Medo da guerra leva a febre dos bunkers à Alemanha

Hansm/Wikimedia Commons

Com a invasão russa da Ucrânia, mais pessoas e organizações têm procurado construir abrigos na Alemanha. Governo está a estudar investir na reativação de antigas estruturas da Guerra Fria, mas especialistas questionam a utilidade.

Talvez não haja melhor maneira de avaliar o nível de ansiedade de um país do que observando empresas que constroem salas de pânico e bunkers particulares.

Os negócios estão a correr demasiadamente bem para a BSSD Defense, empresa sediada em Berlim que constrói “sistemas de salas de proteção” para iniciativas privadas, comerciais e militares.

Além de uma gama de equipamentos de segurança doméstica, a empresa oferece desde “salas de pânico pop-up” por cerca de 20 mil euros a bunkers em escala real por cerca de 200 mil euros.

O diretor técnico da BSSD, Mario Piejde, diz que a empresa tem recebido mais chamadas nos últimos anos, tanto particulares como de serviços de bombeiros e de conselhos locais municipais.

O aumento começou a registar-se durante a pandemia  e teve um novo impulso quando a Rússia iniciou a sua guerra de agressão contra a Ucrânia, em 2022.

Há uma procura ativa e um interesse ativo, porque não há muitos fornecedores por aqui”, disse Piejde à DW. “Ninguém poderia esperar que uma guerra convencional pudesse ser travada na Europa novamente, mas a história continua a repetir-se, infelizmente. As pessoas que estavam a pensar nisso antes agora começaram a implementar os seus planos de facto.”

Nenhum bunker a funcionar

O sentimento parece ter-se infiltrado nos círculos políticos. Numa conferência de ministros do Interior no início de junho, em Potsdam, cidade nos arredores de Berlim, o ministro do Interior apresentou aos seus colegas um relatório sobre o desenvolvimento de um “conceito moderno de abrigo” para a população alemã.

O documento surgiu três meses depois de a Associação Alemã de Cidades e Municípios, que representa os 14 mil conselhos locais do país, ter pedido ao governo federal que investisse 10 mil milhões de euros nos próximos dez anos em proteção civil — e que usasse esse dinheiro para reativar os 2.000 bunkersda época da Guerra Fria.

Mas essa não seria uma tarefa fácil. O Departamento Federal de Proteção Civil e Assistência a Desastres disse à DW que apenas 579 desses bunkers são designados como abrigos públicos, e teriam espaço para apenas cerca de 478 mil pessoas (ou 0,56% da população alemã).

Disse ainda que mesmo esses bunkers “não estão a funcionar nem estão prontos para uso” desde que o sistema anterior de abrigos foi abandonado, em 2007.

Novo conceito de bunker em marcha, mas…

Segundo o BBK, um novo conceito de bunker está a ser planeado. Mas há um grande mas – o relatório do governo federal diz que para proteger toda a população do país seria necessário construir mais 210.100 bunkers, o que levaria 25 anos, a um custo de 140,2 mil milhões de euros.

Nos últimos 35 anos, construções voltadas para a proteção da população foram esquecidas, sublinhou Piejde, que acredita que a revitalização desses abrigos é viável.

“Não houve muita mudança na construção nas últimas cinco décadas. Há uma certa resistência das paredes, espessura das paredes, sistemas de filtragem. Tudo o que mudou foi o fornecimento de energia e a eficiência das baterias”, confessa.

Afinal, um bunker protege alguma coisa?

Hans-Walter Borries, diretor do Instituto de Estudos Económicos e de Segurança Firmitas, da Universidade de Witten, na Alemanha, concorda que a questão da proteção da população tem sido extremamente negligenciada.

No entanto, questiona a utilidade real dos bunkers, dada a escala do poder de fogo militar disponível numa guerra entre a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) e a Rússia, caso se concretize — e se esse for realmente o cenário para o qual está a ser preparado.

A Rússia, por exemplo, tem agora mísseis hipersónicos que podem atingir praticamente qualquer cidade europeia a partir do enclave de Kaliningrado em dois a cinco minutos.

“Não é como na Segunda Guerra Mundial, quando os avisos de bombardeiros sobrevoando Hannover em direção a Berlim davam às pessoas 15 ou 20 minutos para encontrar um bunker”, explica Borries, também coronel. “Com os tempos de reação atuais, não há como avisar a população.”

O governo alemão reconhece esse problema. Em caso de guerra, diz o relatório oficial, grandes bunkers centrais seriam muito menos úteis do que espaços protegidos descentralizados dentro de edifícios residenciais.

Por esse motivo, o governo planeia recomendar que os cidadãos adquiram materiais de construção baratos e facilmente disponíveis para construir salas seguras nas suas caves para se protegerem.

A Alemanha é apenas a mais recente nação a reavivar a febre dos bunkers.

Em 2020, a venda de bunkers disparou nos Estados Unidos à boleia da covid-19. E a Suíça, neutra durante quase toda a sua história, não esqueceu os planos de defesa que montou no passado e com uma ameaça de conflitos crescente, também começou a rever as mais-valias de 370 mil abrigos espalhados pelo país.

Outras prioridades para investimento

Borries não está convencido da necessidade de bunkers, especialmente considerando que um conflito desse tipo poderia rapidamente se transformar numa guerra nuclear, e as armas nucleares são agora indefinidamente mais destrutivas do que as usadas pelos EUA no final da Segunda Guerra Mundial.

“O efeito não é mais comparável ao de Hiroshima ou Nagasaki”, afirmou. “Com armas modernas, toda a República Federal da Alemanha poderia ser dizimada com 9 a 12 foguetes.”

Os bunkers que poderiam resistir a esse tipo de ataque precisariam de ser enterrados a milhares de metros de profundidade nos Alpes suíços. “E depois disso, não iria mais querer sair.”

Em vez de investir milhares de milhões na construção de uma rede de bunkers para o caso de uma guerra,  seria melhor que os governos investissem no que é conhecido como proteção “normal” da população.

Esse plano incluiria sistemas de alerta para desastres, especialmente os naturais, como as inundações que a Alemanha sofreu recentemente, e melhores treinos para as organizações de socorro a desastres.

ZAP // DW

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