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Dona de casa foi a espia mais condecorada da II Guerra Mundial

Imperial War Museums / Wikimedia

Odette Sansom Hallowes

De mera mulher francesa “bastante vulgar, talvez até enfadonha” a espia condecorada dos aliados da II Guerra Mundial. O livro “Nome de código Lise” chegou agora a Portugal.

Odette Sansom Hallowes, uma dona de casa francesa e mãe de três filhas, resolveu tornar-se espia dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, foi capturada, torturada e sobreviveu sem nunca quebrar. A sua história acaba de ser publicada em Portugal.

Nome de código Lise“, editado este mês pela Vogais, é a história verdadeira de uma espia do SOE (Executivo de Operações Especiais), que poderia ser banal, não fosse o caso de esta mulher pouco conhecida ser a mais condecorada de todos os espiões da Segunda Guerra Mundial.

Odette Sansom Hallowes, também conhecida como Odette Churchill, era uma mulher “bastante vulgar, talvez até enfadonha”, que não bebia, não fumava, nem praguejava. Não obstante, era uma assassina treinada“, uma heroína da resistência francesa, que foi presa, torturada e levada para um campo de concentração, sem nunca ter “quebrado”, conta o autor, Larry Loftis, no prefácio do livro.

(dr) Editora Vogais

Capa do livro “Nome de Código Lise”.

Como refere o escritor num artigo publicado pela revista Time, “peça-se a um aficionado da Segunda Guerra Mundial que nomeie os espiões mais condecorados da guerra e provavelmente recebe-se uma de três respostas: Dusko Popov (nome de código: Tricylce), o agente duplo que avisou o FBI sobre Pearl Harbor e que inspirou o James Bond de Ian Fleming; Juan Pujol (nome de código: Garbo), o espanhol que enganou os alemães com uma falsa rede de 15 agentes; ou Roman Garby-Czerniawski (nome de código: Brutus), o agente duplo polaco que tinha cem agentes na rede de espionagem que criou, a Interallié.

“Todos eles foram grandes espiões e determinantes para enganar os alemães quanto ao dia D, todos eles foram condecorados, mas as suas condecorações empalidecem quando comparadas com as de uma espia chamada Odette Sansom (nome de código: Lise), distinguida com a Ordem do Império Britânico, a Ordem Nacional da Legião de Honra , a Cruz de Jorge, e mais outras cinco medalhas”, afirma.

O mesmo se passou com o próprio autor do livro, que, até “descobrir” Lise, estava convencido de que Dusko Popov “fora o maior espião da Segunda Guerra Mundial, e talvez o maior espião da história”.

Foi ocasionalmente, quando lia “História do Coronel Henri”, as memórias do sargento Hugo Bleicher, agente secreto alemão que trabalhava contra a Resistência Francesa na França ocupada pelos nazis, que esbarrou com Odette Sansom.

Hugo Bleicher “pormenorizava a infiltração noutro circuito, em que estava implicada uma espia dos Aliados chamada ‘Lise'”, descreve o autor no prefácio do livro.

Foi então que mergulhou em “tudo o que houvesse publicado em inglês sobre o assunto, a começar pelas fontes primárias, desde biografias a memórias, de várias personalidades diretamente implicadas nos acontecimentos históricos e que com ela privaram ou se cruzaram, todos os documentos do SOE que lhe fizessem referência, e as entrevistas pessoais de Odette com o Museu Imperial da Guerra em 1986.

Depois de toda a informação que recolheu, questionou-se “como era possível que quase ninguém tivesse conhecimento daquela mulher” e decidiu contar a sua história.

Em 1942, não se vislumbrava um fim para a Segunda Guerra Mundial e Odette Sansom, casada com um inglês e mãe de três meninas, decidiu seguir o exemplo do pai na Primeira Guerra Mundial e tornou-se agente do SOE, como mensageira, para ajudar a Grã-Bretanha e a França.

Após cinco tentativas falhadas e um acidente de avião, Odette desembarca por fim na França ocupada, para dar início à sua missão e é então que conhece o seu oficial superior, o capitão Peter Churhill, líder do circuito.

À medida que completam com êxito missão após missão, Peter e Odette apaixonam-se, mas cada sucesso aproxima os inimigos da sua localização, até que são traídos por outro agente.

Os dois foram detidos por Hugo Bleicher e enviados para a prisão em Paris, sendo posteriormente interrogados, mas enquanto Peter Churchill seguiu o protocolo do SOE e fez-se de “tonto” negando tudo exceto ser um agente britânico, Odette fez o oposto e disse aos alemães que ela era a líder da rede e que Peter era apenas um peão na operação.

Odette foi então entregue à Gestapo, foi interrogada 14 vezes, sujeita a fome e tortura, mas “nunca quebrou”, a sua resposta era sempre a mesma: “Não tenho nada a dizer”.

Quando a Gestapo percebeu que ela nunca falaria, condenou-a à morte e enviou-a para o local mais temido por todas as mulheres na Europa, o campo de concentração de Ravensbrück, um campo de concentração feminino, a cerca de 90 quilómetros de Berlim, onde foi colocada numa prisão subterrânea, conhecida como “o Bunker”.

Durante três meses e oito dias, definhou numa pequena cela, ora demasiado quente, ora gelada, praticamente sem comida, e na escuridão total, exceto durante cinco minutos por dia em que se acendia uma luz por cima da sua cabeça.

O corpo não tardou a ficar coberto de chagas, sofreu de disenteria e escorbuto, perdeu o cabelo e dentes, e acabou por sucumbir a um estado de semi-coma, mas o médico da enfermaria reanimou-a com uma injeção e ela voltou para a cela. Aguentou até ao fim sem nunca entregar o nome de nenhum agente.

Odette sobreviveu à guerra quase milagrosamente, ao contrário de muitos dos seus camaradas do SOE, e até ao fim da vida, pediu para que ninguém os esquecesse.

Em algumas entrevistas que deu, admitiu não haver outra razão para ter sobrevivido senão o nome Churchill, uma vez que, apesar de não haver qualquer parentesco entre Peter Churchill e Winston Churchill (primeiro-ministro do Reino Unido durante a guerra), existia a convicção deste parentesco, que ela nunca desmentiu.

Odette separou-se de Peter ao fim de nove anos de casamento (em 1956), e casou-se com Geoffrey Hallowes. Morreu em 1995, com 82 anos. Em 1950 foi feito um filme sobre ela, “Odette”, que se estreou na altura com grande aclamação em Inglaterra e nos Estados Unidos.

ZAP // Lusa

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