“Espinha dorsal” da Grande Nuvem de Magalhães: uma confirmação, uma surpresa

NASA / ESA / Hubble STScI / AURA

A galáxia espiral barrada NGC 1300, considerada como prototípica das galáxias espirais barradas. As espirais barradas diferem das galáxias espirais normais na medida em que os braços da galáxia não entram em espiral até ao centro, mas estão ligados às duas extremidades de uma barra de estrelas que contém o núcleo no seu centro.

Uma equipa de astrónomos confirmou a existência de órbitas alongadas que constituem a espinha dorsal do processo de formação de uma barra. Surpreendentemente, o movimento destas formações segue a estrutura e orientação da barra.

A Grande Nuvem de Magalhães (GNM) é visível a olho nu do hemisfério sul e é a galáxia satélite mais brilhante e massiva da Via Láctea.

A GNM é rica em estrelas que abrangem uma grande faixa etária, desde estrelas recém-formadas até estrelas tão antigas quanto o Universo.

Está classificada como uma galáxia irregular porque é caracterizada por um único braço em espiral e uma barra que está deslocada do centro do disco.

Usando dados do levantamento VMC (VISTA survey of the Magellanic Clouds system), os investigadores do Instituto Leibniz para Astrofísica em Potsdam, Alemanha, em colaboração com cientistas da equipa do VMC, confirmaram a existência de órbitas alongadas que constituem a espinha dorsal do processo de formação de uma barra.

O método utilizou observações repetidas para construir um mapa de velocidade das estrelas na região central da Grande Nuvem de Magalhães.

“As estruturas estelares de barra são uma característica comum das galáxias espirais. Pensa-se que se formem a partir de pequenas perturbações no interior do disco estelar que removem estrelas dos seus movimentos circulares e as forçam em órbitas alongadas,” explica Florian Niederhofer, primeiro autor do estudo agora publicado.

Instituto Leibniz para Astrofísica de Postdam/F. Niederhofer, Levantamento VMC do VISTA

Órbitas observadas de estrelas dentro das partes centrais da Grande Nuvem de Magalhães. As estrelas na região central, ao longo da barra, seguem órbitas alongadas que se desviam de uma forma circular (contornos tracejados)

“Um tipo específico destas órbitas são as que estão alinhadas com o eixo principal da barra. Estas são consideradas como a ‘espinha dorsal’ das barras estelares e fornecem o principal suporte deste tipo de estrutura.”

O telescópio VISTA foi desenvolvido para vigiar o céu do hemisfério sul em comprimentos de onda do infravermelho próximo e estudar fontes que emitem preferencialmente neste domínio espectral, devido à sua natureza ou à presença de poeira.

Usando dados do levantamento VMC, a equipa encontrou agora as primeiras evidências diretas destas órbitas dentro da barra da GNM.

O VMC é um levantamento multiépoca do sistema de Magalhães e um projeto público do ESO, realizado entre 2010 e 2018, com o objetivo de estudar o conteúdo e a dinâmica estelar das nossas vizinhas extragaláticas mais próximas.

A equipa desenvolveu um método sofisticado para determinar com precisão os movimentos próprios das estrelas dentro das Nuvens de Magalhães.

Num novo estudo, agora publicado na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, este método foi aplicado às partes centrais da GNM.

A partir dos valores medidos, os autores calcularam os movimentos estelares reais dentro do quadro da GNM, produzindo mapas detalhados da estrutura de velocidade da galáxia.

“O impressionante nível de detalhe nos mapas de velocidade mostra o quanto o nosso método melhorou, em comparação com as medições iniciais há alguns anos atrás,” diz Thomas Schmidt, coautor e estudante de doutoramento no Instituto Leibniz para Astrofísica.

Para espanto dos investigadores, os seus mapas revelaram movimentos estelares alongados que seguem a estrutura e orientação da barra.

“Graças à sua proximidade de cerca de 163.000 anos-luz, podemos observar estrelas individuais dentro das Nuvens de Magalhães utilizando telescópios terrestres como o VISTA,” diz Maria-Rosa Cioni, investigadora principal do projeto VMC e chefe da secção Galáxias Anãs e Halo Galáctico do mesmo instituto.

“Assim, estas galáxias fornecem-nos um laboratório único para estudar em grande detalhe os processos que moldam e formam galáxias”.

De grande interesse são as dinâmicas das estrelas, uma vez que contêm informações valiosas sobre a formação e evolução das galáxias.

No entanto, durante muito tempo, as velocidades unidimensionais (na linha de visão) das estrelas têm sido a única fonte de informação dinâmica.

Estas velocidades podem ser rapidamente medidas por desvios espectroscópicos de Doppler, que dependem do efeito da luz observada de uma estrela parecer mais azulada ou avermelhada, dependendo se se aproxima ou se afasta de nós.

A fim de obter as velocidades tridimensionais totais das estrelas, é necessário conhecer os movimentos próprios das estrelas, que são os movimentos bidimensionais das estrelas no plano do céu.

Estes movimentos podem ser obtidos observando as mesmas estrelas várias vezes ao longo de um determinado período de tempo, normalmente vários anos.

Os deslocamentos das estrelas são então determinados em relação a objetos de referência próximos (da perspetiva do céu). Estes objetos podem ser, por exemplo, galáxias muito distantes de fundo, que podem ser consideradas em repouso, dadas as suas grandes distâncias, ou estrelas com movimentos próprios já conhecidos.

Uma vez que os movimentos observados das estrelas, vistos da Terra, são minúsculos, as medições precisas continuam a ser um desafio.

À distância das Nuvens de Magalhães, os movimentos observados das estrelas estão na ordem dos milissegundos de arco por ano – um milissegundo de arco é aproximadamente o tamanho de um astronauta na Lua, visto da Terra.

“A nossa descoberta fornece uma importante contribuição para o estudo das propriedades dinâmicas das galáxias barradas, uma vez que as Nuvens de Magalhães são atualmente as únicas galáxias onde tais movimentos podem ser investigados usando movimentos estelares próprio”, diz Florian Niederhofer

“Para galáxias mais distantes, isto ainda está para além das nossas capacidades técnicas”, acrescenta.

No total, foram precisos 9 anos de monitorização para acumular imagens suficientes para se poder medir estes pequenos movimentos. “Esta medição inesperada vem somar-se a uma série de resultados importantes obtidos pela equipa do VMC,” acrescenta orgulhosamente Maria-Rosa Cioni.

// CCVAlg

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