Ex-agente sírio condenado na Alemanha por cumplicidade em crimes contra a Humanidade

james_gordon_losangeles / Flickr

Bashar al-Assad, Presidente da Síria

A justiça alemã condenou, esta quarta-feira, um ex-membro dos serviços secretos sírios a quatro anos e meio de prisão por “cumplicidade em crimes contra a Humanidade” no primeiro julgamento no mundo ligado aos abusos atribuídos ao regime sírio.

O Supremo Tribunal regional de Koblenz considerou o sírio Eyad al-Gharib, de 44 anos, culpado de ter participado na detenção, em setembro ou outubro de 2011, de pelo menos 30 manifestantes em Douma, capital da região de Ghouta oriental, perto de Damasco, e na sua transferência para um centro de detenção secreto dos serviços de informações, “a divisão 251” ou Al-Khatib.

A acusação afirmou que o ex-agente sírio foi uma peça de um sistema em que a tortura era praticada numa “escala quase industrial”.

Quando se aproxima o 10.º aniversário do início da revolta popular na Síria, a 15 de março de 2011, trata-se da primeira vez em todo o mundo que um tribunal se pronuncia sobre um caso ligado à repressão brutal e sangrenta do regime de Bashar al-Assad das manifestações pela liberdade, na sequência do movimento conhecido como Primavera Árabe.

Eyad al-Gharib foi o primeiro dos dois réus que compareceram desde 23 de abril perante este tribunal a receber a sentença, dado os juízes terem optado por dividir o processo.

“O acusado é condenado a quatro anos e seis meses de prisão por ter viabilizado a perpetração de crimes contra a Humanidade, nomeadamente na forma de tortura e de privação da liberdade”, disse a juíza Anne Kerber no fim do julgamento, citada pelo semanário Expresso.

O segundo acusado, Anwar Raslan, de 58 anos, é um antigo coronel com um papel mais importante no aparelho de segurança da Síria, tendo sido processado por crimes contra a Humanidade pela morte de 58 pessoas e a tortura de quatro mil detidos. O seu julgamento deverá durar até ao final de outubro.

Para os julgar, a Alemanha aplica o princípio da jurisdição universal, que permite que os autores de crimes graves sejam processados, independentemente da sua nacionalidade e do local onde os crimes foram cometidos.

O recurso por parte dos refugiados sírios na Europa aos tribunais na Alemanha, Suécia ou França tem vindo a aumentar e constitui a única possibilidade de julgar as atrocidades realizadas na Síria devido à paralisia da justiça internacional.

Eyad al-Gharib serviu nos escalões mais baixos dos serviços secretos, antes de desertar em 2012 e depois fugir da Síria em fevereiro de 2013. Chegou à Alemanha a 25 de abril de 2018, após uma longa odisseia na Turquia e depois na Grécia.

O ex-agente nunca escondeu o seu passado. Aliás, foi quando contou o seu sinuoso percurso às autoridades responsáveis por decidir sobre o seu pedido de asilo que a justiça alemã se começou a interessar por ele, o que o levou à prisão em fevereiro de 2019.

Mais de uma dezena de sírios e sírias testemunharam no tribunal sobre os terríveis abusos que sofreram na prisão de Al-Khatib. Alguns foram entrevistados com o rosto escondido ou disfarçados com uma peruca por medo de represálias contra os seus familiares ainda na Síria.

Pela primeira vez, fotografias do “dossier César” foram apresentadas num tribunal. Este ex-fotógrafo da polícia militar conseguiu fazer sair da Síria, arriscando a vida, cinco mil fotografias que mostram 6786 detidos mortos, a morrer de fome e torturados.

As fotografias analisadas em tribunal por um patologista forense, o professor Markus Rotschild, constituem uma prova material avassaladora, segundo a agência France-Presse.

ZAP // Lusa

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