A geografia não é um dado irrelevante no que se refere ao cancro. Um estudo do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) revela que Portugal e Espanha partilham “factores de risco comuns” no que respeita à mortalidade por esta doença. Além disso, evidencia zonas de alerta para alguns tumores em certas regiões do país.
O “Atlas da Mortalidade por Cancro em Portugal e Espanha 2003–2012“, realizado pelo português INSA e pelo espanhol Instituto de Saúde Carlos III, fixa manchas geográficas que revelam se a mortalidade causada por um certo cancro é superior ou inferior ao esperado em cada concelho da Península Ibérica.
Portanto, o estudo olha “para a mortalidade por cancro em Portugal e Espanha ao nível dos municípios”, para “calcular se, comparativamente ao que seria de esperar, a mortalidade num determinado município está acima ou abaixo“, explica à agência Lusa o coordenador do Departamento de Epidemiologia do INSA e um dos autores do estudo, Carlos Dias.
Deste modo, é possível “lançar hipóteses sobre os factores de risco que poderão estar subjacentes” à distribuição observada, realça o especialista.
.@irj_pt e @SaludISCIII divulgam Atlas da Mortalidade por Cancro em Portugal e Espanha. Estudo indica a existência padrões de risco semelhantes nos dois países.
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— Instituto Ricardo Jorge (@irj_pt) January 12, 2022
Cancro do esófago prevalece no Norte
Os dados apurados indicam que há uma mortalidade acima do esperado por cancro do esófago no Norte de Portugal e de Espanha, enquanto nas regiões Sul isso se verifica para o cancro da laringe.
Em ambos os casos, o Atlas permite dizer que “essa diferença se reflete tanto em Portugal como em Espanha, não respeita fronteiras“, o que evidencia “factores que são comuns”, assinala ainda Carlos Dias.
Há também uma mortalidade do cancro da laringe superior ao esperado nos homens – mas não nas mulheres – no Sul da Península Ibérica, o que indicia “um papel para a exposição ao fumo do tabaco e ao consumo de álcool, que se verifica tanto em Portugal como em Espanha, que são dois conhecidos factores de risco”, adianta ainda o especialista.
Mais mortes por cancro do estômago
Mas há outros cancros que exibem padrões diferentes. A mortalidade por cancro de estômago, por exemplo, “é muito superior ao esperado em Portugal do que na generalidade de Espanha”, o que abre caminho a outros factores “de comportamento, estilos de vida, acesso aos cuidados de saúde, que são diferentes” nos dois países, nota Carlos Dias.
O cancro do estômago estende-se, mais ou menos, por todo o território nacional, não havendo um padrão geográfico no número de mortes.
Cancro mais mortífero é o do pulmão
Segundo o estudo, o cancro mais mortífero em ambos os países é o do pulmão, com incidência e mortalidade superiores nos homens.
Porém, enquanto em Espanha se verifica uma tendência de diminuição nos homens e uma subida nas mulheres, em Portugal, a tendência de aumento persiste em ambos os sexos desde 2001.
Os dados do estudo indicam que, em 2018, o cancro do pulmão matou 3654 homens e 1017 mulheres em Portugal, com destaque para o Porto que é a região com o maior risco relativo de morte. A sua prevalência é menor no Interior, no Centro, na região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) e no norte do Alentejo.
Cancro colorretal com maior risco no sul
O cancro colorretal foi o mais diagnosticado tanto em Portugal como em Espanha, também em 2018, sendo o segundo mais mortal (mais nos homens do que nas mulheres).
Neste caso, o risco de morte é maior no sul do país e no centro do Alentejo, enquanto no Norte e no Interior tem menor prevalência.
O estudo evidencia que o cancro colorretal tem crescido nos últimos anos, justificando que isso pode ter a ver com o aumento do consumo de tabaco, de bebidas alcoólicas e de carnes vermelhas ou processadas.
Cancro da próstata é terceiro mais mortal
Se tivermos por referência apenas os homens, então o cancro da próstata foi o mais diagnosticado em ambos os países – e o terceiro mais mortal para os portugueses em 2018, com 6609 novos casos detectados e 1879 mortes.
É outro tipo de cancro que tem vindo a crescer e que se distribui de forma mais ou menos igual por todo o território nacional.
Cancro da mama mata mais no sul
O cancro da mama é o de maior incidência em Portugal, contabilizando-se apenas os dados relativos às mulheres, embora possa também detectar-se em homens.
É também o segundo cancro mais mortal para as mulheres, tanto em Portugal como em Espanha.
Em 2018, foram diagnosticados no nosso país 6974 novos casos de cancro da mama e 1748 mortes. Em termos de distribuição geográfica, fez mais vítimas a Sul, nomeadamente na região de Lisboa, no Alentejo e no Algarve, com menor incidência a Norte.
Cancro do pâncreas ataca mais em Lisboa
No caso do cancro no pâncreas, o estudo do INSA indica que o risco de morte é maior na região de Lisboa e Vale do Tejo, com destaque para a capital e Cascais. Este tipo de cancro está relacionado com factores genéticos.
Já no caso do cancro da bexiga, regista-se um aumento crescente no número de mortes, mas não há uma incidência visível em nenhuma região em particular.
No caso das “manchas” do risco de morte por cancro na Península Ibérica que foram detectadas pelo estudo, abrem-se “pistas para investigação” futura, refere o coordenador do Departamento de Epidemiologia do INSA.
A publicação deste estudo sofreu algum atraso, em parte devido à pandemia de covid-19, que mobilizou “quase totalmente” as equipas de investigação nos dois países, revela Carlos Dias, adiantando que a necessidade de ajustar metodologias e homogeneizar dados explicam o intervalo 2003-2012.
Os dados de mortalidade específicos por causa são muito mais demorados do que os da mortalidade geral, acrescenta Carlos Dias, sublinhando que “os padrões de distribuição [do cancro] não se alteram de um ano para o outro”.
Portanto, “não perdem actualidade num espaço de cinco, dez anos”, porque a doença revela “uma relativa tendência”, conclui.
ZAP // Lusa