Milhares de afegãos que colaboraram com os Estados Unidos receiam ficar à mercê dos talibã com a saída das tropas americanas. O processo de candidatura para vistos é também longo e burocrático.
Foi há quase 20 anos que os EUA declararam guerra ao Afeganistão e agora que a administração Biden anunciou a retirada total das tropas, ex-espiões afegãos que trabalharam com a CIA temem que as suas vidas estejam em risco.
É este o caso de Rahmat, que revelou ao Wall Street Journal ter feito missões secretas de espionagem nos talibã durante quase 10 anos para a CIA, mas não tem nada que o prove. Rahmat afirma não ter um contrato que prove a sua ligação à CIA e que os seus superiores nunca lhe disseram os seus verdadeiros nomes.
Esta situação retrata as dificuldades que muitos afegãos que trabalham em agências de inteligência enfrentam para conseguirem protecção diplomática e integrar programas que lhes permitam ir para os Estados Unidos, visto que estes programas geralmente exigem números de contratos, certificados e nomes dos supervisores.
No caso de Rahmat, as únicas provas da sua identidade são fotografias antigas, um antigo distintivo e uma carta de uma empresa de camiões que usou como disfarce.
A candidatura para um visto de Imigrante Especial exige mais documentação do que a CIA normalmente dá a contratados locais que serviram no Afeganistão e é um processo de 14 passos.
“Nunca lhes pedia para me ajudarem a conseguir um visto porque na altura não imaginei que estaria numa situação que me obrigaria a abandonar o meu país. Nunca imaginei que um dia os talibã fossem tão fortes”, revela o ex-espião, que foi recrutado em 2001 num grupo que tinha batalhado ao lado das tropas americanas e que integrou durante quatro anos uma unidade encarregue de capturar ou matar insurgentes locais.
Rahmat perdeu o trabalho em 2014 quando Obama começou a fechar algumas das bases no Afeganistão. Apesar de o seu último supervisor na CIA lhe ter prometido um certificado que atestasse os seus anos de serviço, isso não foi possível antes do seu despedimento. “Todos os habitantes da minha província natal sabem que eu trabalhava para os americanos. Não posso voltar para lá agora. Estou sob ameaça”, conta ao WSJ.
De acordo com um ex-agente da central de inteligência americana, os registos eram mínimos quando comparados com agências governamentais, especialmente no início da guerra.
“É muito provável que ele tenha trabalhado até durante 10 anos e feito tudo o que diz ter feito e não ter um papel que o prove. É uma organização clandestina que trabalha num ambiente confidencial”, explica o ex-agente, referindo-se a Rahmat, acrescentando que há dezenas de outros afegãos que contactam os serviços americanos diariamente porque temem que as suas vidas estejam em risco.
Rahmat já contactou a No One Left Behind, um grupo baseado da Virgínia que presta assistência aos espiões nas tentativas de contacto com os seus supervisores americanos, e espera ter a mesma sorte que o seu irmão, que trabalhou com o exército dos EUA e já se encontra em solo americano.
O Programa para Imigrantes Especiais tem como alvo tradutores e indivíduos que tenham feito “actividades sensíveis para o pessoal militar dos Estados Unidos”. Os atrasos na atribuição de vistos são comuns, com processos de aprovação que legalmente devem demorar nove meses a chegar aos cinco anos de espera em alguns casos.
Devido à pandemia, a embaixada americana em Kabul também fez uma pausa das entrevistas para os candidatos, para os quais o processo é um “pesadelo burocrático”, de acordo com a advogada Deepa Alagesan, que trabalha com o Projecto Internacional de Assistência ao Refugiado.
Em declarações ao Congresso, o Secretário de Estado Antony Blinken afirmou haver 18 mil candidaturas pendentes. Grupos de activistas e representantes no Congresso têm pressionado a administração Biden a facilitar a evacuação daqueles que trabalharam para o governo e das suas famílias.
Até agora, a administração limitou-se a aumentar a equipa que avalia as candidaturas. “Estamos determinados a cumprir a nossa obrigação com aqueles que nos ajudaram e puseram as suas vidas e das suas famílias em risco ao trabalharem com o nosso exército e com os nossos diplomatas”, defendeu Blinken na CNN.