Planetas terrestres vs. gigantes de gás e gelo: uma nova teoria que explica porque é que o Sistema Solar interior é tão diferente das regiões exteriores vai contra a sabedoria predominante. A teoria foi proposta por um grupo internacional de investigadores.
Mercúrio, Vénus, Terra e Marte no Sistema Solar interior são planetas relativamente pequenos e secos, ao contrário de Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno nas regiões exteriores, planetas que contêm quantidades muito maiores de elementos voláteis.
“Nos últimos anos, também descobrimos outra grande diferença entre as duas partes do Sistema Solar,” diz Maria Schönbächler, professora no Instituto de Geoquímica e Petrologia da Universidade de Zurique, continuando: “Os meteoritos têm uma ‘impressão digital’ diferente dependendo se tiveram origem no Sistema Solar interior ou exterior.”
A sua origem determina o conteúdo isotópico dos meteoritos. Os isótopos são átomos distintos de um determinado elemento, que partilham o mesmo número de protões nos seus núcleos, mas variam no número de neutrões.
A explicação atual para as diferenças na composição química dos planetas e meteoritos é a seguinte: há 4,5 mil milhões de anos, à medida que o Sistema Solar se formava a partir de um disco de gás e poeira, Júpiter foi o primeiro a desenvolver-se. Este dividiu o disco numa região interna e noutra externa e bloqueou a troca de materiais entre as duas.
“Como um grupo de investigadores, colaborando numa série de disciplinas, desenvolvemos um novo modelo de formação planetária. Fornece uma explicação alternativa para as diferenças nos isótopos, e Júpiter não desempenha um papel,” explica Schönbächler.
A ideia da nova teoria surgiu por meio da colaboração entre cientistas do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique e da Universidade de Zurique no NCCR (National Centre of Competence in Research) PlanetS, da qual Schönbächler faz parte. Agora, a equipa internacional publicou o seu trabalho na revista Science.
Duas ondas de formação em diferentes pontos no tempo
“Usámos simulações de computador para calcular o que podia ter acontecido no início do Sistema Solar,” diz Tim Lichtenberg da Universidade de Oxford, autor principal do estudo e ex-membro do NCCR PlanetS, que fez o seu doutoramento no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique.
De acordo com estas simulações, o Sistema Solar interior e o Sistema Solar exterior foram formados em duas ondas separadas e em dois momentos diferentes. Muito cedo, quando o disco original de poeira e gás, bem como o Sol, ainda se estavam a formar, surgiram os primeiros blocos de construção dos planetas interiores – os especialistas referem-se a estas peças, que medem cerca de 100 km, como planetesimais.
Aqui a chamada linha da neve desempenha um papel fundamental, que se formou a uma certa distância do Sol ainda muito jovem. Dentro desta linha da neve, a água existia como vapor, enquanto a água para lá transformava-se em cristais de gelo. Logo do lado de fora da linha da neve, parte do vapor de água condensou-se em grãos de poeira, que se agregaram para formar os primeiros planetesimais.
“Estes eram extremamente ricos em água,” explica Lichtenberg, acrescentando: “Isto é uma grande surpresa, porque significa que a Terra deveria ter retido muito mais água e, portanto, hoje deveria parecer-se mais com um cometa.”
Aqui, também, a nova teoria fornece uma explicação: o disco de poeira continha o isótopo radioativo alumínio-26, que os blocos de construção planetária herdaram. Tem uma meia-vida de 700 mil anos e liberta uma grande quantidade de energia à medida que se decompõe – o suficiente para aquecer planetesimais por dentro e derretê-los. Isto levou à formação de núcleos de ferro e à evaporação da água e de outros elementos voláteis.
Linha da neve moveu-se para fora
“No nosso modelo, depois da formação dos primeiros planetesimais no Sistema Solar interior, nada aconteceu durante cerca de meio milhão de anos,” explica Lichtenberg.
Surgiu então uma segunda onda de formação planetesimal, só que desta vez no Sistema Solar exterior. Com o aquecimento do disco de gás e poeira, a linha da neve moveu-se para fora, e as partículas de poeira que se moviam em direção ao Sol ficaram retidas na nova fronteira. Os investigadores descrevem-na como um “engarrafamento”, que deu origem a novos planetesimais.
“A formação dos planetas no Sistema Solar exterior começou mais tarde, mas também terminou mais depressa; os planetas interiores precisaram de muito mais tempo,” acrescentou Lichtenberg.
Dado que o segundo processo começou mais tarde, uma grande parte do alumínio-26 radioativo já havia decaído, o que significa que uma quantidade mais pequena de elementos voláteis evaporou. Como resultado, a região externa viu a formação de gigantes de gás e gelo como Júpiter, Saturno ou Úrano.
Nova combinação de dados atuais
“O nosso modelo também lança uma nova luz sobre o crescimento dos planetesimais originais no Sistema Solar interior, que continuaram até formar os planetas terrestres como a nossa Terra,” diz Schönbächler.
De acordo com o modelo, a fase inicial foi dominada por colisões entre os planetesimais. Mais tarde, a gravidade destes corpos fez com que atraíssem e acumulassem partículas de poeira num processo que os especialistas chamam de “acreção de seixos”.
Seguiu-se outra fase de colisões até ao fim do processo de formação da Terra, quando colidiu com um último grande pedaço. Este impacto fez com que o jovem planeta ejetasse material que acabou por formar a Lua. As simulações também ilustram como os planetas migraram para mais perto do Sol à medida que se formavam, antes de se estabelecerem nas órbitas que vemos hoje.
“No nosso estudo, propomos um cenário geral que reproduz a composição e a história da formação do Sistema Solar,” diz Lichtenberg.
E, de facto, os cálculos de computador correspondem aos dados de análises de meteoritos e observações astronómicas.
“Esta combinação de dados atuais de meteoritos e modelos de desenvolvimento é nova,” diz Schönbächler, “e estou encantada com a forma como tudo se alinha.”
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