O facto de os candidatos trumpistas terem sido os grandes vencedores nas primárias Republicanas mas não se terem saído tão bem nas eleições gerais indica que há um tecto ao apoio que Trump tem na população em geral — e isso preocupa o partido.
Uma sondagem recente do Politico concluiu que 62% dos Republicanos apoiam uma recandidatura de Trump em 2024, mas a sua popularidade é menor entre o eleitorado em geral, com apenas 40% dos inquiridos numa sondagem de Outubro da Emerson College preferirem-no a Biden.
“O partido Republicado tem de fazer uma introspecção profunda e olhar-se ao espelho neste momento porque isto foi um desastre absoluto“, considera Marc Thiessen, ex-escritor de discursos para Bush.
A ascensão de Ron DeSantis como um dos principais vencedores da noite é outra dor de cabeça para Trump. DeSantis, que tem uma ideologia política semelhante à de Trump em temas como a imigração, a gestão da pandemia, o racismo ou os direitos LGBT, garantiu a reeleição como governador da Flórida com uma vantagem de quase 20 pontos, uma margem que os Republicanos não conseguiam há quase 20 anos.
Trump apoiou a candidatura de DeSantis em 2018, mas os rumores de que esta nova estrela no partido Republicano pode concorrer contra si nas primárias Republicanas para a presidência rapidamente fizeram a relação entre os dois azedar.
DeSantis é agora mais um nome na longa lista de aliados que viraram inimigos e na véspera das eleições, Trump até ameaçou divulgar segredos comprometedores do rival caso este se candidate à Casa Branca em 2024.
“Acho que ele se poderia magoar muito. Acho que a base não gostaria, acho que não seria bom para o partido”, disse na segunda-feira, ameaçando dizer publicamente “coisas” sobre DeSantis que “não lhe seriam muito favoráveis“.
O New York Post, um tablóide que Trump lê regularmente, até dedicou a capa ao governador, chamando-lhe “DeFuture“. A cobertura favorável tem irritado o ex-chefe de Estado, que prefere outra alcunha: Ron DeSanctimonious, ou Ron DeHipócrita.
O jornalista da revista conservadora National Review, Michael Brendan Dougherty, disse que tem testemunhado uma “fúria” nunca antes vista contra Trump.
“Todas as conversas nos meus canais conservadores e Republicanos mostram raiva contra Trump que eu nunca vi. ‘O único gajo que ele atacou antes do dia da eleição foi DeSantis — o vencedor claro, enquanto isso, todos os seus candidatos estão a cagar na cama“, escreveu.
Just- all the chatter on my conservative and GOP channels – is rage at Trump like I’ve never seen. “The one guy he attacked before Election Day was DeSantis- the clear winner, meanwhile, all his guys are shitting the bed.”
— Michael Brendan Dougherty (@michaelbd) November 9, 2022
A antiga vice-porta-voz de Trump, Sarah Matthews, disse à CNN na quarta-feira de manhã que os resultados são “o maior indicador de que Donald Trump não deve ser o nomeado Republicano em 2024“, acusando o ex-Presidente de “custar vitórias aos Republicanos ao apoiar candidatos de má qualidade”.
“Se este for outro flop no Senado num ano que era favorável aos Republicanos, será culpa dos candidatos que eles escolheram, que foram sem dúvidas moldados e guiados por Donald Trump”, afirmou Liam Donovan, ex-conselheiro do Comité Senatorial Nacional Republicano, ao The New York Times.
Donovan lembra que Trump pode ainda mostrar a sua força na sua segunda volta na corrida ao Senado na Geórgia, que pode ser decisiva e determinar a recuperação da câmara por parte dos Republicanos, onde o ex-jogador de futebol americano Herschel Walker procura destituir o Democrata Raphael Warnock.
“Os Republicanos seguiram Trump para a beira de um precipício“, considera o conselheiro de Trump, David Urban. Já o ex-congressista Peter King, que é um trumpista de longa data, acredita que o ex-Presidente “já não deve ser o rosto dos Republicano” e lembra que o partido “não se pode tornar um culto de personalidade”.
As pessoas próximas do ex-Presidente estão a pedir-lhe que adie o anúncio da recandidatura previsto para a próxima semana e que espere por um contexto mais favorável. No entanto, fontes revelaram à CNN que é pouco provável que Trump adie o anúncio porque isso seria “muito humilhante“.
O Presidente Trump conseguiu nestas Eleições recuperar a Câmara dos Representantes para o Partido Republicano (PR). Alcançou 219 vitórias (um bom resultado) e obteve 16 derrotas nestas Eleições. Em 2020 alcançou no Estado da Flórida 5.7 Milhões de votos, ao contrário do Sr. Governador do Estado da Flórida, Ron DeSantis, que teve um mau resultado nestas Eleições de 2022 tendo para o efeito perdido cerca de 1.1 Milhões de votos.
“Presidente”, não. Ex-presidente, felizmente! Aos poucos a criatura começa a colapsar sob o peso da sua própria imundice.
O que calhava bem era o Trump criar o seu próprio partido, então é que iriamos perceber o que ele realmente vale em eleições.