“Filhos da violência doméstica” reprovam cinco vezes mais

Os descendentes das vítimas de violência doméstica reprovam, ao longo do seu percurso escolar, cinco vezes mais do que as restantes crianças e adolescentes, revelou um novo estudo.

A análise, citada pelo Jornal de Notícias, mostrou igualmente que os “filhos da violência doméstica” têm mais perturbações mentais e cometem mais crimes em contexto escolar do que os restantes jovens.

“Percebe-se que, em todas as variáveis analisadas, os índices verificados nos filhos das vítimas de violência doméstica são sempre mais elevados. A violência doméstica é uma marca que fica para sempre”, indicou Miguel Rodrigues, um dos investigadores responsável pelo estudo.

O psicólogo forense e consultor científico da investigação, Mauro Paulino, espera que estes dados “mostrem, de uma vez por todas, que não é necessário o progenitor agredir uma criança para deixar marcas profundas no seu desenvolvimento”.

A amostra do estudo é composta por 1205 filhos de 1010 mulheres que, em 2014, 2015 e 2016, apresentaram queixa por violência doméstica. Crianças e mães voltaram a ser contactadas entre 2020 e 2022, no âmbito da tese de doutoramento que Miguel Rodrigues está a concluir.

Em 65% dos casos, os “filhos da violência doméstica” reprovaram, pelo menos, uma vez durante o percurso escolar, havendo alguns que reprovaram mais de três vezes. “Há jovens de 20 anos que continuam no ensino secundário”, disse Miguel Rodrigues. De resto, 90% das retenções ocorreram após o início da violência doméstica.

Os dados apontam ainda que os “filhos da violência doméstica” têm duas vezes mais perturbações mentais e admitem ser mais tristes, nervosos e sentir mais medo do que a generalidade de crianças e jovens inquiridos. Confessaram consumir mais álcool, drogas e medicamentos e que jogam mais a dinheiro na internet.

No estudo, considerado por Miguel Rodrigues como “o maior realizado em Portugal” sobre violência doméstica, constatou-se que 17% dos inquiridos já cometeram um crime em ambiente escolar. Destes, 85% fizeram-no só após vivenciarem momentos traumáticos no seio familiar. “Corresponde a um crime por cada seis alunos. É uma média 11 vezes superior”, notou o estudo.

“Não podemos dizer que uma criança que assistiu a casos de violência doméstica será um agressor, mas tem um conjunto de vulnerabilidades acrescidas e necessita de ser intervencionado o mais rapidamente possível”, defendeu Mauro Paulino.

“O superior interesse da criança é um chavão bonito, mas não está em cima da mesa aquando da tomada das decisões judiciais”, criticou Mauro Paulino, que dá como exemplo a obrigatoriedade de um menor viver, mesmo que a meio tempo, na casa do progenitor suspeito ou condenado por violência doméstica.

“Estamos a obrigar uma criança a conviver com uma figura que lhe cria ansiedade”, justificou o docente da Universidade de Coimbra.

Segundo Miguel Rodrigues, 16% dos jovens inquiridos identificaram-se como agressores em contexto de violência no namoro e 22% com o papel de vítima.

O estudo evidenciou que 45% das mulheres abandonaram o agressor logo após a apresentação da denúncia de violência doméstica. Porém, seis anos depois, 75% destas vítimas tinham reatado o relacionamento.

A amostra do estudo contempla mães e filhos, entre os 15 e os 22 anos, de todas as regiões do país, que responderam a inquéritos.

ZAP //

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